Tancos. Ex-ministro Azeredo Lopes absolvido. "Saio de cabeça levantada"

O coletivo de juízes condenou a oito anos de prisão João Paulino, autor confesso do assalto ao paiol de Tancos, pelos crimes de terrorismo e tráfico de estupefacientes. Ex-diretor da Polícia Judiciária Militar com pena suspensa.
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O ex-ministro da Defesa, Azeredo Lopes, foi esta sexta-feira absolvido de todos os quatro crimes de que era acusado no processo Tancos. A leitura do acórdão decorreu no Tribunal de Santarém, um ano depois do início do julgamento. A decisão do coletivo de juízes, presidido por Nelson Barra, vai ao encontro do Ministério Público, que tinha pedido nas alegações finais a absolvição de Azeredo Lopes.

"Entrei neste processo com a cabeça levantada, passei por este processo com a cabeça levantada e saio deste processo de cabeça levantada, isto, para mim, como devem compreender era muito importante", começou por dizer o antigo ministro da Defesa, à saída do tribunal.

Não é menos importante o facto de "verificar que o próprio Ministério Público, como depois o coletivo de juízes, confirmou plenamente o que sempre disse, que era a verdade", disse o ex-governante aos jornalistas.

"Saio deste processo sem reparo, isso para mim, individualmente, era muito importante", disse Azeredo Lopes, referindo que não teve de se demitir por causa deste processo. "Foi uma decisão que tomei em consciência".

O processo do furto e recuperação de armamento do paiol de Tancos, contou com 23 arguidos, incluindo o ex-ministro Azeredo Lopes, que estava acusado de quatro crimes: denegação de justiça, prevaricação, abuso de poder e favorecimento pessoal de funcionário. Todos os arguidos foram absolvidos do crime de associação criminosa.

O coletivo de juízes considerou que Azeredo Lopes não teve conhecimento da existência de uma investigação paralela e do tipo de contactos mantidos para a recuperação do material furtado, além de que não tinha competência disciplinar sobre os militares da PJM.

"Este processo é uma vergonha, do princípio até ao início do julgamento", afirmou Germano Marques da Silva, advogado do ex-ministro da Defesa, à saída do Tribunal de Santarém. Diz que só foi possível graças à "incompetência de todos os que intervieram no processo até ao início do julgamento, na fase de inquérito, PJ, Ministério Público, instrução".

O advogado defendeu ser necessário exigir que as pessoas sejam "competentes e responsáveis pelas asneiras que fazem".

"Desde o primeiro momento vi que não havia qualquer elemento de prova, tudo eram construções fantasiosas e a justiça não se faz assim, nem a lei permite que se faça assim. O problema não é da lei é das pessoas que a aplicam", concluiu Germano Marques da Silva.

João Paulino, o autor confesso do assalto ao paiol de Tancos, foi condenado a oito anos de prisão. Ele e mais dois arguidos foram condenados pelo crime de terrorismo. João Paulino, bem como Hugo Santos, foi ainda condenado por tráfico de estupefacientes.

Paulino foi condenado a seis anos de prisão pelo crime de terrorismo e a cinco anos e seis meses de prisão pelo crime de tráfico de estupefaciente, resultando, em cúmulo jurídico, na pena única de oito anos de prisão.

Considerado o cabecilha do assalto de Tancos, João Paulino foi acusado pelo Ministério Público, num despacho confirmado pelo juiz de instrução criminal, de seis crimes: detenção de cartuchos e munições proibidas e, em coautoria com outros arguidos, de dois crimes de associação criminosa, um crime de tráfico e mediação de armas, um crime de terrorismo e outro de tráfico e outras atividades ilícitas.

Em sede de alegações finais, o Ministério Público tinha pedido para João Paulino uma pena de prisão, em cúmulo jurídico, a "rondar os nove a 10 anos, no mínimo" e a pena acessória de cassação da licença de uso e porte de arma por um mínimo de dois anos.

O antigo diretor da Polícia Judiciária Militar (PJM), Luís Vieira, foi condenado a quatro anos de prisão, com execução da pena suspensa por igual período, e ainda à sanção acessória de proibição do exercício de funções por um período de três anos.

Já o major Vasco Brazão, ex-porta-voz da Polícia Judiciária Militar, foi condenado a cinco anos de pena suspensa pela prática de um crime de favorecimento pessoal praticado por funcionário e um crime de falsificação ou contrafação de documentos. Foi ainda condenado à sanção acessória de proibição do exercício de funções por um período de dois anos e meio.

O advogado Ricardo Sá Fernandes,​​​​​​ que representa o Major Vasco Brazão, avançou que vai recorrer da decisão, embora considere que o tribunal teve uma avaliação correta dos factos, com a "exceção do ponto que para nós é a grande divergência que tem a ver com a condenação dos militares da PJM e e da GNR quanto a um crime de favorecimento". "Quanto a nós esse crime não existiu e o tribunal baseou-se naquele que acabou de condenar como terrorista e traficante de droga", afirmou

A leitura do acórdão esteve prevista para 11 de outubro de 2021, mas uma alteração não substancial dos factos por parte do coletivo de juízes determinou a reabertura do julgamento, tendo-se realizado no início de dezembro uma audiência para novas declarações de alguns arguidos e alegações suplementares, centradas num alegado acordo de impunidade para o autor confesso do furto aos paióis, João Paulino.

O julgamento começou em 2 de novembro de 2020, com previsão de três sessões semanais, no Palácio da Justiça de Santarém, tendo transitado depois para o Centro Nacional de Exposições, para garantir o distanciamento físico devido à pandemia de covid-19.

Em causa está um conjunto de crimes que vão desde terrorismo, associação criminosa, denegação de justiça e prevaricação até falsificação de documentos, tráfico de influência, abuso de poder, recetação e detenção de arma proibida.

Além do ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes, estão também em julgamento o antigo diretor da Polícia Judiciária Militar, Luís Vieira, e o ex-porta-voz desta instituição militar Vasco Brazão, além de elementos da GNR de Loulé e do Porto.

Alguns arguidos são acusados de planear e executar o furto do material militar dos paióis nacionais, enquanto outros, entre os quais Azeredo Lopes, que se demitiu do cargo ministerial no seguimento do processo, e os dois elementos da PJM, da encenação que esteve na base da recuperação do equipamento.

O furto das armas foi divulgado pelo Exército em 29 de junho de 2017 com a indicação de que ocorrera no dia anterior, tendo a recuperação de algum material sido feita na região da Chamusca, Santarém, em outubro de 2017, numa operação que envolveu a PJM em colaboração com elementos da GNR de Loulé.

Segundo informação do Tribunal Judicial de Santarém, foram realizadas 66 sessões mais uma reunião prévia, que decorreu em 18 de setembro de 2020, e a audiência suplementar de 02 de dezembro, tendo o julgamento estado interrompido devido à pandemia.

Dos 23 arguidos, apenas um não prestou declarações, Jaime Oliveira, com alegadas responsabilidades no furto. Está acusado de dois crimes em coautoria, associação criminosa e tráfico e outras atividades ilícitas.

Foram arroladas 113 testemunhas pelo Ministério Público e 136 testemunhas pelos arguidos (sendo algumas comuns). Praticamente todas foram ouvidas ("quatro ou cinco foram dispensadas", incluindo Paulo Lemos, conhecido como "Fechaduras", que o tribunal não conseguiu notificar).

Paulo Lemos foi constituído arguido no processo sobre o furto de armamento do paiol de Tancos, mas posteriormente ilibado pelo Ministério Público por ter demonstrado "arrependimento ativo" e colaborado nas investigações.

Dezanove testemunhas prestaram depoimento por escrito, incluindo o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o primeiro-ministro, António Costa.

O processo chegou à distribuição com 22 497 páginas.

Em alegações finais, o Ministério Público pediu a absolvição de 11 dos 23 arguidos, incluindo de Azeredo Lopes, considerando que a conduta do ex-governante se pautou apenas por uma "omissão do ponto de vista ético", ao não diligenciar no sentido de ser levantado um processo disciplinar aos elementos da PJM.

Já a pena mais grave -- entre os nove e os 10 anos de prisão -- foi pedida para João Paulino, autor confesso do furto.

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