SOS Racismo acusa Justiça de "legitimar um nazi" Mário Machado

Tribunal português deferiu, por razões "humanitárias", pedido de Mário Machado para deixar de estar obrigado ao cumprimento de uma medida de coação para poder deslocar-se à Ucrânia

A associação SOS Racismo repudiou este sábado (19) a permissão dada por um tribunal para que o neonazi Mário Machado deixe de estar obrigado a apresentações quinzenais, para se deslocar à Ucrânia. Num comunicado hoje divulgado, a SOS Racismo "lamenta e repudia que um tribunal português tenha deferido, por razões 'humanitárias', o pedido de Mário Machado para deixar de estar obrigado ao cumprimento de uma medida de coação, no âmbito de um processo-crime em que é arguido por indícios de posse ilegal de arma, discriminação racial, discurso e propagação de ódio na Internet".

O jornal Expresso avançou, na sexta-feira, que Mário Machado já não está obrigado a cumprir a medida de coação de apresentações quinzenais numa esquadra de polícia, tendo a decisão sido tomada no seguimento de um pedido interposto pelo seu advogado para que o neonazi possa deslocar-se à Ucrânia.

Segundo a decisão judicial, citada pelo Público, um juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) considerou que perante "a situação humanitária vivida na Ucrânia e as finalidades invocadas pelo arguido para a sua pretensão, o arguido poderá deixar de cumprir a referida medida de coação enquanto estiver ausente no estrangeiro".

No início deste mês, Mário Machado anunciou na sua conta na aplicação Telegram que iria deslocar-se à Ucrânia, juntamente com outras vinte pessoas, no que designou "Operação Ucrânia1143", sem especificar o que o ia fazer.

A SOS Racismo recorda que Mário Machado "já cumpriu pena de prisão e já foi condenado pela prática de vários e múltiplos crimes, incluindo crimes discriminação racial", "já pertenceu e pertence a várias organizações de extrema-direita, responsáveis por incontáveis crimes", e "foi um dos que [participaram] no linchamento de negros no Bairro Alto, em Lisboa, na noite em que os seus cúmplices assassinaram Alcindo Monteiro".

A SOS Racismo sublinha que "está tudo devidamente documentado", alertando que "são sobejamente conhecidas as suas ligações à extrema-direita europeia, inclusivamente, ao movimento neonazi na Ucrânia".

"Quando um juiz considera que, perante tudo isto, Mário Machado é um altruísta, um humanista que pode ser dispensado do cumprimento de deveres perante a justiça, para, conforme consta do requerimento do arguido, ir para a Ucrânia prestar ajuda humanitária e, se necessário, combater ao lado das tropas ucranianas, devemos estar muito preocupados", defendeu a SOS Racismo.

Aquela associação acusa a Justiça de "legitimar um nazi" e de "legitimar o não cumprimento de medidas de coação, quando um arguido pretende 'combater'".

"Mário Machado não se voluntariou para ajudar vítimas de guerra - nunca o fez para nenhum dos múltiplos conflitos mundiais, da Síria ao Iraque, da Palestina ao Afeganistão. E não o faz agora. Mário Machado voluntaria-se para se reunir com um grupo de nazis e para se desobrigar de responder à justiça", reforça.

A SOS Racismo apela ao Ministério Público, aos tribunais superiores e ao Conselho Superior de Magistratura para que revertam "esta vergonha".

A decisão de isentar Mário Machado das apresentações quinzenais mereceu também comentários do Partido Comunista Português (PCP) e do Bloco de Esquerda (BE).

Num comunicado hoje divulgado no site do partido, o PCP referiu que esta decisão "não pode deixar de ser olhada com perplexidade". "Sublinhe-se que Mário Machado é conhecido pelo seu envolvimento e promoção de atividades criminosas e que estão na origem da sua condenação. Não é possível ignorar ainda que, invocando questões de natureza humanitária, o que Mário Machado manifesta é o seu propósito de se juntar a forças fascizantes e nazis que combatem na Ucrânia com as quais se identifica e integra", alertou o partido.

Já a líder do BE, Catarina Martins, numa publicação na sua conta oficial no Twitter, lembrou que "o Ministério Público pode recorrer" da decisão.

"Esperamos que o faça. Há um país democrático que anseia por sensatez", escreveu Catarina Martins.

No início deste mês, Mário Machado anunciou na sua conta na aplicação Telegram que iria deslocar-se à Ucrânia, juntamente com outras vinte pessoas, no que designou "Operação Ucrânia1143".

Na sexta-feira, o advogado de Mário Machado disse ao Público que o seu cliente partiria ainda naquele dia para a Ucrânia "integrado num grupo de 20 pessoas, entre portugueses e brasileiros".

Mário Machado esteve ligado a diversas organizações de extrema-direita, como o Movimento de Ação Nacional, a Irmandade Ariana e o Portugal Hammerskins, a ramificação portuguesa da Hammerskin Nation, um dos principais grupos neonazis e supremacistas brancos dos Estados Unidos da América. Fundou também os movimentos Frente Nacional e Nova Ordem Social, que liderou de 2014 até 2019.

O nacionalista tem também um registo criminal marcado por várias condenações, entre as quais a sentença, em 1997, a quatro anos e três meses de prisão pelo envolvimento na morte, por um grupo de skinheads, do português de origem cabo-verdiana Alcindo Monteiro na noite de 10 de junho de 1995.

Tem ainda uma outra condenação de 10 anos, fixada em 2012 por cúmulo jurídico na sequência de condenações a prisão efetiva em três processos, que incluíam os crimes de discriminação racial, ofensa à integridade física qualificada, difamação, ameaça e coação a uma procuradora da República e posse de arma de fogo.

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