A rutura de medicamentos é um problema grave nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e já está a ter um impacto forte nos doentes. A conclusão é do Índex Nacional do Acesso ao Medicamento 2025, cujos resultados revelam que a totalidade dos hospitais (100%) considera que as ruturas de medicamentos já são “um problema grave” e 61% já dizem que “o impacto está a ser igualmente grave para os doentes”, obrigando “a alterações de terapêuticas”. De acordo com os dados obtidos na terceira edição deste índex, realizado a partir de um inquérito a todas as unidades do setor público, 23% admitem que já tiveram de “alterar o tratamento dos doentes por falta do medicamento necessário”, algo que até “aqui nunca tinha sido reportado”. Ao DN, o presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH), Xavier Barreto, confirma a situação, argumentando mesmo que “é muito preocupante e que já não é só uma questão administrativa, mas também clínica”. Por isso mesmo, hoje, a APAH, que patrocina o Fórum do Medicamento, onde os resultados do índex vão ser apresentados, durante a manhã no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, quer ver discutida a questão da rutura de medicamentos nas unidades do SNS. “É urgente que se discuta, porque são necessárias medidas que possam mitigar esta realidade”, sublinha. Xavier Barreto reforça: “A rutura ou falha de medicamentos nos hospitais é algo que não pode acontecer”. O administrador explica que as ruturas que têm vindo a ser sentidas “têm, muitas vezes, a ver com falhas na produção, já que muitos dos medicamentos são produzidos noutros países, longe de Portugal, e uma falha na produção provoca obviamente falhas no abastecimento”, mas a questão, defende, “é que Portugal tem de evitar tais falhas”. Xavier Barreto volta a falar em algo que há muito está previsto, que é a criação da “nossa própria reserva de medicamentos, bem como trazer a produção para mais perto de nós, para a Europa ou até para Portugal, de forma a sermos mais autónomos”. O administrador sublinha a necessidade urgente de se criarem “cadeias de abastecimento resilientes, dentro do próprio SNS, para que, no caso de falhas, haver um sistema de entre ajuda nos hospitais, que permita mitigar estas falhas”. O índex deste ano vem comprovar a perceção que se vinha a ter nos últimos tempos. “No passado sabíamos que existiam ruturas, mas havia forma de as minimizar, agora são os hospitais a assumir que são graves”. Esta realidade está a contribuir também para que “o índice de acesso global ao medicamento continue em queda, como se tem vindo a acontecer desde 2020. “Este índice caiu para 54%”, o que, para Xavier Barreto também nos coloca perante “uma realidade controversa”. “Quanto mais inovação há na área do medicamento, menor é o acesso”. No entanto, explica, “as ruturas não são o único fator que leva a esta quebra no acesso ao medicamento”, há outros, nomeadamente o facto de os próprios hospitais “não estarem focados em fazer uma avaliação aos resultados terapêuticos dos medicamentos que adquirem”. Ou seja, uma avaliação ao estado do doente depois de ser tratado com os mais recentes e mais caros medicamentos. Hospitais não avaliam resultados terapêuticos com medicamentos Segundo o índex de 2025, 77% das instituições referiram não fazer “monitorização de resultados das terapêuticas” e 84% assumiram não “gerar análises de custo-efetividade”, o que na perspetiva do presidente da APAH “é absurdo”, porque também “limita decisões baseadas em evidência”. E reforça: “Grande parte dos hospitais do SNS está focado em fazer procedimentos clínicos, cirurgias e consultas. Esta sempre foi a sua forma de trabalhar. E quando medem resultados, fazem-no pelo número de cirurgias ou de consultas, nunca pelos resultados clínicos dos seus doentes. Esta é a forma tradicional de se trabalhar, mas que já não se justifica”. Porque, sublinha o administrador, “os medicamentos inovadores, que à partida são os melhores do momento, vêm substituir outros, trazem uma expectativa de resultado muito ambiciosa, e por isso custam milhões de euros aos hospitais. Ora, se se gasta estes milhões de euros com a esperança de que estes medicamentos são os melhores para os doentes, não podemos depois não comprovar se é mesmo isso que acontece”. Só que, e como demonstra o índex, a esmagadora maioria das unidades do SNS não faz avaliação dos “resultados terapêuticos” e “esta é uma das alterações que importa fazer, pois permitiria ter acordos de partilha de risco com a indústria farmacêutica”. Ou seja, “se nos vendem um medicamento por determinado montante, a este tem de estar associada uma expectativa de resultado, os doentes vão melhorar x, mas se essa expectativa de resultado não se concretizar, então o preço tem que ser ajustado”, defende Xavier Barreto, argumentando: “Com uma avaliação de resultados de terapêuticos teríamos a garantia de que estávamos a gastar bem o dinheiro do SNS. E isto é fundamental, senão não sabemos se estamos a gastar o dinheiro em moléculas que podem não estar a ter o resultado que esperávamos no doente”. Sobre a razão de os hospitais não fazerem análise aos resultados, Xavier Barreto acredita que é porque “não estão focados nesta meta”. “Há tabelas de medição de resultados terapêuticos validadas internacionalmente, que vão desde o perceber se o doente tem dor, se consegue dormir, se regressa à sua atividade, ao trabalho, e se tem boa qualidade de vida. Quanto mais não seja, é preciso o doente dizer-nos como é que se sente”. E isto “é o que está a ser feito noutros países”, pois é uma forma de “incentivar e de financiar os hospitais. Aqueles que têm melhores resultados clínicos com os seus doentes recebem mais dinheiro”. Os desafios que a inovação coloca na área do medicamento, bem como a avaliação de resultados clínicos ou até o financiamento vão estar em discussão no Fórum do Medicamento, mas Xavier Barreto sublinha que é “preciso contextualizar a situação de ruturas neste momento crítico do SNS e explicar à população porque é que o acesso está a cair, apesar dos esforços dos hospitais”.