Quase três mil profissionais (2892), entre 1398 médicos e 1494 enfermeiros, divididos por graus de carreira, especialidades e por unidades hospitalares e de cuidados primários do país aceitaram participar no primeiro estudo nacional sobre a satisfação com a profissão, no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e no setor privado. E os resultados revelam que, de um modo geral, a satisfação com “a profissão é de razoável a elevada, talvez até superior ao que seria de esperar” e com poucas diferenças registadas entre as duas classes, lê-se no relatório final da PlanAPP, organismo do Estado que analisa, planeia e apoia a definição e implementação de políticas públicas junto dos governos, divulgado há dias.Segundo o estudo, realizado pela PlanAPP em parceira com o Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa, durante o ano de 2024, os médicos e enfermeiros mais jovens, que não se sentem valorizados na carreira, que trabalham em unidades hospitalares de Lisboa e Vale do Tejo (LVT) e do Algarve e com duplo emprego ou multiemprego, são os mais insatisfeitos com a profissão – embora não tenha sido possível apurar se a insatisfação decorre, sobretudo, da situação de multiemprego, da acumulação de trabalho no SNS e nos prestadores privados, ou se dos motivos que levaram ao multiemprego, do sentimento de não-reconhecimento e das remunerações baixas.Os profissionais com mais idade, já especialistas, com horários fixos e a trabalhar em unidades de cuidados primários, sobretudo no Alentejo, mas também no Norte e no Centro, são os que relatam maior satisfação. Os valores médios apurados, numa escala de 0 a 5, não deixam dúvidas, mostrando que, no caso dos médicos, os que revelam maior satisfação trabalham no setor privado, atingindo um valor de 3,69, enquanto que nos que trabalham no SNS o valor alcançado foi de 3,26.Na classe da enfermagem, é precisamente o contrário: os que apresentam níveis de satisfação superiores desempenham funções no SNS (3,29), enquanto os que estão no setor privado apresentaram um valor de satisfação da ordem dos 3,19.É de destacar que este estudo sobre a satisfação dos profissionais de saúde é o sexto de uma série de trabalhos que têm vindo a ser feitos pelo PlanAPP com o objetivo de contribuir para a “qualificação e fortalecimento das políticas públicas de gestão e planeamento estratégico dos Recursos Humanos da Saúde”. Neste sentido, o trabalho procurou “identificar e quantificar a importância relativa dos fatores de satisfação de profissionais de saúde de Medicina e Enfermagem em Portugal, nos setores público e privado, e os fatores/perfis de retenção profissional a nível nacional”.. Média de idades das duas classes entre os 40 e 44 anosMas não só. Este estudo permite também traçar um retrato destas duas classes, ficando a saber-se que hoje ambas são compostas maioritariamente por profissionais do sexo feminino, que a média de idades é de 42 anos entre os médicos e de 44 entre os enfermeiros, e que há mais médicos e enfermeiros a trabalhar nos cuidados hospitalares do que nos cuidados primários, sendo que os primeiros tendem mais a ter uma situação de duplo emprego, ou de multiemprego, e os segundos a trabalhar mais só no SNS – aliás, de acordo com os dados agora revelados, só 47% dos médicos é que trabalha só no SNS, enquanto nos enfermeiros acontece o inverso: 75,7% trabalham só no SNS.Olhando para o retrato traçado a nível de regiões, é no Norte e em LVT que estão concentrados a maioria dos recursos, sendo a questão regional um dos fatores que contribui para a satisfação dos profissionais, a qual varia para ambas as classes sobretudo com o tipo de unidade onde atuam, a região em que se encontram, as características do horário de trabalho, a exclusividade ou não (trabalhar para um único prestador), a idade e a ocupação de cargos de chefia.No entanto, o relatório destaca que “a satisfação é particularmente influenciada por aspetos relacionados com os recursos disponíveis, as dinâmicas das equipas, o equilíbrio entre trabalho e família, os vencimentos e o contexto de prestação de cuidados”.Quanto ao regime de trabalho, fica a saber-se que a maioria dos médicos funciona em 40 horas semanais e os enfermeiros em 35 horas semanais, diferenças que se “devem às particularidades de cada uma das carreiras profissionais”, explica o documento. As diferenças sentem-se também quando se chega à análise sobre quem assume mais funções de chefia. “Há mais médicos a desempenharem mais frequentemente funções de coordenação ou de chefia de serviços ou de unidades, enquanto que na classe de enfermagem há um número mais elevado de profissionais sem responsabilidades de gestão”. Sobre o tipo de horário, há em ambos os grupos profissionais a trabalharem em horários fixos e por turnos, embora os enfermeiros apresentem maior prevalência de trabalho por turnos. A maioria dos médicos tem horários fixos, o que “pode estar relacionado com a natureza das funções em determinadas especialidades, nomeadamente na Medicina Geral e Familiar”.Outro aspeto em destaque no estudo tem a ver com a antiguidade nas instituições. Tanto médicos como enfermeiros estão nas mesmas organizações há mais de 10 anos, sendo a percentagem superior na profissão médica, a qual justifica esta antiguidade com o facto de estar no “local desejado de trabalho” e com “a formação recebida nesse local”. Os enfermeiros, por seu lado, justificam a sua permanência com o facto de estes locais terem maior “proximidade à família e amigos”.Por fim, e no que toca ao rendimento líquido médio, o estudo indica que os médicos especialistas dividem-se entre os que recebem de 2000 a 2999 euros mensais e mais de 3000 euros, enquanto a maioria dos enfermeiros especialistas recebe entre os 1000 a 1999 euros.. Médicos mais satisfeitos trabalham nos centros de saúde e no AlentejoDepois deste retrato, quem são afinal os médicos que se sentem satisfeitos com a profissão no SNS? O estudo indica que são os que trabalham “nos cuidados de saúde primários (centros de saúde), que possuem um horário de trabalho fixo, “os que evitam os desafios e os desgastes associados ao trabalho em regime de turnos e que mantêm uma relação de exclusividade com um único prestador”. Mas também os que ocupam “cargos de chefia, um fator que contribui significativamente para uma perceção positiva em várias dimensões do trabalho". Tendencialmente, o retrato-tipo de um médico satisfeito é o de "um profissional mais velho a desempenhar funções na região do Alentejo."De acordo com o estudo, os médicos a trabalhar nos cuidados de saúde primários apresentam maior satisfação em relação à profissão quando comparados com os colegas nos cuidados hospitalares em várias dimensões, nomeadamente “na satisfação com o responsável ou chefe de serviço, com os recursos humanos, com o relacionamento entre equipas e profissionais, com a conciliação do trabalho e família, com a carreira e a formação contínua, com o estado de espírito no local de trabalho, as características do trabalho, o vencimento, os órgãos de direção política da instituição, a qualidade da prestação dos cuidados no serviço e a melhoria contínua da qualidade”. Os que trabalham nos cuidados hospitalares mostram maior satisfação apenas no que toca “ao contexto de prestação de cuidados e equipamento”.Em relação à satisfação tendo em conta as regiões, o estudo não deixa dúvidas: “Os médicos na região do Alentejo são os mais satisfeitos, (apresentam níveis de satisfação mais intensos relativamente às demais regiões e para um grande número de dimensões)". Ao passo que, “os médicos “a trabalhar no Algarve estão claramente mais insatisfeitos, (apresentam níveis de insatisfação mais intensos relativamente às demais regiões e para um grande número de dimensões), seguindo-se depois os profissionais da região de Lisboa e Vale do Tejo (onde os níveis de insatisfação são claros, embora não tão pronunciados quanto na região algarvia, e igualmente para um grande número de dimensões).”No Norte e Centro, os médicos apresentam “um perfil de satisfação semelhante: níveis tendencialmente mais elevados para várias dimensões da satisfação, ainda que a respeito de dimensões diferentes”.Segundo o estudo, esta leitura territorial mostra existirem “disparidades regionais importantes nos resultados, ou seja, que a satisfação ou insatisfação dos médicos e respetivos motivos não são transversais no SNS, pelo que não é possível corrigir as situações geradoras de insatisfação apenas através de medidas gerais e transversais à profissão”, podendo mesmo dizer-se que “haverá aspetos mais amplos relacionados com a vida que influenciam positivamente a satisfação profissional dos médicos”. Ou seja, “são necessárias abordagens que contemplem as condições de trabalho, concretas e diferenciadas, no SNS. Haverá, por certo, decisões estratégicas que devem ser tomadas ao nível das organizações de saúde (agora transformadas em ULS), ao mesmo tempo que os dados reforçam a necessidade de melhor compreender as particularidades das relações público-privadas no território e os efeitos que podem produzir na satisfação desta força de trabalho”.. Enfermeiros mais satisfeitos no SNS têm horários fixos e ocupam cargos de chefiaEm relação à classe da enfermagem, o estudo explica que a satisfação varia, sobretudo, “em função de fatores como a idade, funções desempenhadas, ocupação de cargos de chefia, tipo de prestador onde atuam, características do horário de trabalho e a exclusividade ou não de trabalhar para um único prestador”. Mas é ainda referido que a satisfação também é influenciada “por aspetos relacionados com os recursos disponíveis nas unidades, com as dinâmicas das equipas, o equilíbrio entre trabalho e vida familiar, o vencimento, as características do trabalho e o contexto de prestação de cuidados”, sublinhando ainda que não foram “observadas variações significativas na satisfação global entre regiões”. O que não aconteceu com os menos satisfeitos.Em termos de perfil, “o enfermeiro mais satisfeito é tendencialmente mais velho, desempenha funções de gestor ou é especialista, trabalha nos cuidados de saúde primários, possui um horário de trabalho fixo, evitando os desafios e desgastes associados ao trabalho em regime de turnos, e mantém uma relação de exclusividade com um único prestador do SNS e ocupa cargos de chefia”.E por que é que quem trabalha nos cuidados de saúde primários (centros de saúde) apresenta maior satisfação do que os que trabalham nos cuidados hospitalares? Os itens referidos foram: “Satisfação com responsável ou chefe de serviço, recursos humanos, relacionamento entre equipas e profissionais, conciliação trabalho e família, carreira e formação contínua, estado de espírito no local de trabalho, características do trabalho, vencimento, órgãos de direção política da instituição, qualidade da prestação dos cuidados no serviço e melhoria contínua da qualidade”.No documento é explicado que “estes resultados podem refletir uma de duas coisas, senão ambas em simultâneo: menor pressão associada ao trabalho no âmbito dos cuidados de saúde primários ou menor pressão associada a escalas e trabalhos por turno”. Tal como os médicos, os enfermeiros que trabalham nos cuidados hospitalares só demonstram maior satisfação em relação aos colegas dos cuidados primários no que respeita ao “contexto de prestação de cuidados e equipamento”.Relativamente às regiões, os enfermeiros que trabalham no Alentejo e na zona Centro tendem a estar mais satisfeitos, do que os que trabalham no Algarve, LVT ou até no Norte.Condições de trabalho contribuem para mais satisfação no privadoQuando se aborda a satisfação no setor privado, tanto para médicos como para os enfermeiros as condições de trabalho são dos fatores que mais contribuem para a satisfação no setor privado. Segundo o estudo, "as diferenças nos perfis de satisfação entre médicos e enfermeiros do setor privado são pouco significativas, refletindo uma relativa homogeneidade nas condições e no ambiente de trabalho, bem como nas características dos profissionais que atuam nesse setor", embora, e de uma forma geral, "fatores como a idade, as características do horário de trabalho e a ocupação de cargos de chefia exerçam influência clara na satisfação".Retrato das classes MÉDICOS- 1398 profissionais inquiridos. Destes, 43% desempenhavam funções no Norte, 15,2% no Centro, 34,9% em Lisboa e Vale do Tejo, 2,9% no Alentejo e 3,4% no Algarve. Do total, 24,9% eram médicos do internato geral ou do internato, 31,0% assistente, 31,5% assistente graduado e 7,4% assistente graduado sénior.- 47,4% trabalha só no SNS, mas 52,6% está em situação de duplo ou multiemprego. Sendo que 21,1% está em duplo emprego (SNS + setor privado/social) 26,3% – Multiemprego (SNS + mais de uma unidade privada/social) 5,2% – Multiemprego em diferentes setores (dentro e fora da saúde). A situação de duplo ou multiemprego está enraizada na profissão médica, atingindo 59,8% dos especialistas e 34,6% dos internos.- 66,5% profissionais eram do sexo feminino e 32,4% do masculino. A média de idades apurada é de 42 anos, tendo o mais novo 24 anos e o mais velho 73. Sendo que a maioria está casada ou vive em união de facto (65,6%), 28,0% é solteira, 5% está divorciada ou separada e 0,3% é viúva. Quase metade dos participantes (49,3%) tem pessoas a seu cargo, como pais ou outros familiares. Entre estes, 88% indicaram que essas pessoas estão sob a sua responsabilidade e encargos quotidianos.- 92,7% dos médicos fez o curso em Portugal e 6,7% completou a formação noutro país. A maioria (60,2%) tem grau de Mestrado diretamente relacionado com a área profissional, ao passo que 29,2% possuem apenas licenciatura, 5,7% concluíram uma Pós-Graduação não conferente de especialidade e 4,2% um doutoramento. - EXAUSTÃO EXTREMA. Médicos mais jovens, em situação de multiemprego, sem cargos de chefia, tendencialmente mulheres com responsabilidades quotidianas com familiares diretos, que trabalham nas regiões de Lisboa e Vale do Tejo e no Algarve.ENFERMEIROS- 1494 profissionais inquiridos. Destes, 47,2% desempenham funções em unidades no Norte, 18,7% no Centro, 24,6% em Lisboa e Vale do Tejo, 4,2% no Alentejo e 5,2% no Algarve. Do total, 81,6% trabalha em cuidados hospitalares e 18,4% em cuidados de saúde primários.- 75,7% trabalha exclusivamente no SNS. Só 24,3% reportou estar em situação de duplo ou multiemprego noutras instituições do SNS ou nos setores privados/social.- 63,5% são enfermeiros generalistas e 30,1% enfermeiros especialistas. Entre os enfermeiros generalistas, 20% reportaram ser detentores de um título de especialista reconhecido pela Ordem dos Enfermeiros e não ter tido oportunidade de ascender à categoria correspondente. Por fim, 6,3% indicaram ser enfermeiros gestores.- 81,7% dos inquiridos são do sexo feminino e 17,4% do masculino. Tendo sido apurada uma média de idades de 44 anos, o mais novo com 23 anos e o mais velho com 66 anos.- EXAUSTÃO EXTREMA – Os que apresentam este estado são os mais jovens, que trabalham em cuidados hospitalares, por turnos e sem cargos de chefia.