Covid-19. "Situações de stress pós-traumático não são assim tão raras"
No corredor do piso três do Hospital Santa Marta, em Lisboa, Hélder Ferreira anda entre pilaretes rigorosamente distanciados para testar a sua capacidade de marcha. Fez 396 metros, começou com 73 batidas cardíacas e acabou com 135. "Sinto-me bem", diz à enfermeira que o avalia.
Neuza Reis, coordenadora da área de enfermagem na Clínica de Atendimento Pós-Covid (CAP-Covid), do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central (CHULC) e especialista em reabilitação física, pede-lhe que indique, de um a dez, tendo em conta a escala de Borg, quanto atribui ao cansaço e à falta de ar durante o exercício. "Um 4", afirma perentório, já sentado no gabinete de consultas da CAP-Covid, a qual foi criada especificamente para acompanhar os doentes infetados pelo SARS CoV-2 e que passaram pelo internamento do CHULC. "Sente-se forte?", questiona a enfermeira. "Sim", confirma. "E quanto atribui à fadiga muscular?", continua Neuza Reis. "Pouco, um 2". A especialista em reabilitação dá mais pormenores sobre o exercício feito, por este ser fundamental na avaliação de um doente que foi infetado e internado. "Em termos de saturação de oxigénio, iniciámos com 96%, dessaturou até aos 94%, exceto um período em que registou 92%". Portanto, "também normal", completa Hélder a rir, explicando que o resultado vem ao encontro do que esperava.
Helder está a ser avaliado na CAP-Covid precisamente uma semana depois de ter tido alta de uma das enfermarias do Hospital Curry Cabral, e ao fim de 12 dias de ter entrado. Quando saiu a primeira coisa que fez foi encomendar um bom hambúrguer. "Gosto de comer e tinha necessidade disso". Catarina, a mulher que o acompanha, justifica com "a ansiedade associada ao isolamento no hospital". Para ele o importante é que, ao fim de oito dias de alta, se sente bem, embora ainda não esteja a 100%.
Na consulta, os exercícios continuam. "Agora, vamos avaliar a força dos membros superiores. Agarre este aparelho, coloque os braços a 90 graus, e quando eu disser faça força. Está pronto? Pode começar". Poucos segundos depois, Hélder confirma que se sente "forte". E riem-se. Passa ao exercício da cadeira, agachamentos, "durante um minuto vai sentar-se e levantar-se. Tem de dar tudo o que puder", diz a enfermeira. Hélder começa rápido e sem esforço, mas a meio cede ao ritmo. No total, "fez 26 posições, a média é 36", informa Neuza. "Podia ter dito, ia às 36", contesta Hélder. "Eu avisei que era para dar tudo o que pudesse", argumenta a enfermeira. Ele acaba por confessar: "Este exercício cansou-me muito mais do que a marcha".
A especialista em reabilitação explica: "Há muitos doentes que pensam estar bem, depois, quando chegam aqui e são avaliados é que percebem que afinal não estão e até precisam de um plano terapêutico de reabilitação". Neuza Reis informa Hélder que todos valores registados nos exercícios "serão avaliados em conjunto com os sintomas registados clinicamente e só depois é que será definido o programa de acompanhamento". Isto, se dele necessitar.
Neste momento, na CAP-Covid, um projeto que começou a funcionar em maio, após uma proposta ao conselho de administração do CHULC do médico internista, Miguel Toscano Rico, que é agora o responsável, já foram observados 240 doentes, havendo 35 à espera de integração, mas que "em 15 dias serão vistos", afirma Neuza Reis.
O objetivo da consulta é poder "dar uma resposta tão precoce quanto possível aos doentes internados na fase pós-alta", refere o médico ao mesmo tempo que confessa: "Nunca estive na linha frente, como outros colegas meus, mas sempre me preocupei com o Day After, com o que viria a seguir e com o que deveria ser feito."
A consulta está organizada de forma a receber os doentes que são encaminhados para ali a partir do internamento. "O ideal é que os doentes sejam reavaliados ao fim de um mês após a alta, em algumas situações não é possível, mas há outras, mais graves, em que o fazemos num tempo mais rápido, pois percebemos que será necessário atuar precocemente na reabilitação", sustenta o médico.
Hélder Ferreira está a ser avaliado ao fim de uma semana, mas porque o momento o permite. "Não há grande pressão com a quarta vaga e conseguimos responder", admite Miguel Toscano Rico. Mas também porque da história clínica de Hélder fazem parte a asma, desde a infância, e uma pneumonia grave, em 2013, que o levou à hospitalização durante nove dias, havendo, por isto, o risco de poder vir a desenvolver complicações. "Neste caso, o pulmão já é um órgão fragilizado e havia a necessidade de ser avaliado", explica Neuza Reis.
Hélder reafirma sentir-se bem, mas com "a covid nunca se sabe o que pode acontecer. É uma roleta russa. Eu era daqueles que costumava dizer que o vírus ia chegar a todos, era uma questão de tempo, e que quando me atacasse, já estava preparado. Afinal, não estava. A verdade é que quando se apanha a doença e se chega ao internamento é que a ficha cai. Isto é real. A partir daqui, é esperar pelo que vem a seguir", conta. "Estive internado em duas enfermarias no Curry Cabral, sempre a oxigénio, não cheguei aos cuidados intensivos, mas foi duro. Hoje tenho a hipótese de estar aqui a falar, há muitos que não".
O doente mais jovem daquele dia fala com o DN enquanto aguarda os resultados dos exames que fez e da avaliação dos exercícios que fez na consulta. À partida, e depois de ter sido avaliado pela enfermagem, Hélder não tem sinais de necessitar de ser encaminhado para consultas de psiquiatria ou de neurologia. Não está deprimido, nem ansioso, não tem dificuldade na memória nem na concentração.
"O humor já está mais estável", confirma a mulher enquanto ele desfia mais um pouco do que se passou consigo. "Soube que estava infetado a 7 de julho, uma quarta-feira, comecei por ter febre e falta de apetite, não conseguia comer nem beber, não era normal, depois comecei com tosse e uma dor ligeira no estômago. Na véspera, a Catarina tinha testado positivo. Falámos com o médico de família que recomendou a ida à urgência de São José para fazer o teste. Estive lá uma tarde inteira. O teste deu positivo, mas mandaram-me para casa. No dia seguinte, a febre não cedia e sentia-me pior. A Catarina ligou para a Linha de Saúde 24 e referiu que eu era asmático. Eles mandaram-me outra vez para a urgência e fiquei internado no Curry Cabral".
Catarina e o filho de três anos, que também foi infetado, não tiveram de ser internados, mas ela sente alguma "culpa". "Fui eu a levar o vírus para dentro casa, depois de ter estado com uma colega que deu positivo", afirma, embora, desabafa, "nunca fui das pessoas que desvalorizei o vírus. Sempre tive todos os cuidados. Sabia que o Hélder era doente de risco, mas, em algum momento, desleixei-me. Não sei quando".
Quando soube que a colega estava infetada, "fiz um teste na farmácia que deu negativo. Descansei. Mas comecei com febre e dores musculares muito fortes liguei para a Saúde 24 e mandaram-me fazer um PCR no dia 6 de julho, que deu positivo". Ela teve febre e dores musculares, mas ainda hoje diz que sente "uma fadiga generalizada. Não é uma coisa que me impeça de fazer as minhas atividades normais diárias, mas sinto maior cansaço nas coisas simples, como subir escadas, e tenho dores de cabeça muito fortes". Ficou com estes dois sintomas e só não é observada naquela consulta, porque não foi internada.
"Estamos a dar prioridade aos doentes que necessitaram de internamento para se poder fazer uma reavaliação mais extensa da sua situação. Logo na primeira consulta, que, por norma, é muito extensa, fazemos a revisão do internamento, porque, às vezes, pode ter escapado algum pormenor que tenha de ser corrigido a posteriori, e uma avaliação das capacidades psicológicas, neuro-cognitivas e funcionais, para se perceber onde estão os problemas".
Ou seja, se o doente ficou com uma complicação essencialmente respiratória, cardíaca, neurológica ou, sobretudo, com uma questão do foro psiquiátrico", argumentando, no entanto, que estão a chegar "doentes que nunca tiveram problemas de ansiedade e de depressão que ficaram com esses níveis muito elevados". Portanto, "o que fazemos é uma observação extensa para se definir a estratégia desejável para aquele doente, quer ele precise de mais medicação do que a que inicialmente se pensava, quer precise de mais terapêutica broncodilatadora ou de mais acompanhamento psiquiátrico".
Miguel Toscano Rico sublinha ainda ao DN que, "felizmente, a maioria das situações que ali têm chegado não são de stress pós-traumático, mas estas já não assim tão raras. E quando tal é detetado o doente tem de ser devidamente acompanhado pela área da psiquiatria. No fundo, a nossa consulta serve de ponte para as outras especialidades e nunca deixamos de acompanhar o doente. Há uns que ficam dois meses, outros seis e alguns poderão ficar ainda mais".
Mas o que é dramático, diz, ainda sobre as situações de stress pós-traumático, "é que estes doentes são relativamente novos, entre os 40 e poucos anos. Doentes que tinham vidas muito ativas e que nos contam que achavam que a depressão e a ansiedade "eram mentira", que eram "coisas de pessoas mal resolvidas", mas que agora percebem haver algo que os perturba", refere o médico.
"Explicavam-nos o seu dia-a-dia e confessavam não ter sequer forças para ir para o trabalho, ou que quando lá chegavam não conseguiam organizar tarefas". Os sintomas não são todos iguais. "Há doentes que ficam com sintomas neuro-cognitivos, dificuldade na concentração e na memória".
Neuza Reis, que na primeira fase da doença esteve na linha da frente, nas enfermarias covid do Curry Cabral, conta haver situações impressionantes, em que os doentes só percebem que não estão bem quando são chamados à atenção. "Uma doente contou que só reparou que estava alterada quando foi chamada à atenção por deixar o ferro de engomar ligado várias e sair de casa. Temos também um professor de educação física, um homem ainda jovem, que ainda não conseguiu voltar ao trabalho. Diz que só de pensar no que tem de andar da sala dos professores à sala de aula fica com medo, sente que não consegue fazer o percurso"".
Destaquedestaque4154. Este é o número de doentes infetados com covid que estiveram internados no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central, que inclui seis hospitais, como São José, Curry Cabral e Santa Marta, desde o início da pandemia até esta semana. Destes, 812 estivetam em cuidados intensivos. Neste momento, a consulta pós covid já recebeu 240 doentes.
Estes doentes são sinalizados e referenciados para consultas de psiquiatria e neurologia para serem acompanhados, mas sempre integrados numa abordagem extensa. "Não perdemos o contacto com o doente. Se houver necessidade é encaminhado para uma especialidade, mas continua a ser seguido por nós. O pressuposto é que haja uma comunicação bidireccional entre especialidades", refere Miguel Toscano Rico.
A maioria das sequelas deixadas pela covid é a nível do trato respiratório e cardiorrespiratório, como miocardites e embolias pulmonares com repercussão cardíaca. Por isso, e embora a consulta seja formada por um núcleo duro de especialidades, medicina interna, pneumologia e medicina física e reabilitação, há outras para as quais há uma via verde para estes doentes, como cardiologia, psiquiatria e neurologia.
Hélder Ferreira é um dos 240 doentes que a CAP-Covid recebeu desde maio. E uma das particularidades desta consulta é que há muita gente nova e na vida ativa que ali é seguida. "A média de idades é de 50 anos, mas temos doentes dos 30 aos 80 anos", refere o médico, e nem todos da mesma vaga. "Depois de começarmos a acompanhar os doentes mais recentes e desta quarta vaga, começámos a rastrear os doentes da terceira e da segunda vaga, que passaram pelo internamento do CHULC. Era importante identificar se alguns mantinham sintomas pós-covid e se necessitavam de acompanhamento", explica.
O rastreio foi feito através de um inquérito telefónico e o resultado está à vista. "Havia, de facto, muitos doentes que necessitavam desta avaliação e de acompanhamento", conclui Miguel Toscano Rico. O que, no fundo, só vem comprovar aquilo que já foi demonstrado em estudos internacionais.
Ou seja, "2,7% dos doentes infetados registam sintomas após a fase da doença. Esta percentagem pode parecer pouco relevante, mas se a aplicarmos à nossa realidade, em que mais de 10% da população já teve covid, significa que há um número considerável que fica com sequelas, e algumas para sempre", sublinha.
No entanto, há algo que esta equipa já aprendeu: "Não podemos colocar um rótulo de diagnóstico definitivo numa primeira avaliação. Até porque ainda não se sabe toda a história natural da doença. O que sabemos é que há um tipo de sintomatologia pós-infeção que temos de tratar para prevenir complicações e que essa intervenção deve ser tão precoce quanto possível", sintetizando que hoje "já uma panóplia de intervenções que podem trazer ganhos funcionais para os doentes, quando os problemas são detetados a tempo".
Mas, e como refere Miguel Toscano Rico, "embora haja uma percentagem considerável de doentes que necessita de acompanhamento, a esmagadora maioria evolui de forma favorável, ao fim de um mês ou ao fim de três. Há outros que até têm alta direta".
Hélder aproveita a deixa do médico para explicar que, aos poucos, está a voltar à sua rotina. "Ainda não estou como era, mas sinto-me bem", repete. Pouco depois, fica a saber que é esse o resultado da avaliação que lhe foi feita. "Já temos as imagens dos seus exames e, neste momento, tendo em conta também os resultados dos exercícios, consideramos que o Hélder não tem parâmetros para iniciar um programa de reabilitação hospitalar. Está a evoluir bem e vamos dar-lhe alta logo na primeira consulta", comunica Miguel Toscano Rico, explicando: "O Hélder é um doente muito específico. É raro alguém ter alta na primeira consulta, mas acontece." Hélder e Catarina saem satisfeitos com a alta direta. "Eu sabia", diz ele, mas fica com os contactos. "A porta está sempre aberta para falar connosco se tiver alguma complicação, não precisa de referenciação", dizem.
A consulta continua. Para a tarde há mais doentes marcados, mas, ao final da manhã, Neuza Reis informa o médico: "Um doente veio fazer a TAC e precisa de lhe dar uma palavrinha". Carlos Cardoso tem 68 anos e é um dos doentes da quarta vaga. Foi infetado em maio, por "um colega da empresa que andava há tempos com uma "constipação". Ele entrou no meu gabinete sem máscara e dias depois disse que estava infetado. Não sei como apanhei, andava sempre de máscara", conta. E enquanto espera que o médico veja os exames, continua:
"Passados quatro a cinco dias desta situação, comecei com febre, falta de ar e tonturas. Fui ao centro de rastreio em São Lázaro, em Lisboa. Fiz o teste e deu positivo. Mandaram-me para casa com medicamentos. E em vez de melhorar, piorei. Ia à casa de banho aos tombos, depois procurava o sofá de tão cansado que estava e parecia que era a melhor coisa do mundo. Voltei a São Lázaro e mandaram-me para a urgência de São José e fiquei internado no Curry Cabral ainda uns cinco a seis dias. Quando os meus níveis de saturação de oxigénio estabilizaram mandaram-me para casa, quando voltei à consulta no Curry Cabral reencaminharam para aqui".
Carlos Cardoso trabalhou mais de 40 anos na Força Aérea até que se reformou. Mas não quis parar e arranjou emprego numa empresa de máquinas pesadas. Depois da alta, voltou ao trabalho, mas "o cansaço era tanto que tive de dizer ao patrão que desistia. A minha vida tinha de mudar". Carlos diz que "não conseguia sequer subir escadas".
É acompanhado na CAP-Covid há dois meses e a sua vida já está a mudar. "Hoje vim cá fazer o TAC, mas sou acompanhado por telemonitorização. Todos os dias faço os meus exercícios e dou indicação à equipa da consulta, através de um telemóvel, dos meus níveis de saturação de oxigénio e de frequência cardíaca", confessando que muita coisa já mudou nos seus hábitos. "Evito elevadores, tento sempre as escadas e passei a fazer caminhadas. A alimentação também mudou, mas ainda não tenho fome", refere.
Os resultados da TAC chegaram ao computador do médico, que assim que abre as imagens esboça um sorriso. "Está tudo bem?", pergunta Carlos. O médico faz "OK" com o dedo e diz: "Estou muito contente", mostrando a imagem que recebeu. "Mesmo não sendo pneumologista ou médico, qualquer pessoa consegue perceber como estavam os pulmões do sr. Cardoso no internamento, com uma pneumonia bilateral, e os pulmões de agora. Estão limpinhos. Está a fazer uma recuperação espetacular. Mais dia, menos dia tem alta", diz-lhe.
"O pulmão recuperou muito bem e não vai ficar com mazelas, se calhar até vai ficar melhor, com mais exercício físico", riem-se. Carlos Cardoso conta que até aprendeu a respirar. "Chego à conclusão que antes nem sabia respirar, agora sinto que progressivamente consigo colocar os pulmões a respirar, e bem. É uma mais valia". O médico diz que vai avaliar os resultados com a enfermeira Neuza, mas de certeza que na próxima consulta terá alta. É um dia bom na consulta. "Na covid, não há só histórias más, também há boas", comenta o médico.
Carlos Cardoso sai feliz, valeu a pena ter ido ao hospital para receber esta notícia antecipadamente, mas "não é assim com todos os doentes", continua o médico. "A próxima doente foi chamada por mim. Ontem liguei-lhe porque os últimos exames não me deixaram tranquilo".
Ana Cristina Inácio, de 70 anos, teve a doença em fevereiro, integrou a consulta depois de ter sido contactada no âmbito do inquérito feito a doentes de outras vagas. Sabe que foi infetada em casa, pelo irmão, com quem vive mais outra irmã, pois foi o primeiro a testar positivo. Todos ficaram infetados, ela foi a única a ser hospitalizada e durante mais de 20 dias. "Não fui aos cuidados intensivos, mas estive mal, sou asmática e tenho uma doença de sangue".
À medida que fala é notório o esforço e o cansaço. Ana Cristina recorda que o primeiro sintoma foi a falta de ar, que atribuiu à asma, e, por isso, se deixou ficar em casa. Mas ao fim de 15 dias do irmão dar positivo, ligaram do centro de saúde e ela e a irmã foram também fazer um teste PCR. "Deu positivo. Mandaram-me para casa, mas a falta de ar agravava. A minha médica dos Capuchos, de hematologia, liga-me um dia por causa de uma consulta, conto-lhe que estou com covid e ela diz que não gosta nada da minha respiração e que vai enviar uma ambulância a minha casa para me levar à urgência. Quando cheguei a São José fiquei internada".
Ao fim de seis meses da alta hospitalar, Ana Cristina continua a sentir falta de ar e fadiga exagerada. O médico explica que na primeira consulta perceberam que "havia uma discrepância nos exames realizados durante o internamento e a fadiga que sentia, o que nos fez pensar que pudesse haver outras complicações que não fossem da covid". E havia. "A situação foi detetada porque o follow-up que fazemos aos doentes permite identificar algumas particularidades que possam ter passado despercebidas. A dona Cristina não ficou só com sequelas respiratórias, ficou também com complicações cardíacas, mas agora já está a ser estudada nesse âmbito. Hoje veio fazer uma TAC abdominal, amanhã coloca um Holter", explica.
Cristina comenta: "Sempre fui uma mulher que fazia tudo sozinha. Trabalhei durante 46 anos e nunca tive problemas. Agora, só de puxar os lençóis da cama fico cansada". Mas há outro pormenor: "Não tenho fome. Tenho de me obrigar a comer qualquer coisa", mas mantém o olfato e o paladar. Miguel Toscano Rico mede-lhe a tensão arterial. "Está normal", diz, referindo que Cristina Inácio "está referenciada para fisioterapia, apesar de tudo, melhorou um bocadinho na frequência cardíaca desde a última consulta. Mas vai ter de começar a tomar um novo medicamento durante três meses".
Um medicamento para impedir que "se formem coágulos nos pulmões", justifica o médico. "Por causa deste medicamento é que lhe disse que não poderia ser vacinada. Temos de ter alguma reserva em relação às medidas seguintes".
Cristina diz que preferia ser vacinada. "Agora, por qualquer coisinha fico com medo". E mostrando os braços com nódoas negras. "Se bato nalgum lugar fico assim e demora a desaparecer". O médico avisa-a que, "com este medicamento, vai ter de ter o dobro do cuidado. Vai ter de pensar ainda mais nos movimentos que vai fazer para não andar a bater nas coisas". Quanto à vacina sublinha que "vai ter de aguardar e depois vamos ter de decidir que vacina é que vai fazer".
Cristina é a doente daquele dia que recebeu a notícia de que vai levar mais tempo a recuperar e que vai regressar mais cedo à consulta. "Talvez daqui a três semanas ou um mês", diz o médico, reforçando: "Vai ter de ficar connosco por mais algum tempo". É a doente que teve pequenas embolias pulmonares a seguir à doença e ao internamento, o que faz o médico dizer: "Por isto, é que é importante o Day After. As complicações têm de ser detetadas o mais depressa possível".
O SARS CoV-2 invadiu o mundo no final de 2019. Os serviços de saúde adaptaram-se à pressão dos internamentos e dos tratamentos na hora, mas a história do pós-covid ainda está por contar. Nas unidades hospitalares, há já várias consultas como a que surgiu no CHULC e cada vez mais cheias de doentes.