A possível ocorrência de um sismo catastrófico numa área densamente urbanizada, como é a de Lisboa - recordando o de 1755 -, constitui um risco que coloca grandes desafios. Por ter causas naturais que não são controláveis, a gestão desse risco tem de incidir prioritariamente sobre a diminuição de vulnerabilidades dos habitantes e dos edifícios. O que induz dificuldades técnicas e sociais.Periodicamente discute-se se Portugal, e Lisboa principalmente, está preparado para um sismo como o de 1755. Por norma a resposta é “não”. Está o país destinado a essa visão de fatalidade?Sim, em 2005, 2015, 2025, e em outros anos, é frequente no dia 1 de novembro ouvir esta pergunta: estamos preparados para a ocorrência de um sismo semelhante ao de 1755? E a resposta que mais se ouve é a negativa. Este ano, ouvi também essa opinião, em especial no que respeita à região de Lisboa, mas a suposta falta de preparação abrange outras partes do território nacional. Há explicações para esta visão que não considero ser uma fatalidade. Na minha opinião, há razões objectivas, psicológicas, sociais e outras que podem explicar a situação. Refiro duas: primeiro, a ausência de ocorrência frequente (felizmente) de sismos de magnitude relevante que suscitem uma permanente perceção pública de perigo e de necessidade de uma melhor proteção; e, segundo, a intuição de que uma preparação eficaz é um processo complexo, demorado e dispendioso atendendo ao número e à heterogeneidade dos edifícios existentes na região de Lisboa e às características do sismo temido: o de 1755 ou outro de elevada magnitude. Na verdade, na região de Lisboa já ocorreram outros sismos, antes e depois de 1755, mas este ficou na história das catástrofes europeias. Estas razões talvez sejam ilusões positivas psicológicas. Na realidade, o risco do temido “grande sismo” é caracterizado por uma relativa baixa probabilidade de ocorrência (período de retorno longo), mas com consequências potencialmente elevadas, o que poderá motivar uma resistência psicológica a medidas de curto prazo com custos significativos, face a benefícios incertos e num futuro aparentemente longínquo. Tem acontecido noutras paragens do mundo..A boa notícia é que há um regulamento avançado de segurança antissísmica que é aplicado a edifícios novos e há normas aplicáveis na reabilitação de edifícios antigos. Há décadas que têm existido regulamentos antissísmicos (menos avançados). O grau de preparação não é, assim, totalmente nulo. Considero que o país não está destinado à aceitação fatalista de um fantasma que assusta. Há conhecimentos e vontades para clarificar a perceção e para diminuir ou enfrentar este risco público de um modo racional.Quando se ouve falar dessas questões aponta-se quase sempre razões políticas para não existir essa preparação. Será que é mesmo culpa da falta de decisão política?A falta de ação dos decisores políticos é, com frequência, apontada como a causa fundamental do estado de preparação deficiente face a um eventual “grande sismo”. Na verdade, há sempre responsabilidades políticas quando se trata de riscos públicos, mas, numa democracia, a acção política está sujeita a condicionamentos. Está sujeita a prioridades sociais e à limitação de recursos. Portugal tem de enfrentar outros desafios e necessidades prioritárias. Registam-se, contudo, algumas iniciativas relevantes como a Resolução da Assembleia da República (AR) n.º 102/2010 sobre a adoção de medidas para reduzir os riscos sísmicos, mas que não teve (ainda) o merecido seguimento.A ação política depende também da manifestação continuada de preocupações e vontades dos cidadãos na proteção contra catástrofes naturais. Pode ser uma característica que depende da experiência histórica dos povos.Os especialistas neste domínio têm avisado os decisores políticos e a população, mas, para a desejada preparação, impõe-se a aplicação de um plano operacional adaptado à situação real. A vontade e a participação ativa do Estado, do Governo, são importantes, necessárias e justificadas. A solidariedade ética e a responsabilidade social assim exigem e, também, os eventuais prejuízos nacionais no caso de uma catástrofe sem uma preparação preventiva adequada. Esta participação é também fundamental para a confiança e colaboração da população num processo de mitigação do risco sísmico.O cidadão não devia ser mais alertado para a forma como reagir em caso de uma catástrofe?Sim, deve ser esclarecido e não só informado. Há que distinguir a fase de risco, antes da ocorrência do sismo, e uma fase de crise ou de emergência, com evidências da ocorrência do sismo, fase que pode então ser de perigo. O alerta, como informação vital unidirecional, é indispensável em situações de crise efetiva, para ação imediata. Contudo, numa fase prolongada de risco é necessária uma comunicação persistente com ações visíveis e uma formação básica. A preparação individual deve estar associada a medidas práticas que potenciem a sobrevivência. Por exemplo, os chamados kits de emergência deveriam ser encorajados, comercializados e colocados à disposição dos habitantes em zonas comerciais e não ser só objeto de recomendações. Os dispositivos individuais de comunicação e localização deveriam ser valorizados, apesar das eventuais limitações operacionais em ambiente de catástrofe.Não é ainda possível prever com rigor os acontecimentos sísmicos e diminuir a exposição da população ao perigo. Em regiões costeiras, como as de Lisboa e do Algarve, sabe-se que pode ocorrer um tsunami ou maremoto (onda gigante) após um sismo de elevada magnitude. Avisos têm sido preparados e estão previstos sistemas de alerta antecipada. Projetos focados na proteção civil e na sensibilização da população têm sido realizados e os seus resultados devem ser tidos em conta.No caso específico de Lisboa, a cidade está preparada para enfrentar uma situação dessas?É difícil dizer e provar, em 2025, se a região de Lisboa está preparada para resistir a um sismo de elevada magnitude comparando com Lisboa de 1755. Na situação atual, há mais edificações e população residente, a área urbanizada é muito maior e os efeitos poderão ser mais relevantes; mas uma parte significativa das construções é, no presente, mais resistente à ação sísmica e os serviços de proteção civil e emergência estarão mais preparados. Qual destas duas reflexões é a preponderante? Podemos ser mais ou menos otimistas, mas as simulações em computador indicam a possibilidade de perdas significativas em vidas humanas e muitos danos em edifícios. Mas há incertezas. Nem todas as construções estarão preparadas e as características do sismo futuro ainda não são conhecidas… e o risco nulo só seria possível se Lisboa fosse deslocada para outra região.Há planos para uma gestão de crise? O que se devia começar por fazer?Na minha opinião tem de existir uma gestão permanente do risco sísmico com objetivos e medidas para diminuir gradualmente o risco residual, reduzindo potenciais danos e vítimas humanas no caso de ocorrência de um “grande sismo”. Estou convicto de que as autoridades da proteção civil têm planos de intervenção para a situação de emergência, mas a sua eficácia operacional será, então, posta à prova e dependerá da anterior gestão do risco, da preparação coletiva e da capacidade e operacionalidade dos meios disponíveis. As atuais capacidades de simulação computacional e os conhecimentos de sismologia e engenharia sísmica permitem avaliar a eficácia das medidas antissísmicas e de emergência. Exercícios periódicos em gabinete ou no terreno serão indispensáveis para aferir a capacidade para enfrentar uma crise sísmica futura.Como não é possível prever uma catástrofe natural, o que deviam as autoridades começar a fazer?Em Portugal, o conhecimento científico em sismologia e a capacidade da engenharia na proteção contra sismos são de alto nível. Os regulamentos de segurança para aplicação a edifícios e a outros tipos de estruturas têm evoluído. A cooperação internacional na investigação e preparação, nomeadamente no âmbito da União Europeia, tem sido relevante. Salientam-se os contributos neste domínio por parte centros universitários, como o IST, as Faculdades de Ciências, a FEUP e o LNEC, e da Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica, das autoridades de proteção civil, nacionais e municipais, entre outras. Mas, na minha opinião, falta dar um passo em frente: dar seguimento à referida Resolução da AR e preparar um plano integrado de ação na região de Lisboa (eventualmente extensível a outras regiões). Um plano que defina os objetivos gerais da preparação, através de medidas estruturais (reforço da resistência de edifícios) e não-estruturais (planeamento urbanístico, legislação sobre seguros associados aos efeitos de sismos, certificação de edifícios, sistemas de aviso…). As primeiras são as mais eficazes (diminuição de danos materiais e perdas de vidas), mas as segundas também são importantes (por exemplo, os seguros para compensações económicas, nomeadamente no caso de reparações). Ao reforço estrutural pode corresponder um custo financeiro no presente e uma perturbação especial num espaço privado, íntimo: a habitação, o lar.Como pôr em prática esse plano?Parece ser indispensável a formação de uma equipa de missão, multidisciplinar, que, numa primeira fase, deveria estudar as experiências internacionais neste domínio e propor e avaliar a viabilidade de uma solução executável e eficaz. Uma equipa que defina critérios operacionais para a fase de aplicação do plano.A complexidade do problema exige um diálogo multidisciplinar que junte as ciências da engenharia e da geofísica com as ciências sociais. Uma condição importante para a redução do risco sísmico é a consciencialização por parte da população e dos decisores políticos. Nesta matéria, as ciências sociais darão um contributo importante na gestão dos condicionamentos e perceções sociais. Uma missão a ser acompanhada pela autarquia (CML) e outras entidades, nomeadamente as Academias de Ciências e de Engenharia e a Ordem dos Engenheiros. Tal como acontece com outros tipos de riscos públicos, poderá ser aplicado um critério de apreciação do risco societal. Este critério poderá indicar se um risco é inaceitável, tolerável ou aceitável em função dos danos ou perdas expectáveis e das respetivas probabilidades de ocorrência. Há ainda que juntar um critério de avaliação dos benefícios económicos incertos face aos custos avaliados e às disponibilidades financeiras públicas e privadas. Critérios a calibrar para os principais tipos de edifícios e locais para orientar as decisões de acordo com a tipologia atual do edificado e da sua ocupação. Para identificar e justificar as intervenções necessárias e viáveis, ou a eventual não-intervenção (mantendo a aplicação de regulamentos em vigor, mas com fiscalização rigorosa). Para monitorizar o grau de realização gradual, mas progressivo, dos objetivos gerais definidos.Lembro uma frase atribuída ao eng.º Duarte Pacheco: “Não se queira tudo, para se ter alguma coisa” (contudo, este engenheiro fez fazer muito…). Estou convicto de que, se definirmos objetivos e critérios de atuação, poderemos ir avançando na desejada preparação racional e justificada. Um apoio especial da União Europeia poderá ser indispensável, abrangendo eventualmente outras regiões europeias com elevado risco sísmico.Deixar construir infraestruturas essenciais para responder a uma catástrofe, como hospitais, quartéis de bombeiros, etc., em zonas perto do rio foram boas decisões?As instalações consideradas sensíveis para a segurança e defesa dos habitantes deverão ser objeto de intervenções prioritárias que aumentem a respetiva resistência antissísmica e fiabilidade operacional, diminuindo, assim, a vulnerabilidade dos seus ocupantes. As zonas de Lisboa que poderão ser atingidas por um tsunami após um sismo são relativamente bem conhecidas. Nessas zonas não deveriam estar localizadas infraestruturas sensíveis, nomeadamente hospitais e outros serviços de saúde, instalações de ensino, museus nacionais e sistemas de comunicação… Mesmo que exista um poderoso sistema de alerta de tsunami é muito difícil garantir, em situação de crise, de emergência, uma evacuação em boas condições. Infelizmente temos exemplos destes casos em Lisboa, junto ao rio Tejo, que podem ter resultado de uma deficiente preparação antissísmica no planeamento da ocupação do território de Lisboa.Não deveriam existir critérios de atuação em caso de catástrofe?Sim, devem também existir esses critérios de atuação, e a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil devem ter esses planos de atuação preparados. Planos que terão de mobilizar múltiplos recursos públicos e privados, equipamentos pesados, e ser, conforme já referi, objeto de exercícios rigorosos e de aperfeiçoamentos periódicos. A aplicação de novas tecnologias deve ser prevista, nomeadamente drones para reconhecimento. Planos abrangendo as ações indispensáveis de busca e salvamento, de proteção sanitária, de medicina de catástrofe, de abrigo a quem precisa, de fornecimento de mantimentos, alimentos e água e de segurança pública. A vinda de apoios nacionais e internacionais, por via aérea ou terrestre, deve ser prevista e facilitada.O importante será garantir que, dentro de uma década, possamos responder: estejamos mais preparados! .Comunicação deve melhorar após simulacro de sismo que testou resposta militar e civil.Descoberta fissura em placa tectónica que pode explicar grandes sismos de Lisboa