Hélder Costa e Marco Mota, bombeiros voluntários de Oliveira do Hospital
Hélder Costa e Marco Mota, bombeiros voluntários de Oliveira do HospitalFoto de Gerardo Santos

Sete anos depois, que vida após os incêndios? “Fiquei em cinzas, sem viver, mas ergui-me”

Em Oliveira do Hospital há um antes e um depois daquele 15 de outubro de 2017. Mudou alguma coisa, mas não chega. A mancha verde está recomposta, a carga de combustível cresce de dia para dia. Se esta não for retirada, o futuro pode ser ainda pior.
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A pegada ensanguentada de uma criança na linha branca do asfalto, convertido em pasta fumegante de alcatrão empolado, é a imagem mais forte dos incêndios de outubro de 2017. Uma estrada para a morte, que deixou a menina órfã e com cicatrizes na pele, trouxe de volta à memória, apenas quatro meses depois e com violência acrescentada, Pedrógão Grande. Tinham então morrido 64 pessoas, dos 5 anos aos 88. Nos incêndios de outubro, o número de vítimas somou 48, de escalões etários mais elevados e com dispersão geográfica maior. As ocorrências mortais deram-se em quatro distritos, distribuídos por 14 concelhos, e atingiram maioritariamente idosos, com especial incidência na classe etária dos 70 aos 79 anos. A maior parte (85%), residentes permanentes nas respetivas zonas, tentava proteger bens, ou permanecia em casa, quando foi surpreendida pelo fogo. Ao contrário de Pedrógão, não estavam em fuga. Ao final do dia 15 e às primeiras horas do dia 16 de outubro, o fogo muito severo e em propagação veloz não lhes deu tempo.   

Erguer-se aos 80

Arderam cerca de 241 000 hectares. Nestes setes anos foram recuperadas 126 primeiras habitações e cerca de 80 empresas, repondo-se alguma capacidade produtiva. 

Fernando Brito é carpinteiro. Pequeno empresário, decidiu no momento da tragédia que teria de continuar.  “Fiquei em cinzas, mas ergui-me”, diz-nos. A 14 de outubro, Fernando Brito e a mulher estavam em Lisboa. Perceberam que o incêndio estava a chegar a Oliveira do Hospital, onde tinham uma fábrica de caixilharias e portas, fundada em 1976. Regressaram de imediato a casa. Chegaram a Coimbra às sete da noite. A GNR não os deixou passar. Dormiram dentro do carro, sem conseguirem falar com as filhas. “Ninguém atendia”, conta. Uma noite de angústia e prognósticos muito reservados. Eram 3.00 da manhã quando recebeu um telefonema. “Esqueça a sua fábrica que já não tem futuro”, disseram-lhe do outro lado da linha. “Estive para não ver. Fiquei em cinzas, mas tive de aguentar até de manhã, em ansiedade e angústia.”   

Felizmente, as filhas estavam bem. Eram 8.00 da manhã quando chegou à fábrica. “Deparei-me com a gravidade da coisa: mais de um milhão de euros de prejuízo.” Perderam-se carrinhas carregadas e prontas para seguirem para uma obra em Lisboa, milhares de euros em matéria-prima. Encontrou alumínio liquefeito - “corria pelo chão”. Arderam anos de trabalho. 

Fernando nasceu em Vendas de Gavinhas. Com a 4.ª classe, foi trabalhar numas bombas de gasolina. Foi marceneiro até descobrir a carpintaria. E de aprendiz fez-se mestre. Em 2017 vendia para todo o país, com faturações superiores a milhão e meio de euros.   

“Fiquei para não viver. Abracei-me à minha filha. Com esta desgraça toda... acabou? Ela disse-me: ‘Não. Temos de ir em frente. Esta desgraça não nos pode abater.’” Num ano, reergueu a fábrica. “Só me custa ter tido de pagar IRS do que recebemos de dois seguros. Foram quase 200 mil euros entregues ao Estado.”   

De resto, não está arrependido de ter resistido. “Enquanto tiver cabeça, e pernas...” Hoje, criou condições essenciais a quem trabalha com matéria-prima inflamável. Tem um seguro de 5 milhões de euros. Mas o receio continua lá.   

“Ficou tudo derretido, as paredes caíram. São visões que não se esquecem.” Perdeu o sono, recorreu a ajuda psicológica. 

Foto de Gerardo Santos | Fernando Brito viu arder a sua fábrica, fundada em 1976. Mas não desistiu: reergueu-a num ano.

Ophelia

Naqueles dois dias de outubro morreram também milhares de animais, selvagens e gado. O fogo, que teve um impacto nas infraestruturas de 521 empresas, com um prejuízo total estimado em 275 milhões de euros, afetou mais de 4500 postos de trabalho em 30 municípios. Um ano terrível: em 2017, arderam, em Portugal, cerca de meio milhão de hectares, área que representa mais de 50% da área consumida nesse ano nos países do sul da Europa. Foram os incêndios florestais mais mortíferos e devastadores de sempre: em número de ignições, em área ardida, em bens afetados. Em mortes.   

As condições de outubro de 2017 foram diretamente influenciadas pela passagem do Furacão Ophelia, que atingiu o território continental e adquiriu características de tempestade tropical. Nos dias 14 e 15, a temperatura superou os 30 ºC  e a humidade relativa desceu abaixo de 15% em alguns locais, permitindo a excecionalidade da componente de velocidade do vento no sistema de perigo meteorológico de incêndio, conjugada com a severidade da seca sazonal. As ignições de 15, o primeiro dia, produziram sete manchas ardidas no centro do país, excedendo os 100 000 hectares, incluindo o maior incêndio de que há memória em Portugal, com início em Vilarinho. Área ardida: 45 505 hectares. À extraordinária dimensão, somou-se um facto que distingue estes fogos à escala europeia - foram os primeiros desta ordem de grandeza a ocorrer no outono.   

Incidindo principalmente em floresta (78% da superfície queimada), nela predominou o pinheiro-bravo: 42% da área afetada nunca havia ardido, verificando-se uma elevada continuidade e carga de combustível.   

Dados do Relatório Independente  aos incêndios de outubro demonstram que os focos secundários resultantes da projeção, que pode atingir quilómetros, constituíram um importante mecanismo de expansão. Predominou o fogo de copas, especialmente em pinhais densos e baixos, atingindo-se velocidades de propagação superiores a 3km/h, por vezes acima de 6km/hora, correspondendo a intensidades de frente de chama de 30 000-45 000kW/m e 50 000-90 000kW/m. Três a nove vezes mais do que a capacidade de extinção.   

No incêndio da Lousã, a grandeza foi de tal ordem que o fumo originado em Portugal acabou por dispersar para o resto da Europa. O de Vilarinho -Lousã, com origem na rede de transporte de energia, é o maior de que há registo em território nacional - a partir da hora de deteção (8h41) precisou de apenas cinco horas para queimar 932 hectares. O complexo de Arganil-Seia atingiu a periferia leste de Oliveira do Hospital, com impacto violento na zona industrial e nas aldeias a sul.   

O fogo na cidade

“Vi muitos incêndios. Mas nunca tinha visto o fogo entrar numa cidade, e com aquela violência”, diz o técnico florestal Manuel Rainha.  Em nove horas, as chamas consumiram 22 980 hectares, traduzidos em 97% de área ardida. Consumiram também 286 habitações (187 permanentes e 99 não-permanentes) nos 88 aglomerados populacionais do concelho, afetando 150 empresas. Treze pessoas morreram. Entre as 18.00 horas do dia 15 e as 3.00 horas da madrugada de 16 de outubro, o conjunto de ocorrências expandiu-se a uma média de 4060 hectares/hora e sempre acima de 2000 hectares/hora. 

“O incêndio ocorreu num domingo à tarde, as famílias não estavam nos locais de trabalho. O drama seria maior se as pessoas tivessem os filhos na escola e fossem obrigadas a movimentar-se”, recorda José Carlos Alexandrino, presidente, à época, da Câmara de Oliveira do Hospital.   

Com o paulatino colapso dos sistemas de gás, de água e de eletricidade, perante comunicações reduzidas, ou mesmo sem comunicações, com o fogo às portas e o receio de que algumas infraestruturas industriais provocassem explosões, José Carlos Alexandrino deu a ordem: salvar pessoas, salvar casas. “Foi o pior dia dos 12 anos em que fui presidente de câmara. Um pesadelo acordado. Levei anos a atenuar as insónias”, conta.   

Na manhã do dia 15, fez a caminhada habitual dos domingos. “Estava muito calor. Pensei nos incêndios e como poderiam ser fatais com aquele tempo.” Foram.   

O ex-deputado socialista presidia também à Proteção Civil do Concelho, mas também do Distrito de Coimbra, por ser ainda presidente da Comunidade Intermunicipal da Região de Coimbra. “Foi um drama, um drama que depressa me fez perceber - e disse-o numa reunião com presidentes de junta - que a história iria julgar-nos pelo que fizéssemos.” 

 José Carlos Marques, coordenador da Proteção Civil de Oliveira do Hospital, recorda “dias sem horas”. Durante anos, evitou contar o que viu. “Ainda hoje me custa. Foi muito doloroso.” 

Como se nada fosse

Quem vá hoje a caminho da cidade, não desconfia do que ali se viveu há sete anos. O manto verde cobre de novo o território. Manuel Rainha, especialista em incêndios rurais, olha para a mancha florestal recomposta naturalmente e teme o pior. “Daqui a sete anos, com tal carga de combustível, será igual ou ainda mais grave.”   

São três os fatores que determinam o comportamento de um fogo - a topografia, a meteorologia e o combustível. A topografia não muda. No clima, ainda que varie, não temos mão. O terceiro está a refazer-se. Mas pior do que há 7 anos. Porquê? “A vegetação recompõe-se com duas espécies oportunistas - mimosa e eucaliptos. Com os ventos, houve a disseminação das sementes. Outras, que já lá estavam, limitaram-se a germinar com o calor”, explica Rainha. Estas invasões biológicas estão a acontecer por todo o país. “É um drama. Sendo uma vegetação que responde prontamente e ganha vantagem sobre a restante, estão a reunir-se condições para que daqui a cinco/sete anos se repita a tragédia. Provavelmente com ainda maior impacto.”   

Hélder Costa e Marco Mota, de 34 e 35 anos, respetivamente, estiveram na linha da frente. São bombeiros voluntários de Oliveira do Hospital. Às 7.00 da manhã do dia 15 partiram para a Lousã, longe de imaginar que o fogo lhes entraria porta adentro. Pelo caminho, ficaram cercados “diversas vezes”. Resistiram dentro dos carros. “Soubemos por volta das 6.00 da tarde e quisemos regressar; vir defender o que é nosso e os nossos, mas perdemos a noção de onde nos encontrávamos, tanto era o fumo”, conta Hélder, que ia ao volante. A dada altura, perderam as comunicações. Em torno, carros e casas a arder. E “vultos. Começaram a bater no carro, batidas desesperadas. Recolhemos as pessoas que conseguimos, mas ainda não sei como é que não atropelei alguém.”   

Avisa: “Se voltar a acontecer, será pior. Agora, temos uma vegetação com mais arbustos. Menos pinheiro, mais eucalipto e mimosas. Será terrível.”   

Marco Mota é presidente da Associação Juvenil dos Bombeiros Voluntários de Oliveira do Hospital, Hélder é o vice-presidente. Juntos, fizeram questão de ajudar a erguer um monumento aos bombeiros voluntários da cidade. Em dia de protesto dos sapadores em frente da Assembleia da República, os dois rapazes de Oliveira do Hospital queixam-se: “Somos os primeiros a ir para a linha da frente”, diz Marco, lembrando que ganha o salário mínimo e assinalando a dificuldade em conseguir comprar uma casa. “Os bancos não nos emprestam dinheiro. E os seguros são muito elevados para profissões de risco.”   

Pedem-se mais meios. Mas “quando se ouve dizer que com mais meios, aéreos de preferência, temos o problema resolvido, está-se a ignorar princípios básicos da física. Na verdade, não existem soluções técnicas para casos em que a energia libertada supera os 5000kW/m”, lembra Manuel Rainha. Estamos perante incêndios que podem libertar energia semelhante à de duas ou três bombas nucleares.   

“As potenciais consequências da ocorrência de fogos nas condições particularmente severas do dia 15 de outubro de 2017 são facilmente percetíveis, sabendo que correspondem ao limiar da classe de perigo extremo, em que a cabeça do incêndio é incontrolável, independentemente do número e da capacidade de extinção dos meios de combate, incluindo meios aéreos pesados”, lê-se no Relatório da Comissão Independente. Só a mitigação poderá ajudar: “Ou seja, é urgente retirar carga combustível” - mimosa e eucaliptos.   

Há obra, mas não chega

Francisco Rolo, atual presidente da Câmara de Oliveira do Hospital, garante que há trabalho feito.   

“Da regeneração natural aconteceram coisas positivas. Alguns proprietários aproveitaram a regeneração natural para criarem zonas de pinheiros, limpando e desbastando essas áreas; outros fizeram operações de rearborização com repovoamento com pinheiro manso, mais produtivo e com mais rentabilidade. Outros, ainda, recorreram à plantação de frutícolas”. Porém, o edil reconhece os perigos: “Temos áreas incultas, onde houve regeneração natural, mas não houve intervenção ao nível do ordenamento.” Não foram levadas a cabo ações de desbaste, de retirada de combustível, de repovoamento com outras espécies. Defronte a uma encosta verde, cenário que há 7 anos era uma terrível fotografia a preto e branco, responde sem rodeios: “São muitas áreas incultas? Sim, são muitas. Vimos que há áreas contínuas que não têm intervenção humana ao nível da organização, do ordenamento florestal.” 

Foto de Gerardo Santos | José Carlos Alexandrino (à direita) e Fernando Rolo, antigo e atual autarcas, respetivamente

Para fazer face ao problema que deriva da regeneração natural e do desordenamento da floresta, o governo de então lançou o programa de transformação da paisagem. Este originou a aprovação do conjunto de áreas integradas de gestão da paisagem, transformadas mediante projeto de intervenção do ordenamento florestal, em operações integradas de gestão da paisagem. Oliveira do Hospital é beneficiária de várias. “Temos oito aprovadas e já com apoios atribuídos para financiamento das operações de retirada de todo o combustível, reorganização, criação de zonas tampão, zonas descontínuas sem qualquer árvore”.   

O programa prevê prémios por plantação de folhosas, de zonas frutícolas e instalação de zonas de pastoreio, “projetos que temos como nosso objetivo durante 2024, 2025 e 2026”.   

O objetivo é tirar matos, reduzir densidade à mancha florestal, colocar espécies produtivas, gerar rentabilidade para o produtor, criar zonas húmidas com água e recuperar espécies frutícolas tradicionais.   

“Não, não está tudo igual. Acho que aprendemos todos, não está tudo igual. Mas é preciso também perceber porque é que chegámos aqui. Criámos um país do litoral e precisamos de um conjunto de políticas que são indispensáveis para o interior”, acrescenta José Carlos Alexandrino, que foi também deputado pelo PS.   

O abandono da agricultura de subsistência, a proliferação dos matos e as alterações climáticas, com a respetiva subida das temperaturas, são outras das causas apontadas.  “Cada vez temos mais períodos com temperaturas acima de 30 graus e ventos acima dos 30 km/h”.     

Aldeia segura

Faixas de segurança à volta das aldeias, alertas rápidos, capacidade de reunir depressa pessoas com mobilidade reduzida e de avaliar qual a melhor solução - a evacuação e o confinamento nos largos de aldeias são medidas essenciais, que devem ser testadas durante o inverno, recorrendo-se a simulações.     

Francisco Rolo dá conta da adesão das populações ao programa. “As pessoas querem aprender comportamentos de autoproteção e meios de organização da comunidade, para se defenderem em caso de novas tragédias”, diz.   

No recente incêndio de Nelas, a população de uma aldeia modelo organizou-se de imediato, cumprindo as regras de segurança da Aldeia Segura e deixando claro que as simulações feitas estão a dar resultado.   

“O incêndio recente que tivemos a norte do concelho, no Seixo da Beira, deu para perceber o estado psicológico de alerta ao nível da reação das pessoas perante o fogo. As pessoas rapidamente saem de casa e se organizam em defesa da aldeia. Na conjugação de esforços, além da proteção civil, dos bombeiros e dos meios postos à disposição, o papel da população é fundamental. E o fogo desperta na população um estado de ansiedade e de alerta”, diz Rolo.     

A mesma mudança de comportamento dá-se, garante, nos meios urbanos: “Vejo pessoas que vivem em aglomerados urbanos que defendem os seus bens e sabem que o melhor é ficar no quintal, ligar as mangueiras”.   

Mais profissionais

Francisco Rolo assegura que “hoje, os serviços municipais de proteção civil comunicam melhor, têm melhor dispositivo. Articulam-se ao nível das comunidades intermunicipais. Agora, as próprias comunidades intermunicipais têm sistemas, por exemplo, de  videovigilância, recorrendo à tecnologia. As câmaras que estão no Monte do Colcurinho varrem toda esta zona até à Serra do Caramulo. Qualquer ignição é detetada. E isso cria uma capacidade de resposta muito mais rápida. Há também um aumento do número de equipas de intervenção permanente. “Com este último incêndio de setembro, percebemos que pessoas que vivem fora dos aglomerados urbanos - entenda-se em quintas - sabem acatar as ordens da proteção civil.  Cumprem o espaçamento na plantação das árvores; criam as faixas de gestão de combustível; fazem a limpeza integral. E também percebi que, face às recomendações das autoridades, abandonam pacificamente casas e terrenos”, diz Rolo.   

Oliveira do Hospital investiu em seis AIPs, equipas de intervenção permanente, três afetas aos bombeiros voluntários da Oliveira do Hospital e três aos bombeiros voluntários do Ervedal da Beira, num investimento de 255 mil euros por ano para 30 homens em permanência nos quartéis, 15 afetos aos bombeiros de Oliveira do Hospital, 15 aos de Lagares da Beira. Quando há qualquer ocorrência já não é necessário tocar a sirene: saem imediatamente.   

Oliveira do Hospital tem hoje equipas de intervenção permanente de duas corporações de bombeiros. O presidente da Câmara quer mais equipas e mais profissionais. “Isto já não vai lá com amadorismo. Não sou contra os voluntários, mas a morte recente de três bombeiros nossos vizinhos faz-nos pensar nos riscos que correm os bombeiros voluntários”.  Para Rolo, há que criar estruturas “altamente profissionalizadas”. Porque é preciso treino, é necessária uma dedicação enorme e temos de proteger estas pessoas”.    

Banco de terras

Oliveira do Hospital tem 66% do seu território cadastrado. Sobram 34% de propriedade omissa, com as consequências trágicas que isso pode acarretar em futuras ocorrências.  Francisco Rolo defende a constituição de um banco de terras, criticando a falta de coragem política sempre que se trata de tocar na propriedade privada. “É sacrossanta”. Entretanto, “há aqui terrenos que estão em nome de bisavós, criando situações que já não têm solução”.     

O autarca defende que o Estado deve desenvolver mecanismos legais para que áreas incultas, das quais não se reconhece o proprietário, passem para a sua tutela. “Após um conjunto de diligências, com colocação de editais, o Estado tem de tomar posse administrativa das terras, criar uma bolsa ou banco de terras, distribuí-las por quem as quiser cultivar, seja ao nível da exploração florestal, seja da exploração agrícola ou da agropecuária. Temos de ultrapassar este bloqueio psicológico e atávico”.  Sugere a solução: “Iminentes juristas deste país já disseram qualquer coisa deste tipo. As pessoas não perdem a propriedade, perdem o usufruto. Também lhe digo uma coisa: os dois terços na Assembleia da República resolvem estas questões”. Cita um exemplo de Pampilhosa da Serra. “Ali, surribou-se uma área de montanha que agora está transformada em vinha. Ou seja, onde antes havia o risco de se gerar um eucaliptal, temos uma zona de viticultura, transformando-se uma área de risco numa zona tampão, garantindo a proteção contra a propagação do fogo e um produto de qualidade e com valor de mercado”. Conclui com mais ideias: zona de pastagem, zona de irrigação das pastagens, uma charca e um ovil, com criação de raças autóctones.   

Ideias tem também Fernando Brito para voltar a colocar o negócio no ponto alto em que estava quando se deu o incêndio. Filho de lavradores, orgulha-se do ofício. Mantém a vontade de aprender que o levou a Lisboa, mal regressou da comissão em Moçambique, era um rapaz. “Fui para lá para aprender e inovar e é isso que quero continuar a fazer”. Não há melhor  caixilharia que a sua, garante. Uma mistura de madeira e alumínio, materiais que alimentaram as chamas a 14 de outubro. Aos oitenta anos, Fernando Brito prefere recordar o dia seguinte. “Choveu”.     

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