Secretaria-Geral do Ministério da Saúde rejeita responsabilidades na greve do INEM
A Secretaria Geral do Ministério da Saúde (SGMS) enviou à Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS), no dia 7 de março, o contraditório ao relatório preliminar sobre a inspeção feita ao funcionamento do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) durante os dois dias de greves em simultâneo, 31 outubro e 4 de novembro, em que técnicos de emergência e técnicos da Administração Pública pararam, podendo assim o socorro à população ter sido comprometido e estar na origem de uma dezena de mortes, ainda a serem investigadas.
No documento, ao qual o DN teve acesso, a SGMS arrasa a fundamentação da IGAS em que a responsabiliza por o INEM não ter tido conhecimento “atempado” dos pré-avisos de greve para que fossem discutidos serviços mínimos, dizendo que “as indiretas imputações” ao procedimento adotado pela SGMS são “totalmente inadequadas” como “violam a lei”, já que foram “publicamente difundidas”, constituindo “um dano reputacional para a SGMS”.
A secretária-geral do Ministério da Saúde (MS), Ana Pedroso, que assina o contraditório, argumenta com a lei e com o cumprimento desta o procedimento dos serviços que dirige, deixando no ar críticas à IGAS por estar a tentar atribuir a este organismo da Administração Pública da área da Saúde “competências” e “funções” que não lhe estão atribuídas por lei. No texto é ainda criticado que não tenha sido encetado “qualquer contacto com a SGMS, após o primeiro pedido de documentos, para solicitar esclarecimentos ou informações adicionais”, o que teria “permitido elaborar um Projeto de Relatório mais consentâneo com a legalidade.”
SGMS questiona desconhecimento do INEM
A SGMS começa por questionar o desconhecimento do INEM sobre os pré-avisos de greve dos sindicatos dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (STEPH) e do Sindicato da Administração Pública que levou a uma greve em simultâneo a 31 de outubro e a 4 novembro, dizendo que a lei é clara sobre quem deve informar quem.
Ou seja, são as entidades que as decretam que têm de informar as entidades patronais e os organismos dos serviços afetados. O que, segundo defende, ficou demonstrado ter acontecido, argumentando: “Ou o meio pelo qual os sindicatos cumpriram o disposto no artigo 396, da LTFP é considerado idóneo, e o INEM tinha de ter tido conhecimento direto do aviso prévio; ou o meio utilizado pelos sindicatos não é considerado idóneo, e a greve é ilegal. Não há uma terceira hipótese”.
A questão é que quatro meses após estas greves, que reuniram cerca de 80% de adesão, segundo os sindicatos, ainda não se sabe quem falhou na definição dos serviços mínimos, de forma a que o socorro à população tivesse sido assegurado.
Na altura, a direção do INEM referiu só ter tido conhecimento da greve no próprio dia, embora tais pré-avisos, como refere a resposta da SGMS, tenham sido “publicitados nos sítios” dos sindicatos e divulgados na comunicação social, “amplamente”. Refere ainda que foram, igualmente, e segundo a própria IGAS, “enviados por email para várias entidades do SNS, designadamente para a Direção Executiva (DE), para todas as (39) Unidades Locais de Saúde (ULS) e para o gabinete da ministra da Saúde, com conhecimento da Direção-Geral da Administração e do Emprego Publico (DGAEP), da Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT)” e da ACSS”. Neste sentido, até se deve “aferir se a publicitação do mesmo no sitio eletrónico é um meio idóneo para a sua publicitação”.
Argumento da IGAS pode levar a situações “ad absurdum”
A SGMS argumenta ainda que “a lei não prevê a existência de intermediários que possam substituir a estrutura sindical no seu dever de dirigir o aviso prévio às entidades constantes do artigo 396, da LTFP”, reforçando que “a obrigação dos sindicatos não pode ser cumprida por reencaminhamento de outras entidades”, sob pena de se poder chegar a precedentes e até a situações “ad absurdum”.
Segundo refere o documento, assim, “bastaria a qualquer estrutura sindical notificar o Sr. Primeiro-Ministro, enquanto líder do Governo que e, nos termos do artigo 182, da Constituição da República Portuguesa, é o órgão superior da Administração Pública, para que este passasse a assumir o ónus e a responsabilidade de notificar todo e qualquer empregador público, leia-se, toda e qualquer entidade da administração direta ou indireta do Estado (incluindo o setor empresarial) num prazo que permitisse a que esta comunicasse à DGAEP, num prazo de 24 horas, sobre a comunicação inicial do aviso prévio, a necessidade de negociação do acordo de serviços mínimos”. Ora, tal “não só seria absolutamente impraticável, como não se alicerça em qualquer suporte legal”.
Nas 13 páginas de contraditório, a secretária-geral esclarece que a “SGMS não tem quaisquer atribuições em matéria de recursos humanos que extravasem a sua organização, não lhe cabendo difundir avisos prévios de greve nem transmitir qualquer comunicação ou orientação aos serviços em matéria de serviços mínimos, substituindo-se as instituições sindicais ou as entidades empregadoras”.
Na resposta à IGAS, Ana Pedroso refere que a “SGMS recebeu os avisos prévios de greve, quer diretamente enviados pelas instituições sindicais, quer provindos dos Gabinetes Ministeriais", pelo que os tratou, naturalmente, dentro do respaldo que lhe confere a sua orgânica. Não tendo sido solicitada a recolha de estatística do número de trabalhadores em greve, registou-os no seu sistema de gestão documental, classificou-os e arquivou-os. No estrito cumprimento da lei.”
Reforçando ainda: "Não é [esta] instituição que assegura o expediente dos Gabinetes Ministeriais, nem o registo de entradas e saídas de ofícios, não tendo sequer acesso ao sistema de gestão documental em uso por aqueles”.
Em conclusão, a SGMS manifesta estar disponível para aceitar recomendações da IGAS, desde que estas estejam enquadradas nas suas funções, considerando assim que o relatório preliminar “carece de retificação em sede de relatório final”.
SGSM lamenta conhecer relatório ao mesmo tempo que Comunicação Social
O IV e último ponto da reposta à IGAS foi deixado para outros reparos, nomeadamente para a fase em que se encontra este processo de inspeção. E, neste sentido, a SGMS lamenta e critica o facto de ter tido conhecimento do Relatório Preliminar da IGAS ao mesmo tempo que a Comunicação Social. Ana Pedroso relembra que o processo inspetivo ainda se encontrava na fase processual de contraditório, o qual foi “determinado por despacho do Inspetor-Geral”.
Contudo, “sucede que ao mesmo tempo que foi enviado para contraditório da SGMS, o projeto de relatório foi do conhecimento dos órgãos de comunicação social", os quais, refere, "foram lestos em, e baseando- se no argumentário que a SGMS aqui refuta, imputar a responsabilidade à SGMS pelo não conhecimento por parte do INEM da existência das greves”.
Uma situação que a secretária geral considera violar "o principio do contraditório.”
O DN contactou também a própria Inspeção Geral das Atividades em Saúde para saber se confirmava a entrega do contraditório e também para saber quando ficrá concluído o relatório final, mas não obteve resposta em tempo útil.