Rute Agulhas: "Pessoas com dependências têm vergonha de assumir o problema"
Os dados do inquérito aos jogadores de Raspadinha em Portugal divulgado pelo SICAD referem que são as pessoas com baixos rendimentos quem mais aposta. É uma forma de tentarem aumentar os rendimentos?
Poderá ser a motivação inicial para muitas pessoas, mas rapidamente deixa de o ser, ganhando maior peso o prazer associado ao comportamento de jogo. É importante salientar que este comportamento gera prazer e satisfação, numa primeira fase - o que aumenta a probabilidade de se jogar. Muitas pessoas também jogam em pequenos grupos, com amigos, pelo que há um reforço por parte dos pares. Outras pessoas passam depois a exibir um comportamento abusivo ou mesmo patológico, sem que se apercebam, muitas vezes, dessa evolução progressiva. As fronteiras nem sempre são claras e podem ser transpostas sem que a pessoa tenha uma real consciência do processo que está a vivenciar.
São também mais "fiéis" pois uma parte substancial apenas aposta na Raspadinha. A razão serão os resultados imediatos?
A Raspadinha tem um resultado imediato, na hora. Para pessoas com maior dificuldade em adiar o prazer, maior é a necessidade de gratificação imediata. E a Raspadinha cumpre essa função.
O inquérito do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependência refere ainda que quem aposta na Raspadinha não se considera "viciado" e que o faz como atividade recreativa. Da sua experiência esta análise está correta?
Muitas pessoas com dependências diversas têm dificuldade em reconhecer o problema. Não se percecionam dessa forma, negando o problema ("não tenho qualquer dependência ou vício"), minimizando-o ("não é assim tão grave, seria muito mais grave se...") ou racionalizando a situação ("estou apenas a ajudar a Santa Casa e os mais necessitados").
Muitos outros reconhecem que têm um problema, mas sentem vergonha de o assumir perante si mesmos e perante terceiros. Estes processos defensivos e a vergonha inibem o reconhecimento do problema e o consequente pedido de ajuda.