No encerramento do Congresso do PSD, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, anunciou a revisão dos programas do Ensino Básico e Secundário, bem como da disciplina de Cidadania, sem avançar pormenores sobre essas mudanças. Assim, após o anúncio, várias questões ficaram por responder. Dúvidas que o Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) esclareceu, agora, ao DN..O MECI explica o que esteve na origem da tomada de decisão. “Os atuais currículos estão em vigor há seis anos e devem ser periodicamente revistos e atualizados, e é nesse sentido que se insere a atual avaliação e revisão das Aprendizagens Essenciais”, esclarece..Segundo o MECI, “todas as Aprendizagens Essenciais serão alvo de análise no âmbito desta revisão, ou seja, inclui todas as disciplinas”. Contudo, “as alterações que serão feitas em cada disciplina vão depender da avaliação externa e da avaliação da Direção-Geral da Educação, não sendo, portanto, de igual dimensão em todas as disciplinas. Nos casos onde se conclua a inexistência de necessidade de atualização, as alterações serão mínimas ou inexistentes”, adianta..O processo de avaliação e revisão dos programas vai decorrer durante o atual ano letivo e o MECI espera que “as Aprendizagens Essenciais já revistas possam ser aplicadas no próximo ano letivo (2025/2026)”..Os currículos vão, assim, mudar já no próximo ano letivo, mas essa revisão não reúne consenso entre docentes e diretores escolares. Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), não ficou surpreendido com o anúncio de Luís Montenegro, pois “os partidos políticos quando chegam ao poder têm a tentação de alterar duas áreas importantes da Educação: os currículo/programas (o que se ensina) e a avaliação externa”..“Este Governo não fugiu à regra e, desde logo, alterou os anos e escolaridade em que se realizam as provas de aferição (4.º e 6.º ano) rebatizadas de Provas de Monitorização da Aprendizagem (ModA). As alterações acima referidas sucedem de acordo com a alternância democrática, que é apanágio de Portugal: ora é Governo a esquerda, ora está no poder a direita”, explica..O presidente da ANDAEP diz tratar-se de uma decisão que “não é positiva na Educação”, porque “raramente é realizada uma avaliação prévia, mudando só por mudar, para deixar uma marca da governação, lançando confusão nas escolas”. “Mais valia que os dois principais partidos políticos fizessem um esforço e firmassem um Pacto na Educação, principalmente nas áreas referidas, que, teimosamente, alteram sem prévia avaliação, ignorando a opinião de quem está nas escolas”, pede..Paulo Guinote, professor de História e Geografia de Portugal (HGP), não discorda da necessidade de mudança dos programas, desde que estes não sigam “a lógica da simplificação e infantilização dos conteúdos, sob este ou aquele pretexto”. “A ‘extensão’ dos programas depende do tempo disponível para os lecionar. Uma revisão destas só faz sentido se for combinada com uma revisão da matriz curricular e do tempo deixado a cada disciplina para trabalhar com os alunos. Por isso, antes de concordar, precisaria de saber qual o sentido da revisão e, igualmente importante, quem a vai fazer”, sustenta..No que se refere à disciplina que leciona, o problema que identifica está mais ligado ao número de tempos letivos do que ao programa. “O maior problema foi a amputação brutal dos tempos letivos disponíveis, o que levou à desarticulação do programa das disciplinas, tornando quase impossível seguir um nexo cronológico de um modo que não se limite à sucessão de contextos históricos quase isolados entre si”, explica. .Segundo o docente, a disciplina de História, no 3º ciclo, “em pouco mais de 15 anos, passou de 9 para 6 tempos letivos no conjunto dos 3 anos, com a redução de 3 para 2 horas semanais e, em algumas escolas alegadamente inovadoras e com uma perspetiva “flexível” do currículo, caiu mesmo para apenas 1, com outra hora a ser usada para projetos ‘transversais’ ou absorvida pela disciplina de Cidadania”..No caso da HGP, conta, “as perdas podem não ter sido tão dramáticas, mas o problema continua a ser a forma de lecionar a disciplina de forma articulada e consequente com tão pouco tempo”..Paulo Guinote acredita ainda ser necessário “estabilizar o ensino da Matemática, fugindo à disputa entre cliques académicas e associações profissionais”, a disciplina de TIC (Tecnologia de Informação e Comunicação) e a de Filosofia, que se tornou “residual no Ensino Secundário”. “Lecionada em apenas 2 anos, com um programa que, para quem acha que esta área é essencial para o desenvolvimento intelectual dos alunos, parece estar reduzida a uma abordagem ‘esquelética’, que quase ignora a evolução do pensamento Ocidental e ignora por completo outros sistemas filosóficos, nomeadamente os das tradições Orientais”, sublinha..Disciplinas com programas que se arrastam há décadas.Luís Sottomaior Braga, professor de HGP e especialista em Gestão e Administração Escolar também defende a revisão dos programas, cuja estrutura essencial, diz, é a mesma há décadas. “Há uma necessidade de atender a novas realidades sociais e tecnológicas”, afiança..A necessidade de revisão na disciplina de Português e HGP, de 2.º ciclo, é, para o docente, essencial. “Creio que no Português, que não é o meu foco, nem a minha formação de base, é preciso uma visão mais prática do ensino da língua e mais centrada na escrita criativa. Bem sei que vou ser acusado de reacionário por muitos académicos especialistas, mas, sendo prático, acho que é preciso voltar ao hábito da ‘redação temática’: organiza o pensamento e promove reflexão e criatividade”, refere..No caso da HGP, avança, também é preciso uma mudança. “O programa é ainda muito parecido, mas compactado, com o que aprendi quando estava como aluno no 1.º e 2.º ano do Ciclo Preparatório, em 1982. História de Portugal da Pré-História ao 25 de Abril com umas fatias de geografia. Este programa fazia sentido quando o ensino obrigatório terminava no 6.º ano. Hoje vai até ao 12.º. Quando ia até ao 6.º fazia sentido não deixar sair da escola sem umas luzes da própria História do país. Hoje somos um país da União Europeia e temos dentro do país comunidades de outros países e continuamos com um programa no 2.º ciclo centrado na História de Portugal e que é uma corrida contra o tempo na lecionação (há escolas em que História tem 2 tempos por ano)”, exemplifica..“Neste momento, não há programas em Matemática”.José Carlos Santos, presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM), não tem dúvidas sobre a necessidade de revisão dos programas da disciplina e recorda que “o Governo anterior revogou tudo o que o seu antecessor tinha feito” e “neste momento, não há programas em Mate- mática”. “Há apenas as Aprendizagens Essenciais que, tal como o nome indica, se focam no essencial”, afirma..O responsável pela SPM defende a mudança de conteúdos da disciplina e explica porquê: “O programa atual não tem qualquer axiomática, ao contrário do que vinha sucedendo em vários programas anteriores. Isto é uma lacuna grave.”.Para José Carlos Santos, o principal problema reside, sobretudo, na forma como os conteúdos são lecionados, com “vários temas tratados de forma superficial, com suporte unicamente na intuição”. Além disso, acrescenta, “para resolver diversos tipos de problemas é pedido somente aos alunos que analisem aquilo que conseguem obter da calculadora gráfica, sem que se espere que haja qualquer raciocínio envolvido”. “Isto levará a uma grande falta de preparação e de maturidade por parte dos nossos alunos ao chegarem ao Ensino Superior”, alerta..Ensino de literatura menos académico e tradicional.Os professores de Português, única disciplina transversal aos três anos do Ensino Secundário (obrigatória para os alunos de todas as áreas), defendem várias mudanças nos programas, “passados seis anos desde a homologação das Aprendizagens Essenciais”. .“Parece-nos plausível que se proceda ao processo da sua avaliação, num quadro de melhoria e atualização dos documentos, mantendo-se a estabilidade do Sistema Educativo, sem nenhuma disrupção, o que é ainda mais importante no contexto, que tende a ser crónico, de insuficiência de docentes e de chegada ao Sistema Educativo de muitos professores sem formação específica na sua área de docência”, explica João Pedro Aido, presidente da direção da Associação de Professores de Português (APP)..O responsável sugere várias alterações, como “uma melhor organização dos tópicos (competências e ações estratégicas), esclarecendo melhor o que deve ser feito (em sala de aula)”, ou “um ensino da Literatura menos académico e tradicional”. Isto porque, explica, “cristalizar o texto literário em conteúdos programáticos não leva os alunos a lerem as obras, nem a fazerem apreciações críticas pessoais”..O presidente da APP defende ainda uma maior liberdade de escolha dos autores a estudar, com uma lista maior e mais atualizada, e ainda o “reforço da escrita criativa, no Ensino Básico e no Ensino Secundário”..João Pedro Aido aponta como prioridade o reforço da literacia digital, devendo ser aprofundada “nas ações estratégicas do domínio da Leitura e da Escrita, no contexto de projetos educativos estruturados”. A disciplina de Português Língua Não-Materna (PLNM), acrescenta, também precisa de alterações “em relação aos quadros coerentes de géneros textuais, ao reforço da escrita criativa, à literacia digital e ao pluricentrismo da língua portuguesa”. O presidente da APP defende também a alteração da legislação, permitindo às escolas a abertura de turmas de PLNM com menos de 10 alunos. Uma posição também defendida pelos diretores escolares.