Relatório do Parlamento Europeu defende linha direta de financiamento para a Saúde Mental

Na data em que se assinala o Dia Mundial da Saúde Mental, Sara Cerdas, eurodeputada pelo PS, e relatora principal de um Relatório de Iniciativa para esta área, diz ao DN que os problemas existentes são transversais aos Estados-membros e que ainda há um longo caminho a percorrer, sobretudo na acessibilidade e na estigmatização. Grupos Parlamentares negociam documento final de compromisso, que se tornará na posição oficial de Estrasburgo.
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Na União Europeia, cerca de 84 milhões de pessoas sofrem de doença mental, estimando-se que os custos económicos e sociais ascendam a 4% do total do PIB - ou seja, mais de 600 mil milhões de euros. Os números não são novidade, constam do último relatório da OCDE, de 2018, antes ainda do período pandémico e quando ainda havia 28 Estados-membros. A questão é que até agora não foram suficientes para fazerem soar as campainhas no Parlamento Europeu (PE), em Estrasburgo, na Comissão Europeia, em Bruxelas, ou em cada Estado-membro.

Mas Sara Cerdas, eurodeputada pelo PS, nomeada relatora principal em abril deste ano para a concretização do Relatório de Iniciativa para a Saúde Mental, a primeira ação da instituição nesta área, acredita que algo poderá mudar em breve, embora tenha consciência que "ainda há um longo caminho a fazer em todos os Estados-membros, sobretudo a nível da acessibilidade aos cuidados, na prevenção da doença e na sua estigmatização".

Por isso, o seu maior desejo, para este dia 10 de outubro, em que se assinala o Dia Mundial da Saúde Mental, é que o documento final deste Relatório, que está agora na fase de negociações com os vários grupos parlamentares e que funcionará como "a posição oficial do PE e como um compromisso assumido por todos os países para esta área", deverá ser aprovado pelos deputados da Comissão de Saúde e Segurança Alimentar, na votação agendada para 24 de outubro, e depois pelo plenário.

Mas há mais. A deputada deseja também - e diz estarem a trabalhar para isso - que o próximo Ano Europeu seja destinado à Saúde Mental, considerando "vergonhoso não ter havido uma única referência à Saúde e à Saúde Mental no discurso do Estado da União da presidente, Ursula von der Leyen".

Sara Cerdas, que foi nomeada para esta função pela subcomissão específica da Saúde do Parlamento Europeu a 21 de abril, diz ao DN que um dos principais objetivos deste documento é tornar "a Saúde Mental uma prioridade política para todos os Estados-membros". E é neste sentido que a equipa que está a liderar tem vindo a trabalhar desde o início de junho.

"O primeiro relatório foi apresentado a 21 de julho e tinha como prioridade apresentar a estrutura do documento final. Depois, foi dado um prazo para propostas de alteração, que poderiam ser apresentadas por qualquer deputado, e recebemos 584, das quais cerca de 200 eram da minha própria equipa. Após a análise de todas passámos à negociação com os Grupos Parlamentares para o documento final, é a fase em que nos encontramos. Na próxima quarta-feira vamos ter a última reunião política sobre o documento, para acertar o documento final que irá a discussão e votação na Comissão de Saúde e depois a plenário", explicou ao DN.

Sobre a importância deste documento afirma: "Nele ficará definida a política e a posição do Parlamento Europeu para a área da Saúde Mental", o que até agora não existe. Mesmo a nível de financiamento, sustenta, "há uma verba estipulada no Orçamento da UE de 1,3 mil milhões para os países, mas depois são estes que definem onde o usar. Com este documento de compromisso do Parlamento Europeu haverá uma estratégia europeia para a abordagem aos problemas de Saúde Mental, uma estratégia para a prevenção da doença e a definição de tratamentos e de medidas económicas e sociais para lidar com a doença".

A eurodeputada lembra que um dos problemas maiores associados à doença mental ainda é "a estigmatização e é preciso trabalhar mais neste sentido", dando como exemplo: "Se uma pessoa disser no trabalho que está com uma pneumonia é normal. Os colegas são capazes de lhe levar uma sopinha e de a ajudar a tratar-se, se disser que está com uma depressão ninguém vai. Ainda há muito estigma associado à doença mental". Daí que saliente a importância de existir "um documento de compromisso do Parlamento Europeu".

A eurodeputada explica que este documento vem definir a necessidade de se identificar os grupos vulneráveis nesta área e as abordagens de prevenção, "já que um diagnóstico precoce ajuda a uma intervenção precoce e a melhores resultados", bem como fomentar a criação de ferramentas que melhorem a acessibilidade. "Um cidadão da freguesia de Santana na Madeira tem de ter o mesmo acesso aos cuidados de Saúde Mental que tem um na cidade de Bruxelas", sublinha.

Sara Cerdas fala ainda na importância de algumas medidas ficarem definidas neste documento, nomeadamente as que se destinam "à promoção da desinstitucionalização dos doentes, ao aumento do número de psicólogos nas escolas e ainda aos apoios à população mais idosa". O objetivo desta iniciativa do PE é "traçar uma estratégia europeia para a Saúde Mental com indicadores, objetivos e metas a atingir a partir das boas-práticas. Não quer dizer que estas já não existam em alguns Estados-membros, como em Portugal, por exemplo, mas queremos melhorá-las. Não podemos esquecer que estamos a falar de doenças que afetam um quarto da população da UE e com grandes custos económicos e sociais".

No caso de Portugal, a eurodeputada admite também haver muito trabalho a fazer, sobretudo no que toca à literacia da população sobre a questão, mas reconhece que somos dos países que já está a ter uma política mais comunitária no tratamento dos doentes. De acordo com o relatório da OCDE, de 2018, um quinto da população portuguesa sofre de doença mental, cujos custos económicos e sociais ascendem a cerca de 3,7% do total do nosso PIB, menos do que a média europeia que é de 4%.

O mesmo relatório refere que os problemas mais comuns são a ansiedade, com uma estimativa de 25 milhões de pessoas a viver com este problema, depois a depressão (que, na altura, afetava 21 milhões de pessoas, podendo este número ter aumentado no período durante e pós-pandemia), o consumo de álcool e/ou drogas, atingindo 11 milhões de europeus e que as doenças mentais graves, como a doença bipolar, afeta quase cinco milhões de pessoas, e a esquizofrenia 1,5 milhões.

"Se os números económicos não fazem soar as campainhas para que se dê a devida importância a esta área, então que sejam os números dos custos sociais, de vidas e de anos perdidos por incapacidade devido a doença mental", sublinha Sara Cerdas. E uma das áreas a trabalhar é a da informação, os dados disponibilizados e que são fundamentais para se poder traçar um retrato completo da situação. Por exemplo, refere a eurodeputada, se quisermos analisar o que uma família da UE gasta do seu orçamento na Saúde Mental, não conseguimos porque não temos esses dados. E isso também é fundamental".

No final, e tendo em conta o dia que se celebra, Sara Cerdas diz ao DN que a mensagem mais importante é aquela que a Organização Mundial da Saúde (OMS) tem vindo a transmitir e que todos devem interiorizar: "É OK, não estar OK", para que se acabe com a estigmatização.

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