Às 17 horas desta terça-feira, 19 de agosto, o município da Covilhã emitia um “alerta de precaução” a algumas localidades que poderiam estar mais expostas aos incêndios, até porque, sublinhou a autarquia, “as condições no terreno” tinham-se agravado “devido à intensidade do vento”, motivo pelo qual o incêndio, que tinha começado em Arganil, nas imediações da aldeia de Piódão, no dia 13 de agosto, e que já estava a consumir parte do concelho do Fundão, estava “novamente fora de controlo”. No mesmo dia, na sequência do funeral do ex-autarca da Guarda, Carlos Dâmaso, de 43 anos - que acabou por ser a primeira vítima mortal dos incêndios deste ano -, o Presidente da República apelou a que fosse feita uma reflexão, principalmente face às “lições” aprendidas com os incêndios de 2017, em Pedrógão, que vitimaram mais de 100 pessoas. Entretanto, em Espanha, depois de 16 dias de onda de calor e com previsões meteorológicas favoráveis ao combate aos incêndios, o primeiro-ministro, Pedro Sánchez, alertou para “horas difíceis” e garantiu que o seu Governo vai declarar várias zonas de catástrofe, depois de mais de 300 mil hectares de área ardida.Ao DN, o investigador em incêndios rurais Paulo Fernandes, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, explicou que “o mais significativo”, neste momento em que Portugal e Espanha enfrentam incêndios, é o facto de, “pela primeira vez”, haver “tantas ocorrências tão grandes simultâneas num espaço geográfico tão vasto, que é basicamente grande parte do Noroeste da Península Ibérica”. Para justificar esta observação, Paulo Fernandes recorre a “dados históricos” e à sua “memória”.Entre o dia 13 de agosto, na quarta-feira da semana passada - de acordo com dados do portal do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais (SGIFR) -, quando começou o incêndio em Piódão, e ontem, a área ardida no total de Portugal continental era de 101.045 hectares. Por comparação, no total deste ano, a área ardida no mesmo território corresponde a 203.440 hectares.Aqui ao lado, em Espanha, dados do Sistema Europeu de Informação sobre Incêndios Florestais (EFFIS) apontam para aproximadamente 375 mil hectares de área ardida..“Portanto, nunca tínhamos tido incêndios de 10 mil, 20 mil, 30 mil hectares simultâneos, vários, em Espanha e em Portugal ao mesmo tempo”, alerta Paulo Fernandes, explicando que “tudo isto bate certo com estudos feitos na América do Norte”, sobre “massas de ar muito quente e seco - às quais chamam hipdome [cúpulas, numa tradução livre do inglês] - que bloqueiam”. “São basicamente incêndios de secura”, avisa.O DN ouviu ainda o especialista em alterações climáticas, que também é copresidente do partido Volt Portugal, Duarte Costa, que deixou um aviso: “Nós temos temperaturas na região Centro e na região Norte quase aquelas que eram normais no Alentejo.”“Estão a tornar-se normais na região Centro e na região Norte, que são altamente perigosas do ponto de vista de incêndio”, destaca, enquanto deixa mais uma preocupação em cima da mesa, desta vez em relação à flora.“Temos florestas altamente inflamáveis, como é o caso dos eucaliptos e dos pinheiros, porque são muito densas, ou seja, uma árvore está em contacto com a árvore do lado. Temos material seco que arde muito facilmente, temos resinas das plantas, temos sementes dos eucaliptos que voam e que explodem e que geram novas ignições. Muitas vezes, temos o tipo de mato, como giestas e tojo e estevas”, que, “quando queimam fazem as chamas subirem em altura e com isso passar do chão para as copas”, acrescenta Duarte Costa.Com toda esta descrição, o especialista em alterações climáticas garante que “temos uma bomba relógio no nosso ordenamento do território, independentemente das limpezas” que sejam feitas, ainda que estas agravem, completa.No fundo, continua o especialista em alterações climáticas, o fenómeno que refere traduz-se numa “estação quente e seca, mais prolongada no tempo e, portanto, com mais risco. Mas aqui o que me parece mais preocupante é estarmos em 2025 e não termos nenhuma resposta sólida a este problema que se agrava”, afirma.Questionado sobre o que deveria ser feito, na sua opinião, para travar o problema, Duarte Costa sublinha aquilo que Portugal não tem para responder a este fenómeno, que se repete ano após ano. “Não temos nenhum meio aéreo de combate a incêndios, não temos uma coordenação efetiva, não temos drones de monitorização aérea remota, satélites, para evitar estes novos inícios”, critica.Falta de meios aéreos e fogo descontroladoEm Seia, as dificuldades que as autoridades têm sentido devem-se à escassez de meios aéreos, explicou à Lusa o presidente da câmara daquele concelho, Luciano Ribeiro.“Estamos outra vez com dificuldades, em particular porque os meios aéreos são um martírio para os poder pôr em ação e têm desculpas que é difícil compreender para quem está no terreno que, tirando a frente de fogo, tudo o resto é céu limpo”, afirmou, acrescentando que “a frente” do fogo “é tão grande que a vigilância torna-se cada vez mais difícil com a falta de meios e com a recuperação de homens e mulheres. Não havendo meios aéreos para poder ajudar e abrandar as reativações, todo o trabalho que é feito vai para o lixo”, concluiu.Em conjugação com as queixas do autarca, o município da Covilhã, que tem enfrentado o incêndio que começou em Piódão e que já provocou várias frentes ainda ativas no Fundão, emitiu um alerta à população, avisando que o incêndio estava descontrolado.“Face à situação de fogo que se regista no concelho, informa-se que as condições no terreno se agravaram esta tarde devido à intensidade do vento e o incêndio encontra-se novamente fora de controlo”, alertava o comunicado, trasportanto consigo um apelo à precaução.Parlamento poderá não ouvir Governo sobre incêndiosOntem, um dia depois de o Chega ter pedido um debate de urgência no Parlamento, para discutir os incêndios, com a presença do primeiro-ministro, Luís Montenegro, e a da ministra da Administração Interna, Maria Lúcia Amaral, e depois de o PCP ter pedido uma reunião da Comissão Permanente - o órgão que substitui a Assembleia da República nas interrupções das sessões legislativas -, o PS já garantiu que não vai acompanhar estas iniciativas.“O PS é contra a chicana política, numa altura em que se está a combater os incêndios que põem em causa a vida das pessoas e o seu património”, justificou o secretário-geral socialista, José Luís Carneiro, nos Açores, enquanto criticava o Chega por ter estado durante”10 dias sem qualquer tipo de reação”.O líder do PS disse que haverá uma altura para avaliar o que “correu bem e o que correu menos bem”, mas com uma garantia: “Nós não faremos ao doutor Luís Montenegro, nem diremos do doutor Luís Montenegro, aquilo que o doutor Luís Montenegro disse do doutor António Costa e disse do Partido Socialista quando estava no Governo, a propósito dos incêndios.”No final do dia, Marcelo Rebelo de Sousa pediu que fosse feita uma reflexão, tal como aconteceu em 2017, após os incêndios em Pedrógão Grande. “Era mais violento”, lembrou o Presidente da República, destacando que, desta vez, “felizmente não tivemos 100 mortos, mas basta haver um morto”.“Houve uma grande reflexão e houve mudanças”, considerou o chefe de Estado, observando que “as mudanças não foram suficientes e há que ir mais fundo”..Incêndios de Arganil e Lousã. Um retrato do dia em que “parece que o Diabo andou por ali”.Da exaustão e fogo “descontrolado” à confiança do PM no dispositivo