Na Avenida de Roma, em frente ao número 9, há um quiosque que, ao longe, até parece ser uma banca como outra qualquer. No entanto, basta chegar mais perto para perceber que aqui não há mais jornais, revistas, tabaco ou pastilhas elásticas. Os artigos à venda são peças em cores vibrantes. Telas com paisagens de Lisboa, quadros emoldurados com ilustrações originais, pequenas esculturas, até pinturas em pedra portuguesa. Este quiosque ostenta com orgulho o título de ter sido a primeira galeria de arte num passeio em Lisboa. O mérito é de um casal brasileiro que viu na feitura de um mono desativado o potencial para a beleza que, ali, poderia nascer..Marina Borba e Manuel Mendonça deixaram a cidade de Recife, capital do estado de Pernambuco, no Nordeste brasileiro, e instalaram-se em Lisboa em 2016. Desde então, esta dupla tem feito da parceria no amor o segredo para o sucesso dos negócios. Ela com formação no design, ele em publicidade. Os dois, criativos, como se diz nas Ciências Humanas sobre quem olha para o mundo e tira daí as suas inspirações. E foi assim, a olhar, que surgiu a ideia. “Nós víamos muitas bancas antigas de jornal já desativadas em Lisboa”, conta Marina..O casal já andava atento aos espaços da cidade. A brasileira frequenta o doutoramento em Belas Artes na Universidade de Lisboa e investiga a sensação de pertença da população diante de espaços públicos desativados que são reabilitados com alguma ação cultural. Por outro lado, Manuel, que também é designer, andava à procura de locais para expor seu trabalho. “Quando viemos para Marina fazer o doutoramento, eu fiquei com muito tempo livre, então comecei a ilustrar e comecei a procurar espaços para expor as minhas ilustrações. Aí consegui uns sim, uns poucos e alguns não”, conta o brasileiro..Marina Borba e Manuel Mendonça abriram a Nova Banca Galeria em 2019. Foto: Reinaldo Rodrigues..Os dois decidiram submeter um pedido de ocupação de um quiosque à Câmara Municipal de Lisboa, mas não para reabri-lo como mais uma banca, e sim como uma Nova Banca Galeria. É este o nome do projeto que arrancou em 2019 e que, hoje, está totalmente integrado à vida desta freguesia. “A gente cria laços que chegam a ultrapassar o de clientela, sabe? Criamos amigos”, diz Marina, a contar que já foram, inclusive, convidados a momentos de convívio na casa de alguns dos compradores. “A gente existe, mantém-se, com o apoio dos vizinhos”, reforça Manuel..Pela galeria, além dos trabalhos de Manuel, já passaram obras de cerca de 150 artistas. “Quem faz a Nova Banca são os artistas. Eu nunca considerei, como ilustrador, que seria um espaço apenas nosso. A nossa coladoria é muito tolerante, muito aberta, e eu acho que isso é uma coisa também importante”, destaca o designer..A dupla conta que tem-se tornado inspiração para que outros cidadãos também decidem dar um novo uso às bancas desabilitadas, alguns, inclusive, vão pessoalmente pedir orientações sobre como fazer o procedimento junto à CML. “No começo deste ano, informaram-me que de 300 quiosques em Lisboa, 70 estavam desativados. Abriu uma banca galeria agora exatamente no lado oposto ao nosso na Avenida de Roma. Sabemos de pelo menos uns sete ou oito espaços já. Ficamos felizes com esse reconhecimento. E, uma coisa importante, feliz de dar essa nova vida e ressignificar esses espaços”, afirma Manuel..O projeto do casal já seguiu em frente, apenas com uma leve variação. Marina decidiu dar mais espaço para a sua própria veia criativa e convidou uma amiga de longa data para, juntas, apostarem num novo espaço. O conceito é o mesmo. As duas submeteram o pedido à CML e receberam uma antiga banca localizada na Avenida da Igreja, na altura do número 31, para instalar a Uma Volta, loja que vende produtos de design e acessórios de moda, incentivando uma forma mais sustentável de consumo, já que as peças são de produção quase única e mais responsável. Nesta banca, vemos brincos, colares, pulseiras, lenços e algumas peças decorativas, de artistas brasileiros, portugueses e não só. No coração de Alvalade, um dos bairros residenciais mais tradicionais de Lisboa, a recetividade foi imediata. “O bairro realmente nos acolheu”, diz Amanda Braga, a sócia de Marina. ."Uma Volta em Lisboa" fica localizada na Avenida da Igreja, em Alvalade. Foto: Reinaldo Rodrigues..Para a brasileira, que investiga precisamente a relação entre cidadãos e espaço público, o projeto tem sido a prova da importância de se promover ações de reabilitação urbana. “Se todo dia, no meu caminho para o trabalho, eu passo por uma banca que está fechada, é como se faltasse o cuidado, sabe? Inclusive, a sensação de segurança, ela muda, é como se o poder público não se preocupasse com as pessoas que transitam por ali. Um equipamento público urbano quando é utilizado de fato ele passa a ser agregador de todos que estão ali em redor”..caroline.ribeiro@dn.pt