Nascido em Recife, capital de Pernambuco, Alessandro Warley Candeas ingressou no Itamaraty há mais de 30 anos. Já passou em postos como Buenos Aires, Montevideu e Bogotá, além da UNESCO e cargos estratégicos em Brasília na área da Defesa e Educação. É também professor e doutor em Sócioeconomia do Desenvolvimento pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris..Lisboa tornou-se um posto muito importante e de muito trabalho. Qual é a sua expetativa ao assumir este cargo? Em primeiro lugar, muito obrigado pela honra do convite e parabéns ao DN por ter o DN Brasil e abrir esse espaço para o Brasil. É muito importante essa interlocução com a comunidade brasileira. Estou a chegar agora ao consulado e fiz questão de que a minha primeira visita fosse feita aqui a vocês, ao Diário de Notícias, justamente para demonstrar a importância e o respeito que nós temos para com o trabalho da imprensa. É fundamental nós estabelecermos essa parceria com a imprensa em benefício da comunidade brasileira, da melhor informação, da transmissão de informações de interesse, do Consulado do Governo brasileiro para a nossa ampla comunidade aqui. São muitos os desafios, mas o entusiasmo também é muito grande..O embaixador que o antecedeu, Wladimir Waller Filho, fez uma reorganização do consulado, muitas melhorias tecnológicas. Nestes primeiros dias de trabalho, como avalia o que encontrou no consulado para trabalhar? A demanda está a crescer e nós temos uma equipe muito boa, muito profissional, muito dedicada. Assistência aos brasileiros, atos notariais, todos os setores estão muito bem estruturados: passaportes, documentos de viagem, assistência jurídica, psicológica. Então, o meu antecessor, o embaixador Wladimir, fez um excelente trabalho. Ele realmente tornou o meu trabalho bastante mais fácil, porque já deixou o consulado muito bem estruturado e capaz de atender essa demanda crescente. Nas Eleições [Presidenciais de 2022] por exemplo, apenas para citar um número, tivemos um público eleitoral de 40 mil inscritos. Agora, nós projetamos 50 mil, ou um pouco mais, para daqui a dois anos, nas próximas eleições. Então, é uma série de demandas que estamos prontos para atender. Mais uma vez, a equipa é muito dedicada, muito profissional, muito bem estruturada, e esse realmente é o nosso objetivo: servir cada vez melhor a nossa comunidade brasileira, tanto aqui, evidente- mente, na minha jurisdição em Lisboa, mas também os colegas de Faro e do Porto. Nós todos estamos integrados nessa missão..Sabe que muitas pessoas não sabem exatamente qual a função do cônsul. Também há uma certa confusão com as divisões da embaixada. Pode nos contar, em linhas gerais, quais são as funções que vai desempenhar aqui em Lisboa? Basicamente a embaixada cuida da relação política de Estado a Estado - a relação com o Governo português, com as autoridades portuguesas, os ministérios, etc. No consulado a função é atender a comunidade brasileira. Evidentemente, há uma agenda convergente. A comunidade brasileira é o que nos une. Em termos gerais, de forma muito simplificada, é esta a divisão de competências entre uma embaixada e um consulado. No consulado, fica muito a documentação, oferecer tanto os documentos de viagem, os passaportes, o CPF (NIF), inclusive registros de nascimento, registros de óbito, ou seja, toda a parte documental. De fato, é nossa responsabilidade e orientação. Há diversas e diversas áreas práticas do quotidiano, da rotina dos brasileiros que vivem aqui..Sei que também vem com grandes ideias em relação a algumas prioridades, que envolvem um atendimento especial às mulheres e melhorar os canais de comunicação com a comunidade. Pode dar detalhes? A minha primeira intenção é criar um espaço da mulher brasileira aqui no consulado. Outros Consulados do Brasil já têm, por exemplo, em Londres, Boston, Miami ou Madrid, aqui perto. Roma está criando e eu vejo que ainda não havia aqui e que há essa demanda. Ou seja, a grande parte do atendimento consular brasileiro, aqui em Lisboa, já é dedicado ao público feminino. Então, a nossa ideia é sistematizar esse atendimento, oferecer uma informação de melhor qualidade, oferecer inclusive assistência psicológica, jurídica e de empreendedorismo. Vamos sistematizar tudo o que já é feito, melhorar o atendimento no que nós chamamos de espaço da mulher brasileira. Para isso, ainda não posso dar a data. Estamos organizando. Mas a ideia é que seja tanto um espaço físico, como um espaço virtual. Um espaço, por exemplo, para palestras, divulgação de vídeos, tutoriais, enfim. O objetivo é esse: conhecer e atender, cada vez melhor, a demanda crescente do público feminino, das brasileiras residentes aqui em Lisboa..E nos canais de atendimento à comunidade? Vamos aprimorar, usar todas as plataformas disponíveis de comunicação, para que nós possamos estabelecer esse diálogo com a comunidade. Além do Instagram, que já temos, vamos fazer uma campanha, por exemplo, de vídeos curtos no canal do YouTube, vídeos informativos para a nossa comunidade sobre documentação, sobre processos específicos. Vamos organizar então uma série de vídeos gravados por atores da própria comunidade brasileira. Além, naturalmente, da página na internet do nosso portal. Ou seja, todas as plataformas disponíveis serão utilizadas no nosso canal, também de transmissão por WhatsApp. Todas vão ser úteis para que a comunidade receba diretamente do consulado as informações que necessite. Ou seja, mais uma vez, sobre documentação, sobre processos específicos, sobre o processo eleitoral, recadastramento eleitoral, para daqui a dois anos. Esse é o nosso compromisso - trabalhar e informar cada vez melhor..Foi recebido no aeroporto pelo embaixador Raimundo Carreiro e também, depois, já esteve com ele. Como é que prevê que vai ser essa relação com a Embaixada do Brasil? O embaixador é muito querido. Ele me fez essa deferência especial, ir receber-me ao aeroporto, e já o visitei dois dias depois. Já fui à embaixada e conversámos sobre vários projetos conjuntos, sempre focados no atendimento à nossa comunidade brasileira. Ele, muito gentilmente, se comprometeu a manter esse diálogo fluído connosco. A equipa da embaixada também é muito dedicada, há um setor que se ocupa da comunidade brasileira e, naturalmente, também da imprensa. Eu estou muito, muito entusiasmado com esse trabalho de cooperação entre embaixada e consulado dentro da repartição de competências que há pouco nós comentávamos..Nós vamos ter também a Cimeira Bilateral no próximo ano. Como é que está a expetativa para levar essas demandas da comunidade para essa cimeira? Nós temos, dentro da cimeira, uma agenda consular também. Estamos construindo, juntos com o Governo português, essa agenda. E a ideia é justamente essa. Ou seja, compreender as demandas da nossa sociedade e dos brasileiros aqui, os temas que nos preocupam em conjunto e atacar esses temas, esses desafios da forma mais colaborativa possível entre Governos. As autoridades portuguesas têm acolhido de uma forma muito positiva as nossas demandas. Temos uma relação tradicionalmente e historicamente muito boa. E, sem dúvida, vai aprimorar-se ainda mais. Há uma grande sensibilidade do Governo português face às demandas do público brasileiro. E vamos então construir juntos essa agenda na cimeira e também nos mecanismos tradicionais de relação consular. Além da cimeira, nós temos uma reunião entre chancelarias e órgãos de imigração dos dois países, que também terá no próximo semestre uma reunião. Então, sim, já temos, digamos, toda a parte institucional prevista e a agenda em construção é cada vez mais sólida..Nós sabemos que a questão da imigração é de competência do Governo português e a interlocução é com a embaixada. Mas também há muitos problemas que os brasileiros enfrentam aqui, relacionados com mudanças na Lei de Imigração e xenofobia, por exemplo. Existe alguma possibilidade de contribuir para essa discussão? Sim. A ideia é conhecer as demandas da comunidade brasileira, as preocupações e, em estreita cooperação com a embaixada, manter esse excelente canal de diálogo e de interlocução com as autoridades portuguesas para discutir a melhor forma de atender as demandas brasileiras da nossa comunidade. Mais uma vez, eu entendo que há um interesse grande do Governo português em reconhecer esses temas e trabalhar da melhor forma possível para atender essas demandas, essas necessidades. Estou muito confiante de que vamos poder, juntos, construir essa agenda e avançar nos temas de interesse da comunidade brasileira..Já passou por vários postos de destaque pelo mundo. Pode comentar um pouco essa experiência prévia, até chegar a Lisboa? Até há duas semanas atrás, eu era embaixador do Brasil na Palestina. Eu passei quatro anos na Palestina, morando em Jerusalém e com jurisdição na Cisjordânia e em Gaza. Isso quer dizer que há um ano eu acompanho a guerra entre Israel e o Hamas. É um momento traumático para a História da região. E nós temos uma comunidade brasileira também na Palestina, 6000 pessoas. A experiência que eu tive de contato direto com essa comunidade foi muito importante e eu trago essa experiência para cá. Ou seja, reconhecendo a importância dessa interlocução, dessa presença imediata da autoridade brasileira junto ao público brasileiro. Essa experiência nesse momento traumático, um momento de guerra, de apoio e assistência e proteção da comunidade brasileira me marcou muito. Marcou do ponto de vista pessoal e profissional. E eu trago muito, como falei, essa experiência para cá. É por isso que eu quero realmente trabalhar muito próximo à nossa comunidade. Graças a Deus nós conseguimos evacuar todos os brasileiros de Gaza. Nenhum brasileiro palestino morreu na Guerra de Gaza, mas infelizmente, como se noticiou, nós tivemos dois brasileiros israelenses que foram sequestrados pelo Hamas e foram mortos em cativeiro. Mas dos brasileiros palestinos que moravam em Gaza, nós conseguimos resgatar todos..Escreveu um livro sobre essa experiência. Teremos esse livro aqui em Portugal? Depois de ter passado quatro anos morando na Terra Santa e com toda aquela experiência, em termos de vivência pessoal e de experiência profissional, eu achei que devia colocar isso no papel. O livro se chama Peregrinação e Guerra, Anotações de um diplomata na Terra Santa. Eu estive lá como embaixador, mas também como peregrino. Percorri os lugares onde Jesus passou, onde tudo aconteceu. Todos nós que lemos a Bíblia conhecemos um pouco do imaginário daqueles lugares. E quando conhecemos de perto, e vemos a dimensão humana mesmo, a topografia, a cultura, a culinária, então isso é uma peregrinação. Mas eu passei por uma guerra, daí o título Peregrinação e Guerra. São anotações de um diplomata e eu tive muito prazer em escrever isso. E eu espero que possa lançar também aqui em Lisboa o livro..amanda.lima@dn.pt