"Queremos proteger a Ucrânia. Lutamos pela paz e pela verdade"
"Obrigada Portugal. Viva Portugal". Gritaram centenas de manifestantes quando souberam que o país fechou o espaço aéreo às companhias russas. Juntaram-se na Praça do Comércio este domingo para protestar contra a invasão da Rússia. Saudaram a criação de uma plataforma para reunir os apoios recebidos. Os protestos subiram de tom quando anunciaram a destruição de um avião comercial ucraniano no aeroporto de Kiev, o Antonov AN-225, o maior de sempre, e que a ofensiva russa continua.
As ações de protesto contra a Rússia e de apoio à Ucrânia concentram os esforços da comunidade ucraniana neste momento. Há familiares e amigos que querem vir, mas dizem ao DN que a maioria vai ficar, pelo menos por enquanto. "A minha família quer ficar, quer lutar pelo seu país", diz Olena Chubur, 41 anos, há quatro em Portugal. E ela compreende, mesmo que vivam numa cidade perto de Kiev, onde são maiores os confrontos. Muitos dos mais velhos justificam que já não estão em idade de deixar o país e os homens novos estão mobilizados para a guerra.
Olena é cabeleireira, o marido, Sérgei Vadouyka, 42 anos, formado em engenharia civil, está desempregado. É o filho, Myron, de 11 anos, que traduz as palavras portuguesas que os pais não percebem. Acreditam que a Ucrânia sairá vencedora, com a ajuda da comunidade internacional e da NATO.
Pavlo Sadokha, presidente da Associação de Ucranianos em Portugal, partiu de avião este domingo para a Polónia. Vai trazer a carrinha onde viajaram os pais, a mãe de 82 anos e o pai, de 87, além da irmã e dois sobrinhos. Viviam em Lviv, cidade próximo da fronteira polaca e levaram três dias para a atravessar.
Também Pavlo acredita na vitória. "Nos anteriores conflitos armados em que a Rússia saiu vencedora, o mundo não reagiu de forma tão intensa. As sanções, o encerramento do espaço aéreo, os apoios nomeadamente em armas, são muito maiores. Sabemos que as forças armadas russas superam as ucranianas, mas o apoio internacional, a NATO, vai ajudar a Ucrânia a sair vencedora desta guerra".
A manifestação deste domingo na Praça do Comércio começou ao início da tarde, acompanhando as várias ações de protesto em todo o mundo. Lisboa recebeu uma outra frente à embaixada da Rússia, a que se juntaram no final manifestantes da Praça do Comércio. Porto e Faro também receberam palavras de ordem contra Putin, a quem apelidam de "o novo Hitler".
"Queremos proteger o nosso país, o nosso território, lutamos pela paz, pela liberdade, pela verdade, Não é a verdade de Putin, que justifica a guerra por não termos um governo democrático. Somos um país democrático, elegemos quem nos governa, ao contrário do que acontece na Rússia. Diz que não anda a matar civis mas já morreram pessoas na minha cidade. Não precisamos deles, sabemos como nos governar", protesta Tatiana Vereshchapre, há seis anos em Portugal. A sua cidade é Sumy, um dos alvos da investida russa. Tatiana nasceu na Ucrânia então parte da União Soviética, fala russo e explica que nunca lhe foi retirada essa liberdade. Parte da sua família vive na Rússia.
As conversas com os familiares são tidas diariamente, também de noite, já que são poucas as horas de sono. "A minha família na Ucrânia quer ficar, lutar, defender os seus dirigentes e o país. A família na Rússia repete a propaganda russa, dizem que nos vão libertar do governo fascista. Repondo que não é assim, não acreditam, têm medo", explica Magdalena Konik.
Com 24 anos, há dois em Portugal, Magdalena partilha igualmente a família entre a Ucrânia e a Rússia e, também, na Polónia. "Os meus familiares não querem sair em caso nenhum e têm a oportunidade de vir para Portugal ou para a Polónia. Justificam que estão na sua terra e, por ela, querem lutar".
As duas mulheres estão num grupo de operadoras do call center Teleperfomance. Sentem-se bem integradas, agradecem a solidariedade dos portugueses. Lyudmyla Serbiyenko, 25 anos, traz uma bandeira da Ucrânia e outra de Portugal, esta última em nome do namorado português que não pôde vir à manifestação. Também Magdalena namora com um português e Victoria Teixeira foi casada com um e tem a dupla nacionalidade. Vive em Portugal há sete anos.
As centenas de ucranianos - também portugueses, romenos, polacos, suecos, belgas, entre outras nacionalidades - revelam a união no protesto, mas também a vivência do imigrante e de como interagem com a sociedade de acolhimento.
O ucraniano Maksym Khieko, 27 anos, há 17 que trocou a sua cidade natal, Sumy, por Lisboa. Está com Pedro Santos, 47 anos, casado com uma ucraniana e cuja enteada namora com Maksym. Os dois homens levam as bandeiras dos respetivos países, estão ali pelas mulheres que ficaram a trabalhar. "Os ucranianos estão fartos das mentiras de Putin, diz que quer negociar o cessar-fogo, mas falei com familiares em Sumy que me dizem que acabou de passar uma coluna militar russa, diz Maksym. Pedro entende que as medidas internacionais contra o governo russo deviam ser mais duras. "Estão preocupados com o direito internacional, quando Putin não respeita qualquer lei. Mesmo esta eventual paragem para negociar, é só uma forma de se recolocar no terreno".
Um grupo de estudantes Erasmus fez uma pequena ilha com as malas de viagem. Estudam em Beja e estão de visita à capital. Sentem que é sua obrigação participar no protesto, não só pelos ucranianos como por todos os europeus. Uma bandeira da Roménia exibe as suas origens, há também dois belgas.
"Somos o exemplo de um programa de intercâmbio que une as pessoas, o que estamos a assistir não devia acontecer. São precisas mais restrições económicas para garantir a paz na Europa. Desejamos que acabe o mais rápido possível", diz o belga Máxime.
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