Queixas nos tribunais contra a AIMA diminuíram. Mas há novos problemas a crescer
Mesmo com a estrutura de missão em andamento e milhares de imigrantes em processo de regularização, as ações judiciais contra a Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA) não param. Entre fevereiro deste ano e setembro do ano passado, quando a task force do Governo começou a atender imigrantes, a média mensal de ações judiciais foi de 7708 processos a darem entrada no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa. Os dados foram facultados ao DN pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
O mês de fevereiro teve 5764 ações impetradas, o menor número desde setembro passado. O pico foi em novembro, com 10.647 ações - quando a estrutura de missão já estava com praticamente três meses de atividade e milhares de imigrantes a serem atendidos no país.
De acordo com vários advogados especialistas em Imigração consultados pelo DN, nesta altura, a maior parte das ações eram dedicadas a obter o título de residência face à demora da AIMA. Muitos trabalhadores estrangeiros estavam há mais de dois anos à espera do processo andar e não conseguiam nenhuma resposta do Estado.
Outra elevada demanda foi a troca do título da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), criado pelo Partido Socialista (PS) em março de 2023, pelo modelo convencional. A troca assegura direitos que o documento anterior não conferia, como viajar pelo Espaço Schengen, solicitar o reagrupamento familiar e ter um título reconhecido por todos os serviços públicos, diferente do CPLP.
Muitos trabalhadores com empregos que obrigavam a sair do território nacional, como os camionistas, tiveram de recorrer à Justiça para fazerem a troca e assegurarem que continuavam a trabalhar. Estas ações relativas à CPLP diminuíram em janeiro, quando o Governo iniciou o processo de renovação dos mais de 110 mil documentos e troca pelo modelo convencional. Os atendimentos ainda estão em curso por todo o país. Mas, até janeiro, os imigrantes com este documento passaram quase dois anos com uma residência em mãos que lhes limitava direitos.
As ações judiciais continuam a ser o caminho escolhido por aqueles que não podem ou não querem esperar, ou por aqueles que querem aceder a direitos que, nos últimos meses, se tornaram praticamente impossíveis de obter por via administrativa. É o caso do reagrupamento familiar, apontado até mesmo pelo primeiro-ministro Luís Montenegro como uma prioridade para promover a integração. Este direito está previsto na legislação portuguesa e nas diretrizes da União Europeia (UE).
No entanto, na prática, o reagrupamento familiar é um direito limitado aos que pagam um advogado para avançar com ação judicial. A advogada brasileira Erica Acosta, por exemplo, tem mais de 150 ações deste género em andamento no tribunal, de cidadãos das mais diversas nacionalidades. Ainda sim, mesmo quando consegue na Justiça o direito a um horário de atendimento na AIMA, enfrenta mais uma barreira que a leva de novo ao tribunal: a agência não reconhece o próprio decreto que torna todos os documentos vencidos válidos até 30 de junho.
Esta situação, já revelada pelo DN em reportagens anteriores, foi referida na semana passada por Manuela Niza, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Migração (STM). “Atualmente, estamos muito preocupados porque não estão a aceitar reagrupamentos familiares de quem não tem cartões de residente ou cartões já vencidos” e “isso cria problemas pessoais concretos”, afirmou em entrevista à agência Lusa.
E esta é outra exigência dos imigrantes, que estão com documentos vencidos, porque o Estado deixou de disponibilizar o serviço pleno de renovação. Profissionais de advocacia consulta- dos pelo DN afirmaram que esta tem sido uma das principais motivações das ações judiciais nos últimos meses.
Quando o DN publicou uma entrevista com o secretário de Estado Rui Armindo Freitas, que falou sobre as renovações ainda não terem sido resolvidas, abundaram na rede social Instagram publicações de advogados a respeito do tema. “Tem crescido a procura no escritório de ações judiciais para marcação de renovação de residência junto da AIMA. Infelizmente a AIMA tenta resolver um problema e esquece de manter o atendimento em outro”, escreveu um dos advogados. “Infelizmente muitas pessoas estão sendo prejudicadas por conta da inércia da AIMA, a única forma é acionar o judiciário para fazer valer os direitos dos imigrantes”, escreveu outra profissional.
A renovação online deixou de ser disponibilizada pela AIMA em maio do ano passado. Desde então, a AIMA “empurra” a responsabilidade para o Instituto do Registo e Notariado (IRN) e vice-versa. O Governo socorre-se do decreto que torna os documentos válidos até 30 de junho - renovado sucessivamente desde 2020 -, mas a própria AIMA não reconhece o documento em alguns casos. Há também inúmeros relatos de outros órgãos públicos que não aceitam o título vencido, além da iniciativa privada.
A situação faz com que imigrantes percam empregos ou não tenham contratos renovados, porque o Estado não lhes possibilita a renovação dos documentos, prevista na lei. Outro problema está na impossibilidade de sair do território nacional.
Visto e ação judicial
Outro serviço que não funciona pela via administrativa, restando a via judicial, é conseguir um agendamento na AIMA para quem chega com visto. O documento no passaporte tem validade, por regra, de 120 dias. Neste prazo, é preciso comparecer na agência para fazer a troca pelo título de residência. Porém, não há vagas disponíveis nem formas de contacto com a AIMA para obter informações, já que respostas por e-mail ou carta não chegam, e chamadas telefónicas só por sorte se conseguem e após, literalmente, milhares de tentativas por marcador automático. O DN já contactou a agência sobre o assunto, mas não obteve resposta.
Mais um procedimento que começa a ser procurado pela via judicial é a análise e emissão do cartão de residência pela estrutura de missão. Por lei, o prazo para análise e entrega do documento pelo correio é de 90 dias. No entanto, o Governo não tem conseguido cumprir este prazo. Alguns imigrantes que foram atendidos em setembro, nas primeiras marcações, ainda não receberam nenhuma informação sobre o processo e não há um sistema online em que as pessoas possam acompanhar o status do processo.
Diante do grande número de processos, a rapidez buscada na Justiça já não é possível, se comparada com o final da primavera passada, quando as ações judiciais contra a AIMA começaram a aumentar. Com a concentração no tribunal de Lisboa - onde fica a sede da agência -, o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e o tribunal tentam encontrar maneiras de agilizar o trabalho.
Ao DN, informam que “têm diligenciado e criado várias soluções para dar resposta a esta quantidade de processos”. Foi ainda criada uma “equipa que se dedica em exclusivo a estes processos - no momento está a ser dada prioridade absoluta na prolação de despachos de admissão liminar/citação”. Também está em discussão “a criação de ferramentas com recurso à Inteligência Artificial para auxiliar na tramitação dos processos”.
Numa entrevista ao DN em janeiro, o presidente do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, Antero Salvador, afirmou que é “humanamente impossível dar resposta, em tempo útil, a todas as solicitações diárias que assolam o Tribunal”. Referiu ainda que “quantas mais intimações são resolvidas, mais nos chegam, na medida em que a celeridade leva a que seja opção de muitas pessoas”.
Culpas
O Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais distancia-se da culpa pela demora e remete o problema para o Governo. “Salienta-se que este problema não foi criado pelos tribunais e que o Governo pode recrutar um número indefinido de pessoas para atendimento na AIMA e os tribunais estão limitados ao número de juízes dos quadros e não há, para breve, capacidade de aumentar os mesmos”, destaca.
A agência possui 674 funcionários, de acordo com o presidente Pedro Portugal Gaspar. O número foi revelado em audição no Parlamento realizada no mês de fevereiro. Gaspar ainda anunciou a contratação de mais 300 funcionários para este ano. Com eleições a 18 de maio, o futuro da AIMA ficará nas mãos de quem vencer as eleições, uma vez que não há funcionários para atender a todas as solicitações, que são tratadas uma de cada vez, como tem feito o atual Governo.
A Iniciativa Liberal (IL) propôs uma medida para tentar desafogar o tribunal de Lisboa: descentralizar as ações por todo o país, nomeadamente onde o cidadão ingressou com o pedido. Isso porque, como a sede da AIMA é na capital, todos os processos ficam concentrados num só tribunal. Entretanto, o Parlamento foi dissolvido e a proposta ficou sem efeito.
amanda.lima@dn.pt