O momento que deveria ser de felicidade plena na vida de uma mulher e da sua família envolve, muitas vezes, medos, inseguranças, dúvidas. O nascimento de um bebé traz novos sentimentos, que são naturais e esperados, mas que, aliados a outros fatores, podem evoluir para quadros com emoções negativas, carga mental pesada e que vão exigir uma atenção profissional para aquela recém-mãe. Foi para atuar de forma preventiva, na promoção da saúde mental das mulheres no período perinatal, que investigadores da Universidade de Coimbra desenvolveram o programa Be a Mom, uma ferramenta que, após a comprovação científica de seus resultados, está a ser agora implementada no Serviço Nacional de Saúde.O conceito é simples. Basta um telemóvel, um portátil, ou qualquer outro dispositivo conectado à internet para que uma mulher participe. De forma autoguiada, uma gestante na fase final da gravidez ou uma recém-mãe pode aceder aos cinco módulos online, ao seu ritmo, no ambiente que preferir. “Abordam temas como as mudanças que esta fase de transição para a maternidade trazem na vida da mulher e como muitas vezes as nossas expectativas podem ser diferentes da realidade e podem afetar e influenciar a forma como nós lidamos com essas mudanças”, explica ao DN uma das investigadoras responsáveis, Ana Fonseca.Dados internacionais, que também refletem o cenário em Portugal, mostram que a prevalência de depressão pós-parto é de 20%. Significa que uma em cada cinco mulheres pode desenvolver a doença. Baseado nos conceitos da terapia cognitivo-comportamental, o programa apresenta algumas estratégias para que a mulher possa lidar com emoções mais difíceis, sintomas de ansiedade, saiba como identificar “pensamentos úteis e outros que não nos ajudam e como é que podemos lidar com eles”, diz a investigadora..Ministra diz que pré-triagem de grávidas já deveria ter sido aplicada há muitos anos.Na sua fase de criação e validação, o Be a Mom mostrou-se positivo. “Nas mulheres que fizeram o programa, para aquelas que já tinham um risco elevado de depressão pós-parto, houve uma redução significativa dos sintomas de ansiedade e de depressão após o programa, o que não aconteceu nas mulheres que não o fizeram. Mas também naquelas mulheres que tinham um risco baixo de depressão pós-parto, o programa revelou-se eficaz na promoção da saúde mental positiva”, afirma Ana Fonseca.Testes no SNSNo final do ano passado, o Be a Mom foi licenciado para o SNS, estando agora numa fase piloto, com apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, em quatro Unidades Locais de Saúde de Norte a Sul do país: Alto Ave, Viseu Dão-Lafões, Gaia e Espinho, e Baixo Alentejo - que abrangem um total de 20 Unidades de Saúde Familiar e Serviços de Obstetrícia hospitalares.“A ideia é que esta ferramenta seja um auxiliar dos profissionais de saúde, seja incorporado na rotina de cuidados, que eles consigam oferecer às mães na fase final da gravidez, apresentar o programa, para as mães começarem a usar no período de pós-parto. Depois, no fim, terão os profissionais de saúde acesso a um conjunto de indicadores que permitirão perceber se é preciso um acompanhamento mais do ponto de vista clínico àquela mulher”, explica ao DN Bruno Macedo, da Fundação Gulbenkian.Para o controlo do teste no terreno, a fundação trouxe o Institute for Healthcare Improvment, dos Estados Unidos, que está a trabalhar com as equipas das ULS para perceber questões relacionadas com a melhor forma de implementação. “Como é que se apresenta? Qual é a forma das grávidas melhor percecionarem o valor do programa? Pode ser a entrega de um flyer com a informação, ou o envio de informação digital, portanto estão a testar várias formas. Depois haverá também o teste de, sabendo que o programa existe, como é que aumentamos a adesão das mulheres?”, completa Macedo.Pelo lado do Ministério da Saúde, quem responde por esta fase piloto é a Coordenação Nacional das Políticas de Saúde Mental. “Nós não estamos a testar se este programa funciona, porque já está cientificamente comprovado que funciona na prevenção da depressão pós-parto, esses resultados estão publicados internacionalmente. O que estamos a fazer é tentar perceber como é a melhor maneira de implementar este programa para depois o podermos tornar um programa de âmbito nacional”, explica ao DN o coordenador, Miguel Xavier.A aposta no Be a Mom passa pela estratégia da coordenação de ampliar programas de promoção da saúde mental e prevenção de doenças. A escolha pelo programa deu-se porque “achamos que é uma área de promoção e de prevenção extremamente importante. Até porque, como se sabe, as taxas de depressão pós-parto são significativas e com todo o impacto que isso tem no desenvolvimento da própria criança”, completa Miguel Xavier.Na avaliação inicial, esta fase, monitorizada pelo instituto norte-americano, “está a correr muitíssimo bem”, afirma o médico, “inclusive já tem havido pedidos de outras ULS, dos hospitais, a dizer que também querem entrar”.Simultaneamente ao trabalho nas ULS, a coordenação vai avançar com os contactos com os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, que cuidam das plataformas online do SNS. “Vamos começar a preparar as plataformas para que, depois, possa estar disponível a todas as mulheres que necessitem, no Serviço Nacional de Saúde”, afirma Miguel Xavier.caroline.ribeiro@dn.pt