Professores contratados obrigados a devolver parte do subsídio de Natal
Os professores com contratos até ao final do ano letivo, pelo Ministério da Educação, que receberam o subsídio de Natal por inteiro tiveram de o devolver e foram obrigados a fazê-lo pessoalmente nas Finanças. Os docentes contactados pelo DN contam que a decisão lhes foi comunicada pelas secretarias das escolas, que receberam este pedido do IGEFE (Instituto de Gestão Financeira da Educação) "com caráter de urgência".
Em anos letivos anteriores, apesar de terem de receber apenas a parte do subsídio correspondente aos meses entre setembro - desde início do contrato - e dezembro, os professores receberam a totalidade, desde que os contratos não fossem de substituição e terminassem no final do ano escolar.
Pedro Calçada é um desses casos e confessa que este mês foi apanhado de surpresa. "Nos dois anos letivos anteriores estive em horários anuais, tal como este ano, e não me foi pedida a devolução. Compreendo em situações em que os horários são temporários, mas para quem fica até 31 de agosto, não há grandes dúvidas", explica. O docente, do distrito de Braga, diz não ter sentido "grande transtorno", mas sim "uma grande desilusão". "Esse extra não é gasto por mim em compras de Natal, mas em seguros, revisões ou outras despesas maiores. O que mais me aborrece é que, mais uma vez, a questão não é clara. Há escolas que procedem de uma forma e outras de outra", sublinha, salientando que a situação "contribui para a instabilidade dos contratados". "Somos tratados como alguém que está no fundo da cadeia alimentar e ninguém se preocupa com isto. A forma como nos vão designando como "necessidades temporárias", é exemplo disso. Trabalho há 20 anos e sou uma necessidade temporária", lamenta.
Ana Cristina Ramalho, do Alentejo, já tinha canalizado o subsídio para a compra de um computador. "Comprei material para poder trabalhar para a escola. No meu caso e de um colega na mesma situação, tivemos que pedir emprestado", conta. A docente foi chamada à secretaria "no dia 27 de novembro" e recebeu "uma guia para pagar até dia 28", no dia seguinte, portanto. "O meu contrato é até ao fim do ano letivo, por isso, fui devolver o que é meu, já que em agosto me vão pagar esta parte. Para nós não é Natal", conclui.
Alberto Veronesi nunca tinha recebido o subsídio de Natal por inteiro, apesar de saber que esta é "prática comum em muitos agrupamentos de escolas". "Este ano achei estranho porque sou contratado e deveria receber quatro doze avos. Pagaram tudo, mas tive de devolver. Perguntei se podia fazer o ajuste no final do contrato, mas disseram que não", frisa. O docente diz não entender a decisão.
"Não aconteceu a todos e não sei qual foi o critério. E o ajuste podia ser feito em agosto ou agora. Fui falando com colegas que receberam e vão acertar no final", refere. O professor não esconde a indignação por ter tido de se dirigir às Finanças para fazer a devolução do valor: "Deram-nos uma guia de pagamento e tivemos de ir nós às Finanças. Fui numa sexta à hora de almoço, mas estavam em greve e tive de voltar na segunda-feira". Alberto Veronesi fala num "grande transtorno" para os docentes contratados. "Levamos um desfalque com que não estávamos a contar."
Para Marta Ribeiro, o que está em causa não é apenas o pedido de devolução, mas o facto de este ter sido provocado por "falta de planeamento e bom senso", pois acredita que a decisão partiu devido ao "chumbo do Orçamento de Estado". "Já sabiam, antes do pagamento do subsídio a 23 de novembro, que o Orçamento de Estado tinha sido chumbado. Isto acontece por falta de planeamento. E recebi a indicação a 29 de novembro e com pedido para devolução no dia seguinte", esclarece.
Petra Fernandes, do Algarve, partilha a mesma opinião e pede "mais respeito". "Não é meu. Tenho de devolver, mas as pessoas que se controlem e vejam o que andam a fazer. É uma total falta de respeito", desabafa. A docente passou pelo mesmo processo burocrático, mas, no seu caso, fez "transferência para um NIB do agrupamento". "Eu não fui às Finanças porque a escola tinha um prazo para cumprir e pediu para transferir, mas devia ter recebido uma guia para ir às finanças", explica. Petra Fernandes diz estar "desanimada com os problemas da classe docente" e lamenta a falta de "um pedido de desculpas pelo transtorno causado".
André Pestana, coordenador nacional do Sindicato de Todos Os Professores (S.T.O.P), questionou o IGEFE para saber "qual a justificação" para o pedido de devolução do subsídio de Natal, entre "outras dúvidas", mas não obteve resposta. "Porque há escolas que pedem a devolução e outras não para situações iguais? Essa foi uma das questões que colocamos ao IGEFE com conhecimento da DGAE e do Ministério da Educação", afirma. O dirigente recebeu "muitas queixas" por parte dos professores, a quem aconselha a verificação dos "recibos de vencimento para ver se encontram alguma irregularidade que possa justificar esta situação".
André Pestana não entende "porque não foi dada a possibilidade de esse valor ser pago faseadamente e não todo de uma única vez". "Manifestamente, não foram os professores que erraram para que isto acontecesse, então porque mais uma vez serão os mais prejudicados? Se eventualmente houve colegas que receberam subsídio de Natal indevidamente esse valor terá que ser devolvido, mas deveria existir - como em outras situações semelhantes - a possibilidade da devolução do valor faseadamente e não todo de uma única vez e num prazo extremamente curto", sublinha. O coordenador nacional do S.T.O.P expressou a indignação do sindicato por uma atitude que considera "injusta e díspar, mais uma vez contra Profissionais da Educação e em particular nesta época natalícia". "Será que é com este tipo de tratamento - e há exemplos piores - que a sociedade portuguesa conseguirá atrair mais e melhores professores?", questiona.
Segundo Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), o pagamento do subsídio de Natal por inteiro não deveria ter sido efetuado "porque o subsídio de Natal é devido no próprio ano" e o Estado pode entender que está a fazer "um adiantamento de dinheiro". Contudo, não deixa de apontar o dedo à forma como o processo de devolução decorreu. "Os professores tiveram que ir às Finanças devolver o dinheiro que receberam a mais, mas que receberão em agosto de 2022. É um procedimento muito burocrático. É penoso para o professor. É uma dupla penalização para os docentes e devia ter sido evitada", ajuíza.
O DN tentou contactar o IGEFE, mas não obteve resposta até ao fecho desta edição.
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