Nuno Amaral estava há 15 anos a trabalhar longe de casa. Neste concurso de professores conseguiu, finalmente, efetivar no Quadro de Zona Pedagógica (QZP) 20, em Espinho, de onde é natural. Mas a alegria do docente durou pouco. Quando saíram as listas de colocação de Mobilidade Interna (a segunda parte do concurso na qual os professores ordenam as escolas da sua preferência) verificou ter sido colocado no QZP 45 (Oeiras) e pensou ter-se tratado de um erro, pois não tinha indicado qualquer estabelecimento dessa zona do país. Após contactar a escola verificou que um lapso no concurso estava na origem da colocação numa zona à qual já não pertence. Lapso que foi, conta, erradamente validado pelo estabelecimento escolar. Nuno Amaral é um dos 27 docentes que se encontram nessa situação, colocados a dar aulas numa zona do país que não escolheram. O erro surgiu no preenchimento do formulário do concurso de mobilidade interna, em que os professores indicaram como QZP de provimento o anterior (em que estiveram no ano passado) e não o novo para o qual tinham transitado no recente concurso de colocação. Um erro de interpretação que foi também erradamente validado pela secretaria da escola . “A escola assumiu o erro e contactou a DGAE. O que disseram foi para aguardar, aceitar a colocação e esperar pelo resultado do recurso que fiz. Basicamente, sacudiram a água do capote”, conta ao DN. O professor, para quem a situação foi “um balde de água fria”, já tinha “orientado a vida” para voltar para perto da família e sente-se angustiado. “O que eu quero é que seja reposta a verdade. Estamos colocados num QZP para o qual não concorremos. Um erro que pode facilmente ser corrigido se houver vontade para o fazer. Podemos ter cometido um lapso, mas as escolas têm de fazer o trabalho delas e tem de haver cruzamento de dados”, sublinha.Em situação idêntica está Marina Passos, professora de Português deslocada há cinco anos, que pede a resolução do “evidente lapso”. “Consegui vincular no QZP do Porto e fiquei, obviamente, muito feliz. E agora encontro-me colocada numa escola de Oeiras, numa zona para a qual não concorri porque já estava efetiva no Norte”, refere. A docente frisa que quando manifestou preferências das escolas do QZP 20, em nenhum momento colocou agrupamentos do Sul. “Eu não escolhi sequer a escola. Quem escolheu foi o sistema informático e nem sequer estou na escola onde estava o ano passado, onde poderia dar continuidade às minhas turmas, caso não consiga resolver esta situação”, lamenta.A docente esteve, nos últimos cinco anos, em escolas do Algarve e de Lisboa, sempre com o objetivo de “um dia poder ficar perto de casa e da família”. Marina quer ver a sua situação resolvida e teme que, caso contrário, estarão a abrir um precedente preverso. “O que fiz não foi obviamente propositado porque só a mim me prejudicou, mas isto leva-me a pensar que se alguém o fizer de forma propositada pode ficar mais perto de casa indicando um QZP que lhe convenha”, sublinha. Para a professora, a penalização que está a sofrer “é demasiado grave”, e mostra “pleno desrespeito e má-fé”.Ministério da Educação está a avaliar a situaçãoContactado pelo DN, o Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) explica que “no âmbito do concurso de mobilidade interna para o próximo ano letivo, foi identificada uma situação que envolveu 27 docentes que, após mudança de Quadro de Zona Pedagógica (QZP) no concurso interno de 2025/2026, indicaram incorretamente o QZP onde estavam vinculados” e que “esta incorreção teve um impacto direto na colocação dos docentes, uma vez que o sistema processou as candidaturas com base no QZP de vinculação anterior, não no QZP onde vincularam no concurso 2025/2026”. “Estas colocações foram, entretanto, validadas pelos Agrupamentos de Escolas, seguindo os procedimentos normais”, refere.O MECI avança que “será feita uma avaliação jurídica desta questão de forma a encontrar uma solução que garanta a equidade entre todos os docentes”.Para Júlia Azevedo, presidente do Sindicato Independente de Professores e Educadores (SIPE), a solução para o problema dos 27 professores é simples: “basta que sejam agora colocados no QZP onde efetivaram porque se efetivaram lá é porque a vaga deles existe. Podem ser colocados consoantes as necessidades que vão surgir, seguramente. É uma decisão política e pode ser rápida se houver essa vontade”, afirma.Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), também pede a resolução rápida do problema e entende que o MECI deve “averiguar a situação e colocar os docentes nas escolas onde deviam ter sido colocados”. “Não se pode prejudicar esses docentes e não se pode ultrapassar o princípio da equidade. O MECI tem de colocar os professores nas escolas onde deviam ter sido colocados”, afirma.É “grave que o sistema tenha validado essas candidaturas incorretas”Em comunicado publicado no seu site, a FENPROF adianta ter conhecimento de vários relatos de situações irregulares ocorridas na Mobilidade Interna e exemplifica com o caso destes 27 professores. “Nesses casos, e não tendo obtido colocação nas preferências expressamente manifestadas, deveriam ter sido colocados no QZP para o qual mudaram. No entanto, foram indevidamente colocados num AE/EnA do QZP anterior, ao qual já não pertencem, nem concorreram, em clara violação das regras dos concursos, nomeadamente do n.º 3 do artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 32-A/2023, de 8 de maio, na sua redação atual”, sublinha a plataforma sindical.Segundo a FENPROF, “embora se reconheça que o erro inicial foi dos docentes no preenchimento da candidatura, é igualmente grave que o sistema tenha validado essas candidaturas incorretas, revelando falhas de controlo que permitem declarações inexatas, ainda que involuntárias”. “Estas situações, até serem corrigidas - o que poderá levar tempo -, criam grande instabilidade e angústia para os docentes e suas famílias, sobretudo quando implicam afastamento significativo da sua residência”, conclui.No mesmo comunicado, intitulado “Ano letivo 2025/2026 arranca com falta de professores, horários por preencher e erros nos concursos”, o sindicato afirma que apesar das 6173 vinculações no concurso nacional, “cerca de 16 816 docentes permanecem no desemprego, muitos com mais de 10 anos de tempo de serviço e uma média de idades que ultrapassa os 40 anos”. “A situação agrava-se com a entrada residual de novos professores, insuficiente para compensar as 2 054 aposentações registadas entre 1 de janeiro e 31 de agosto de 2025, resultado de um corpo docente cada vez mais envelhecido”, acrescenta. Outro dado preocupante, segundo a plataforma sindical, “é a diminuição de candidatos nas reservas de recrutamento: se em 2024/2025 havia 19382 candidatos, em 2025/2026 são apenas 16816 , ou seja, menos 13.2%”. A redução, avança, “é generalizada na maioria dos grupos de recrutamento, atingindo valores particularmente alarmantes no 1.º Ciclo do Ensino Básico (menos 27.7%); no grupo 120 - Inglês do 1.º CEB (menos 36.8%); no grupo 220 - Português e Inglês (menos 42.3%); no grupo 230 - Matemática e Ciências da Natureza (menos 28.8%); no grupo 300 - Português (menos 17.9%); no grupo 330 - Inglês (menos 19.7%); no grupo 420 - Geografia (menos 26%) e no grupo 910 - Educação Especial 1, com menos 22.6%” .Assim, defende a FENPROF, “o ano letivo arranca com menos professores, mais horários por preencher, erros nos concursos e uma ‘Reforma’ do MECI que, em vez de responder aos problemas da Escola Pública, a fragiliza e desmantela, desconsiderando docentes e as suas organizações representativas”, conclui..Professores prometem ano de luta se não houver aumentos salariais.Milhares de alunos voltarão a começar as aulas sem ter todos os professores