Os primeiros 15 dias de agosto de 2025 bateram recordes de mortalidade: 5.033 mortes, mais 270 óbitos do que o anterior máximo, verificado em agosto de 2018. Um cenário muito negativo, antecipado no mês anterior: entre 28 de junho e 2 de julho tinha sido registado um excesso de 69 mortes e na última semana de julho ocorreram 264 acima do esperado. Contabilizando a partir de 21 de junho, o verão de 2025 é já, com 18.007 mortes, o segundo com mais mortalidade desde 2014, início da série disponível no SICO, Sistema de Informação dos Certificados de Óbito. Cenário pior, na década analisada, apenas o verão de 2022, ano em que o departamento de epidemiologia do Instituto Ricardo Jorge (INSA) apontou as três ondas de calor estival como responsáveis pela morte de 2.401 pessoas acima do esperado, num total de 18.358 óbitos no período compreendido entre o início do verão e 15 de agosto daquele ano. Voltando a 2025, e às duas primeiras semanas deste mês de agosto, todos os dias registaram um excesso de mortalidade face ao esperado, segundo os registos do SICO. Em termos absolutos, dia 7 foi o pior, com Portugal a perder 350 pessoas, 168 das quais tinham acima dos 85 anos. Mantém-se, portanto, a tendência: esta é a faixa etária mais afetada pelas vagas sazonais de temperaturas extremas, representando quase metade (47,4 por cento) do total de óbitos registados de 1 a 15 de agosto de 2025, quatro pontos e meio percentuais acima dos valores verificados no período homólogo de 2024. Se o calor excessivo é uma possível causa relevante admitida, já novas estirpes do vírus COVID a circular , por exemplo, não justificam este aumento de mortalidade, segundo os especialistas. “Está a criar-se a ideia de que a COVID-19 pode estar a contribuir para este aumento da mortalidade, mas olhando para os números disponíveis não se têm verificado mais óbitos por COVID-19 em 2025 do que os ocorridos no mesmo período de 2024. Há um pequeno aumento, no entanto não tem grande relevância estatística”, diz ao DN Luís Cadinha, especialista em Saúde Pública e Presidente da Direção do Colégio da Especialidade de Saúde Pública da Ordem dos Médicos. No entanto, o especialista considera que é cedo para fazer uma leitura abrangente: “Sabemos que há um aumento da mortalidade, mas há que contextualizar e analisar devidamente estes dados. Há mais mortes, mas não sabemos de que mortes estamos a falar”. Portugueses particularmente vulneráveis Vaga de calor, inadequada climatização dos ambientes, deficiente controlo de doenças crónicas, falta de cuidados de saúde atempados e acidentes podem ser algumas das causas. “O facto de em Portugal se observarem frequentes períodos de excesso de mortalidade, não indica que essa mortalidade elevada seja a normal ou a esperada, é antes indicador da elevada vulnerabilidade da população portuguesa, que é fortemente afetada quando exposta a epidemias de gripe ou eventos de temperatura extremos cujos efeitos poderão ser, pelo menos em parte, mitigados com adequada climatização dos ambientes, melhor controlo de doenças crónicas ou cuidados de saúde atempados, entre outras medidas mais específicas”, aponta uma nota de 2024 do Instituto Ricardo Jorge. Em Portugal, rareia o conforto térmico de habitações e instalações. E os cuidados de saúde são, muitas vezes, tardios. Em que medida, nestas crises, o sistema falha? É uma interrogação recorrente, em busca de resposta eficaz.A Resposta Sazonal em Saúde - Módulo Verão 2025, da responsabilidade da Direção-Geral de Saúde, desenvolve-se de acordo com vários eixos. Entre eles, a identificação, avaliação, gestão e comunicação do risco, indicadores de vigilância e monotorização com vista à proteção de pessoas em situação de vulnerabilidade, acessibilidade e organização da prestação de cuidados de saúde e educação para a saúde, em parceria com a comunidade e a comunicação. Porém, faltam dados sobre a eficácia destes planos anuais. “Uma coisa são as orientações lançadas pela DGS, outra coisa é a sua implementação no terreno”, lembra Luís Cadinha. De acordo com o especialista, não existem dados sobre o impacto destes programas. “Faltam relatórios oficiais que nos digam o que correu bem ou mal em épocas anteriores”, lamenta, reconhecendo que a “falta de profissisonais e/ou de planeamento adequado” poderão ser fatores a ter em conta no aumento das taxas de mortalidade. A resposta sazonal traçada para o verão de 2025 prometia o robustecimento do processo de avaliação de risco em saúde no período primavera-verão, “considerando fontes de informação internas e externas, internacionais e nacionais, e a comunicação adequadada dessa avaliação aos profissionais de saúde, grupos vulneráveis e comunidade em geral”. Assim como a promoção da literacia em saúde da população em geral e dos grupos vulneráveis e de risco, a promoção da articulação da resposta entre a linha SNS 24 e os cuidados de saúde primários e os serviços de urgência hospitalar, de acordo com a monitorização da procura. Ou o reforço dos serviços de emergência e urgência para responder a eventuais aumentos da procura, entre outras prioridades. Quente, a escaldar “É verdade que o frio potencia vulnerabilidades e que as épocas muitos frias registam mais mortalidade. No entanto, considerando exclusivamente a temperatura, o calor mata mais”, lembra Luís Cadinha. O corpo humano tem mecanismos fisiológicos adequados para o controlo da sua temperatura corporal. Quando a temperatura ambiente é superior à da pele, o corpo, em vez de perder calor, ganha-o, por irradiação e por condução. Um dos principais mecanismos biológicos que permite ao corpo libertar o calor excessivo é a transpiração. Por isso, quando a temperatura do ambiente é mais elevada do que a temperatura da pele, determinando uma elevação da temperatura corporal interna, nada deve impedir a evaporação adequada. É o caso do sobreagasalhamento. Rubor, edema, síncope, cãibras e exaustão por calor, até ao golpe de calor, potencialmente fatal, são algumas das reações provocadas pelas altas temperaturas, que assim exacerbam doenças crónicas - diabetes, doença cardíaca, vascular, respiratória, renal, mental. Plano específico para trabalhadoresDeficiente hidratação, alimentação imprópria, vestuário inapropriado, exposição direta ao sol nas horas de maior calor e de maior intensidade ultravioleta (UV), por lazer ou por atividade laboral, agravam os efeitos do calor. “Nas atividades laborais em que o trabalhador se encontra exposto a temperaturas elevadas no ambiente exterior, é recomendado, sempre que possível, que as mesmas sejam realizadas em horários de menor calor e exposição solar, garantindo pausas regulares, em ambientes com sombra e assegurando uma hidratação adequada. No decurso da avaliação de risco e da vigilância da saúde, sempre que a exposição profissional a temperaturas elevadas é recorrente, deve ser estabelecido um plano específico de monitorização fisiológica ao calor/temperatura elevada dos trabalhadores expostos e informar os mesmos dos sinais ou sintomas associados ao calor”, recomenda o documento da DGS. Entre os principais riscos identificados nesta época do ano, destacam-se os afogamentos, as queimaduras solares e insolações resultantes da exposição prolongada e desprotegida ao sol, os acidentes rodoviários, cuja frequência aumenta substancialmente nestes meses, e as lesões traumáticas por mergulho em águas pouco profundas. A que se juntam as doenças transmitidas por vetores. As alterações climáticas e o aumento sustentado das temperaturas médias têm favorecido, nos últimos anos, a expansão geográfica e temporal de vetores (como mosquitos e carraças), potenciando o risco de transmissão de doenças. Nota: O excesso de mortalidade é calculado na diferença entre a mortalidade observada e a esperada, nos períodos de maior mortalidade