Entre os dados divulgados nesta quinta-feira no relatório final do Patient Reported Indicators Surveys (PaRIS), levado a cabo pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), entre 2021 e 2023, e que contou com a participação de 19 países, incluindo Portugal, há um que se destaca relativamente à realidade nacional: 67% dos cerca de 12 mil utentes inquiridos, com mais de 45 anos e utilizadores de 91 centros de saúde do país, relataram que têm “boa Saúde Mental”, quando se referiram à qualidade de vida, sofrimento emocional e saúde social.À partida, um valor que parece ser positivo, e, como referem os especialistas, “até é”, mas quando comparado com os restantes países participantes no PaRIS, “foi o mais baixo registado no inquérito”, com “uma diferença de 26 pontos percentuais para os EUA, país que registou melhor desempenho na saúde mental, 93%”. Segundo o subdiretor-geral da Saúde, André Peralta, e o psiquiatra Pedro Morgado, coordenador Regional da Saúde Mental do Norte, é também um valor que “não surpreende”. “Não é uma novidade absoluta. Já temos esta indicação de outros relatórios que demonstram que, comparativamente com outros povos, os portugueses avaliam mal a sua saúde mental”, explica o subdiretor-geral. No entanto, salvaguarda, “é um indicador que não podemos desvalorizar”, embora seja habitual que, “na comparação com outros países do Norte da Europa, por exemplo, os portugueses expressem de forma diferente a sua Saúde Mental e isso depois reflete-se em termos de resultados”..Portugueses têm saúde abaixo da média da OCDE e confiam menos no sistema de Saúde. Quando perguntamos a razão desta avaliação diferente, relativamente a outras populações, o subdiretor-geral acredita que esta possa ter na sua base uma questão cultural - ou seja, os factores que os portugueses identificam com o bem-estar na Saúde Mental. O psiquiatra Pedro Morgado concorda, mas, alerta: “Estes números devem constituir uma preocupação para as autoridades portuguesas e para a sociedade”. E sublinha: “Quando falamos de saúde mental não estamos necessariamente a falar de doença psiquiátrica. Há alguns casos desses, mas também muitos outros casos de sofrimento que estão relacionados com fatores que têm a ver com as condições de vida das pessoas, com as desigualdades socio-económicas existentes e com a própria organização da sociedade. Portanto, importa olhar para estes valores com responsabilidade e saber que é preciso fazerem-se mudanças.”Aliás, o objetivo principal deste estudo - conforme está referido no documento, que juntou os resultados de países como Austrália, Bélgica, Canadá, República Checa, França, Grécia, Islândia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Países Baixos, Portugal, Roménia, Arábia Saudita, Eslovénia, Espanha, Reino Unido (País de Gales, zona onde foi feito o inquérito) e Estados Unidos da América - é ser “um apelo”, para que as necessidades dos utentes estejam no centro das tomadas de decisões que melhorem os Sistemas de Saúde e os cuidados prestados. Condições de vida e condicionam Saúde MentalEm Portugal, por exemplo, um dos desafios, segundo o próprio subdiretor-geral, é mesmo tentar-se responder à seguinte questão: por que têm os portugueses maior carga de doença mental do que outros povos europeus? Na sua opinião, as dificuldades que se têm registado no acesso a cuidados nesta área no Serviço Nacional de Saúde podem ser uma explicação, mas não é a única.Como diz André Peralta, “a questão do acesso é sempre relevante, nomeadamente no acesso ao médico de família que consegue resolver muitas questões, mas há outros domínios. Hoje sabemos que pessoas mais pobres têm, sistematicamente, pior saúde mental do que pessoas mais ricas. Sabemos também que, habitualmente, as mulheres têm piores indicadores de saúde mental do que os homens. Portanto, eu diria que para este indicador há razões multifactoriais”. .Gastar mais em Saúde não traz, necessariamente, mais resultados para doentes, diz OCDE . O próprio documento não relata explicações, mas Pedro Morgado concorda que na avaliação que os portugueses fazem da sua saúde mental podem estar “valores de natureza cultural, na forma como é interpretado o estado de saúde mental quando comparado com povos de outros países, e fatores estruturais, como as condições de vida, a habitação, os salários, a organização do trabalho e o número de horas que despendemos nestes locais”.A esta lista acrescenta ainda “a forma como estão organizadas as próprias cidades, se as pessoas têm de se deslocar de carro, se passam muito tempo nos transportes ou se até têm outras formas alternativas para se deslocarem, que possam representar mais atividade física e mais saúde mental”. Segundo explica, todos estes fatores têm impacto na saúde mental dos cidadãos e, portanto, os resultados do PaRIS “estão em linha com aquilo que já conhecemos de outros estudos europeus, que indicam haver uma tendência para as pessoas adultas em Portugal terem piores indicadores de saúde mental do que a média dos países da União Europeia”.Por outro lado, explica: “Quando se pergunta às pessoas qual é a sua percepção da saúde mental, não estamos a avaliar efetivamente a sua saúde mental. Por isso, é que há fatores culturais e estruturais que têm um contributo importante para essa perceção, mas a verdade é que as populações estão hoje mais atentas e muito mais críticas em relação ao seu estado de saúde mental. E isso é positivo.”Em relação à questão do acesso aos cuidados nesta área, e no que toca à sua articulação entre centros de saúde e hospitais, Pedro Morgado aponta para algumas soluções que estão a ser postas em prática através da “reforma que está a ser feita na saúde mental”. Uma das transformações, diz, “é precisamente a abordagem comunitária nos cuidados, que visa a articulação entre os diferentes níveis de assistência dentro do Serviço Nacional de Saúde, mas também com outras estruturas fora do serviço público”.“O que está a ser feito é uma transformação absolutamente decisiva para a integração e articulação de cuidados nesta área”, sublinha. Mas, para o coordenador Regional do Norte, “os indicadores de saúde mental da população portuguesa são uma preocupação”, já que refletem os “problemas estruturais que existem na sociedade e que devemos resolver para que as pessoas possam ter mais saúde mental”.