Portugal lidera desigualdade na saúde na UE: mulheres vivem muito menos anos saudáveis do que homens
Leonardo Negrão

Portugal lidera desigualdade na saúde na UE: mulheres vivem muito menos anos saudáveis do que homens

Entre os 65 anos e o fim da vida, as portuguesas passam apenas 34% do tempo em boa saúde, enquanto os homens chegam aos 48%. É a maior desigualdade entre os 27 países da União Europeia, de acordo com o Gender Equality Index de 2025 apresentado esta terça-feira.
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As mulheres portuguesas vivem, em média, menos 14 pontos percentuais de anos de vida saudável após os 65 anos do que os homens, o maior fosso de género registado na União Europeia neste capítulo. A conclusão consta do relatório Gender Equality Index 2025, apresentado esta terça-feira, 2 de dezembro, e ilustra aquele que é hoje o principal calcanhar de Aquiles de Portugal na igualdade entre mulheres e homens face à média europeia: a saúde.

O relatório, publicado pelo Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE), revela que Portugal tem o pior resultado da UE na dimensão “estado de saúde”, que avalia a autoperceção de saúde por parte das populações e também a percentagem de ano vividos com qualidade após os 65 anos. No fim da tabela, Portugal combina uma expectativa de vida saudável muito baixa para as mulheres e níveis reduzidos de autoavaliação positiva de saúde, entre os piores do bloco dos 27 países comunitários.

Apenas 50% das mulheres em Portugal classificam a sua saúde como “boa” ou “muito boa”, contra 58% dos homens, ambos abaixo da média europeia. E, entre os 65 anos e o fim da vida, as portuguesas passam apenas 34% do tempo em boa saúde, enquanto os homens chegam aos 48%. Ou seja, as mulheres vivem mais, mas pior. A discrepância é tão expressiva que destaca Portugal como o país com mais grave desigualdade de género neste domínio em toda a União.

A dimensão de “estado de saúde” cruza ainda indicadores como comportamentos de risco e acesso a cuidados médicos. Ainda que as mulheres portuguesas tenham, em média, comportamentos mais saudáveis do que os homens - fumam menos e consomem menos álcool de forma nociva -, continuam a enfrentar maiores limitações físicas, pior saúde mental e menor qualidade de vida à medida que envelhecem.

Outro domínio onde a inequidade de género em Portugal se faz sentir de forma bastante mais acentuada do que na média da União Europeia é nos cuidados informais de longa duração. Em Portugal, 32% das mulheres entre os 45 e os 64 anos dedicam mais de 20 horas semanais a prestar assistência a uma ou mais pessoas que sofrem de algum problema relacionado com a idade, condição crónica de saúde ou enfermidade. Bem acima da média europeia (20% das mulheres) e o dobro da percentagem registada entre os homens (16%).

Outros domínios onde Portugal apresenta atrasos

Para além da saúde, o relatório destaca outros domínios onde Portugal regista retrocesso ou estagnação.

No domínio do dinheiro – que mede as desigualdades de género no acesso a recursos financeiros e a situação económica de mulheres e homens -, o país recua um ponto desde 2020, devido sobretudo ao agravamento da situação económica, situando-se entre os cinco países que retrocederam neste capítulo nos últimos cinco anos. O subdomínio “situação económica” cai 3,3 pontos, refletindo o aumento do risco de pobreza e uma persistente desigualdade salarial: 16% das mulheres são consideradas mal pagas, face a 10% dos homens. E, dentro dos casais, as mulheres ganham em média 80% do rendimento do parceiro, uma diferença que permanece praticamente inalterada.

No domínio do conhecimento – que mede as desigualdades de género na escolaridade, na participação em educação e formação ao longo da vida e na segregação de género -, Portugal também apresenta uma quebra (–1,3 pontos), apesar de estar acima da média da União Europeia.

O recuo está ligado à diminuição da participação de mulheres e homens na educação e formação ao longo da vida, bem como à persistência da segregação educativa. Quase três em cada quatro diplomados nas áreas de educação, saúde e artes são mulheres, enquanto a presença feminina em STEM (Ciências, Tecnologias, Engenharias e Matemáticas) continua minoritária e em queda desde 2015.

Já no domínio do tempo – que mede as desigualdades de género na alocação do tempo gasto em cuidados, tarefas domésticas e atividades sociais - Portugal permanece marcado por fortes desigualdades na divisão do trabalho doméstico e de cuidados. 66% das mulheres fazem tarefas domésticas diariamente, contra 44% dos homens. Aqui, no entanto, em ambos os géneros, a participação nas tarefas domésticas apresenta-se acima da média europeia (59% nas mulheres e 33% nos homens) e com menor disparidade (22 pontos percentuais contra 26 da média da EU). As disparidades ampliam-se entre casais com filhos e gerações mais velhas..

No que diz respeito ao poder – que mede a igualdade de género em cargos de tomada de decisão nas esferas política, económica e social - apesar de ser o domínio onde Portugal mais melhorou desde 2020, continuam a existir fragilidades. A presença feminina no parlamento e assembleias regionais caiu, enquanto se notaram ligeiros avanços no Governo (mesmo com o recuo no atual executivo) e nos conselhos de administração das empresas cotadas nos últimos cinco anos.

Estereótipos enraizados

O relatório evidencia ainda a persistência de estereótipos de género profundamente enraizados na sociedade portuguesa. Quase metade da população - 47% de mulheres e homens - aceita a ideia de que os homens ganham mais porque desempenham trabalhos mais exigentes, um argumento que naturaliza a desigualdade salarial e que, no caso das mulheres, surge muito acima da média europeia.

Outro estereótipo fortemente presente é o de que as mulheres são “naturalmente” mais competentes a gerir a casa: mais de três em cada cinco mulheres e mais de metade dos homens portugueses acreditam que os homens são menos aptos para o trabalho doméstico, uma perceção que continua a alimentar a divisão desigual do tempo e dos cuidados.

O relatório alerta ainda para a persistência de uma cultura de culpabilização das vítimas no contexto digital: 51% das mulheres e 57% dos homens em Portugal consideram que uma mulher tem alguma responsabilidade se as suas imagens íntimas forem partilhadas sem consentimento. "Embora mais prevalentes entre pessoas mais velhas, estas crenças mantêm uma expressão significativa entre homens jovens, revelando que a transformação cultural e educativa continua incompleta", destaca o relatório.

Portugal em convergência ascendente com a UE

Apesar destes desafios, o relatório apresenta um retrato globalmente positivo da evolução portuguesa. Com 63,4 pontos, Portugal ocupa o 10.º lugar na UE e regista um crescimento sólido desde 2015: mais 9,1 pontos no total, e mais 4,3 desde 2020. O país é identificado como um caso de “convergência ascendente”, o que significa que está a melhorar ao mesmo tempo que reduz a distância face à média europeia.

A maior parte deste progresso resulta dos avanços na representação no poder político e económico, impulsionada por legislação que impõe quotas de género tanto na política como nos conselhos de administração, nota o Index.

50 anos até à igualdade plena

No panorama europeu, o Gender Equality Index 2025 alerta para um progresso demasiado lento: ao ritmo atual, a UE ainda estará a 50 anos de alcançar a igualdade plena. Um dado emblemático do relatório é o chamado “ghost quarter”: as mulheres ganham, em média, apenas 77% do rendimento anual dos homens, o que equivale a três meses e meio de trabalho “gratuito” todos os anos.

A saúde e a educação são áreas onde muitos Estados-Membros registaram retrocessos, enquanto a representação no poder económico é o domínio onde a UE mais avança.

O relatório sublinha, no entanto, que sem medidas estruturais - sobretudo na redistribuição do trabalho de cuidado e no combate à pobreza feminina -, a desigualdade de género continuará a marcar profundamente a vida das mulheres europeias.

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