A rede nacional de ciclovias, das mais curtas da UE, vai precisar de acelerar bastante para atingir a meta de 10 mil km até 2030, traçada na Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa e Ciclável, em 2019, pelo Governo de António Costa. E já não vai, tão pouco, cumprir o objetivo de chegar aos 5 mil km este ano. Em final de 2023, já o governo do PS admitia que ainda não tinha conseguido ultrapassar os 1800 km de ciclovias, muitas das quais partilhadas por peões. E neste momento, o executivo nem sabe ao certo a quantos estamos. Em resposta ao DN, o Ministério das Infraestruturas e Habitação diz que está ainda a fazer esse levantamento e que o mapeamento, ainda não validado, de percursos cicláveis (não necessariamente ciclovias) aponta para 3600 km.Esta semana, o Governo deu um passo para recuperar algumas das milhas em atraso com a aprovação do financiamento a vários projetos de construção de ciclovias em quatro municípios, três na região norte e um na região de Lisboa, num investimento total de 2,37 milhões de euros. No seu conjunto, vão acrescentar 23 quilómetros à extensão de ciclovias, disse ao DN fonte oficial do Ministério do Ambiente e Energia.Em causa estão ligações intermunicipais que vão receber uma comparticipação a fundo perdido de 75% para investimentos que envolvem um total da ordem dos 6 milhões de euros, anunciou o ministério. Os municípios beneficiários do financiamento da Agência para o Clima (ApC) são Porto (750 mil euros), Matosinhos (750 mil euros) Mondim de Basto (122 mil euros) e Odivelas (750 mil euros). A ligação mais comprida é a que une Matosinhos a Vila do Conde, com uma extensão de cerca de 12 km, depois Porto-Matosinhos (9 km), Odivelas-Lisboa (2 km) e Celourico de Basto (815 mt).O objetivo assumido pela ministra do Ambiente, Maria da Graça Carvalho, para além de contribuir para “uma mobilidade mais limpa, saudável e inclusiva” é reforçar a rede de ligações intermunicipais cicláveis, integrando-as nas redes urbanas e metropolitanas, para que a bicicleta possa ser uma alternativa viável ao uso do automóvel individual. As ligações intermunicipais são, muitas vezes, o elo mais fraco, pois nem sempre são pensadas nessa lógica pelas autarquias, prejudicando a mobilidade entre concelhos de quem usa este meio. O Ministério do Ambiente garante que, com as candidaturas agora aprovadas, “será possível iniciar as obras ainda este ano e cumprir os prazos previstos” pelos municípios.Porque falham as metas?Portugal tem uma relação idiossincrática com as bicicletas. É simultaneamente o maior construtor de bicicletas elétricas da Europa, a partir de uma empresa da região norte que exporta para várias geografias, e o segundo país onde ela é menos utilizada, a seguir a Malta. A percentagem de portugueses que usavam a bicicleta era de 0,6% e os que a usavam como meio de transporte habitual de 0,1%.Ao nível da infraestrutura, o panorama também não é melhor. Em 2022, Portugal foi o país da União Europeia que menos investimento per capita destinou à execução da sua estratégia para a mobilidade atividade e ciclável. A conclusão é da Federação Europeia de Ciclismo, que avaliou as estratégias dos estados membros para a mobilidade ciclável, assinalando um investimento de cerca de 0,30 euros por cada residente em Portugal, contra um investimento, em média, entre 15 e 20 euros, nos outros países.É caso para perguntar se a causa de tão baixa utilização está no ovo ou na galinha, ou seja, na falta de hábitos culturais ou em infraestruturas insuficientes. Para a Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta (Mubi), o investimento em infraestrutura, sobretudo se for em condições de segurança, encoraja e promove o uso da bicicleta. Rui Igreja, coordenador da MUBI, defende um maior investimento, apontando o exemplo da Irlanda: “tem metade da população de Portugal e investe um milhão de euros por dia na mobilidade ciclável”.Infraestruturas coordena levantamentoMas a verdade é que ninguém sabe ao certo quantos quilómetros de ciclovias existem, porque os projetos são da reponsabilidade das autarquias e não existe uma entidade pública que agrege e atualize regularmente toda essa informação. “Está a ser criado um repositório nacional oficial dos percursos cicláveis, através de uma ferramenta de georeferenciação que visa criar e mapear redes cicláveis intermunicipais de excelência”, revelou ao DN o ministério das Infraestruturas. O levantamento está ser feito por um grupo de projeto com a direção técnica das Infraestruturas de Portugal e com a colaboração das Comunidades Intermunicipais, adiantou a mesma fonte.“Este processo implica a harmonização/normalização de conceitos (ciclovias, faixas e pistas ou percursos cicláveis)”, em linhas com as normas da Declaração Europeia sobre a Bicicleta. Desde que a estratégia nacional foi anunciada em 2019, estavam construídos em 2023 apenas cerca de 300 dos 4.700 km de ciclovias que o governo de então estimava concluir até esse ano.Questionado pelo DN sobre as razões da lentidão no ritmo de expansão das ciclovias, o Ministério do Ambiente e da Energia disse que não é um problema de falta de dinheiro. “Depende da capacidade de apresentação e execução de projetos por parte dos municípios”. Neste último aviso, precisou, “todas as candidaturas admitidas foram financiadas, o que demonstra que não houve limitações por parte do Fundo Ambiental, mas sim uma menor procura face ao potencial disponível”.O gabinete da ministra esclareceu também que “alguns dos projetos agora aprovados já tinham sido considerados elegíveis em avisos anteriores, como são os casos de Odivelas–Lisboa (Aviso n.º 10261/2019) e Porto–Matosinhos (Aviso n.º 11059/2020) — mas não chegaram a avançar para execução, razão pela qual voltaram agora a ser apoiados”.Por vezes, os traçados entram em rota de colisão com entidades como a Infraestuturas de Portugal, outras vezes com o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) e os municípios acabam por retirá-los ou refazê-los, porque entretanto os contratos de financiamento expiram. Foi o que aconteceu em dois destes casos.Autarquias e Estado sem especialistasPara além da falta de investimento, o coordenador da MUBI criticou recentemente o facto de o governo de António Costa não ter alocado recursos humanos, com conhecimento especializado, para implementar a estratégia nacional que lançou. “Existe uma falta de recursos técnicos e financeiros para concretizar todas as 51 medidas previstas na Estratégia Nacional de Mobilidade ativa e Ciclável (ENMAC) que além da criação de infraestruturas, passa também por estratégias de comunicação, alteração de legislação e investigação científica”. O responsável observa que em entidades como a Autoridade Nacional da Segurança Rodoviária (ANSR), a Direcção-Geral do Ensino Superior (DGES) e o Institudo da Mobilidade e dos Transportes (IMT),“nunca foram contratadas pessoas”, “nem destinadas verbas”, como prevê a estratégia.“As verbas dos fundos europeus são apenas destinadas à construção de ciclovias — e muitas delas com erros graves de projeto e de construção”, disse o coordenador da MUBI.A cidade de Lisboa, que assumiu metas ambiciosas em matéria de descarbonização, está também em risco de falhar os objetivos. A estratégia da ‘Move Lisboa’ prevê que dois terços das deslocações em 2030 sejam realizadas por transporte público e por modos ativos, mas, a cinco anos de distância, “não só estamos longe de atingir aquelas metas, como parecemos estar até a divergir de muitas cidades europeias que estavam ao mesmo nível das nossas cidades”, alertou Bernardo Pereira, especialista em mobilidade sustentável, numa entrevista do Portugal Mobi Summit. Para o especialista da Lisboa E-Nova - Agência de Energia e Ambiente de Lisboa, essa divergência tem uma causa e é a falta de investimento nos transportes públicos e nas ciclovias.Os critérios da intermodalidade deveriam ter “em primeiro lugar o peão, em segundo a bicicleta, em terceiro a ferrovia, depois os autocarros, em quinto a mobilidade partilhada e, só por último, o carro individual”. Ora, “o nosso sistema é totalmente invertido”, diz, com o carro individual a ter a primazia da utilização do espaço público, com tudo o que isso implica de emissões, de congestionamento e de sinistralidade. .Cerca de 11 km de ciclovia de Lisboa são de risco elevado ou extremo