Já são mais de 2,5 milhões os portugueses que cabem na categoria da ‘terceira idade’, mas nem o Estado nem os próprios têm, regra geral, planos e estratégias para enfrentar o envelhecimento. Portugal é mesmo o 4º país mais envelhecido, mas está no 18º lugar no índice de envelhecimento ativo ao nível da UE, com apenas 33,5% a poderem inscrever-se nesta categoria, contra os campeões na Suécia (47,2%) e os 27,7% menos ativos na Grécia..Dessa falta de estratégias para enfrentar a idade da reforma resultam pesados danos e custos, tanto para os indivíduos, em infelicidade e doença, como para o erário público, com despesas, muitas vezes evitáveis, para o Serviço Nacional de Saúde. É uma negligência que vai pagar-se cada vez mais caro, pois se hoje este universo representa 15% da população, em duas décadas atingirá os 23%, qualquer coisa como 3,4 milhões de pessoas, mais de 10 mil dos quais centenários, de acordo com as projeções da Pordata, indicou ao DN a sua diretora, Luísa Loura..E, às vezes, “basta o convívio regular num centro de dia, numa universidade senior ou fazer voluntariado e um pouco de exercício físico para diminuir quadros de ansiedade, isolamento e depressão”, diz Ricardo Pocinho, presidente da ANGES (Associação Nacional de Gerontologia Social) em entrevista ao DN. E com isso conseguem evitar-se, por exemplo, doenças do foro mental ou outras e o consumo de ansiolíticos e antidepressivos, em que Portugal é campeão europeu, acrescenta aquele professor e investigador doutorado pela Universidade de Coimbra com a tese ‘Estudo da Perceção de Sujeitos Ativos na Preparação para a Reforma’. Segundo dados da Pordata, o exercício físico é praticado por apenas 22% das pessoas entre os 65 e os 74 anos, percentagem que desce para os 18% após os 75% anos, o que também pode estar relacionado com uma prevalência de 65% de excesso de peso e obesidade até aos 74 anos..“O que a realidade e os estudos nos mostram é que quanto melhor for planeada a passagem à reforma, com um projeto e continuação de uma vida ativa, maior é o bem estar e a saúde das pessoas”, considera Ricardo Pocinho. No estudo que realizou junto de740 pessoas, de várias faixas etárias, que participaram num dos cursos por si ministrado de preparação para a reforma, “90% disseram que nunca tinham pensado ou sequer projetado a sua reforma”. Outros estudos revelam que “cerca de um terço das pessoas diz-se infeliz três meses após a reforma e que isso acontece, sobretudo, quando não se projetou”..São razões que levam o investigador do envelhecimento a defender que “deveriam promover-se feiras de transição para a reforma, tal como se promovem feiras de empregabilidade para os jovens”. Ricardo Pocinho considera também que “em Portugal não há uma efetiva estratégia nacional para o envelhecimento, as coisas não saem do papel, e não há uma rede de parcerias a nível local, com as câmaras e entidades do setor social”..Perto de 700 mil vivem em lares.Com efeito, o Plano de Ação para o Envelhecimento Ativo e Saudável, que era suposto vigorar entre 2023 e 2026 só foi publicado em janeiro deste ano. As políticas públicas para este segmento têm estado, sobretudo, centradas na institucionalização, normalmente, já em fases adiantadas de dependência. O que os dados da Pordata indicam é que 25% dos idosos vivem sozinhos, 26% em casal e 29% noutras situações. Em lares viviam 694.342 pessoas em 2021 e eram abrangidos pelo apoio domiciliário 112.724 pessoas, um setor que vai estar sempre em crescente pressão nas próxinas décadas..O estímulo financeiro à criação de universidades seniores, por exemplo, quer pelo governo central quer pelas autarquias, implica um investimento muito baixo face ao retorno em qualidade de vida e saúde, considera o investigador. “E nem sempre é preciso investir em infraestrutura, muitas câmaras têm auditórios e bibliotecas vazias, salões de bombeiros, onde podem ser feitas atividades para seniores”. Mas “do potencial universo de quatro milhões de pessoas com mais de 55 anos que estão elegíveis a frequentar a universade sénior, só cerca de 60 mil pessoas as frequentam”..Saúde e prescrição social obrigatória.Ricardo Pocinho aponta o exemplo de um centro social no Pombal, apostado no combate à fragilidade, com 150 pessoas com um custo médio mensal de 50 euros por pessoa, comparticipado pela ANGES e pela autarquia: “os sinais de ansiedade e depressão desapareceram para 97% dos que o frequentaram, sendo que cinco também abandonaram as bengalas, porque começaram a fazer exercícios de fortalecimento muscular e equilíbrio”. É com base nestes exemplos que o professor defende que “a prescrição social deveria ser obrigatória, tal como uma receita médica”..Daquelas 150 pessoas “mais de metade estavam em risco de institucionalização em cinco anos, o que não se verificou”. Ricardo Pocinho lembra que cada pessoa institucionalizada custa, em média, 500 euros por mês à Segurança Social, ou seja, tanto como financiar um ano de projetos sociais de integração..A degradação da saúde é um tema incontornável quando falamos de envelhecimento. O que as estatísticas indicam é que depois da idade da reforma só existem em média cerca de 6 anos de vida saudável, até aos 72 anos, em Portugal, mesmo que se viva, em média, até perto dos 81 anos. Este rácio é dos mais desfavoráveis ao nível da UE. E é uma realidade que o país vai ter de se esforçar para inverter, “sob pena de o SNS colapsar nas próximas duas décadas”, considera Ricardo Pocinho..Luísa Loura revelou que as estimativas da Pordata sobre a pressão do envelhecimento no Serviço Nacional de Saúde indicam que o sistema tem de garantir mais sete consultas por ano por cada pessoa que entre nos 73 anos de idade, desde 2022 até 2032. De acordo com as projeções, até lá o SNS vai ter mais 2 milhões de consultas face a 2022..Mas, apesar deste quadro ser conhecido, “Portugal tem um défice enorme de consultas de geriatria”, critica o fundador da ANGES. “Os idosos são seguidos por uma infinidade de especialistas, não têm acesso a geriatras e acabam frequentemente hipermedicados”, na sequência de uma abordagem que não é tão holística como deveria ser..“O problema começa logo por nem sequer existir um estatuto jurídico do idoso, reconhecendo-se a sua especial fragilidade e vulnerabilidade, ao contrário do que acontece, por exemplo com as crianças”, refere Ricardo Pocinho. Para além da fragilidade física, a geração mais velha está particularmente exposta à vulnerabilidade económica, com 17% a viver em agregados pobres, com pensões muito baixas. “É uma realidade que está ligada ao facto de muitos dos mais velhos terem curtas carreiras contributivas, porque as contribuições para a segurança social só se tornaram obrigatórias nos anos 80”, explica a diretora da Pordata. Luísa Loura refere que a percentagem de pobreza neste universo tenderá a diminuir à medida que mais pessoas se aposentarem com as carreiras completas.