Portugal ocupa a 5.ª posição entre os países com mais casos de depressão, no universo da União Europeia. No Dia Europeu da Depressão, há dados para refletir: 8 a 10% dos portugueses estão diagnosticados com essa perturbação. Para lá do diagnóstico, o consumo de antidepressivos aumentou de forma exponencial nos últimos 20 anos, sendo Portugal um dos países da Europa em que esse aumento mais se verificou - 304 % entre os anos 2000 e 2020, de acordo com números da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE)..A Organização Mundial de Saúde (OMS) define depressão como uma perturbação mental comum. Os sintomas estão identificados: humor deprimido e perda de prazer ou interesse em participar em atividades durante longos períodos de tempo. E, por isso, tem características diferentes das chamadas alterações de humor. Um episódio depressivo é caracterizado por sentimentos de tristeza, irritabilidade e sensação de vazio. Para além da falta de vontade e prazer nas diversas atividades do quotidiano. Sabe-se também que a depressão pode afetar qualquer pessoa, em qualquer altura da vida, e pode ter consequências diretas em todos os aspetos, incluindo as relações com a família, amigos, escola ou trabalho..O psiquiatra Henrique Prata Ribeiro observa, de perto, o caminho que a doença tem feito na sociedade portuguesa, onde cerca de 10% da população é afetada pela depressão. "Sabemos, pelos últimos estudos, que Portugal é o segundo país da União Europeia com perturbações psiquiátricas", afirma o médico do Hospital Beatriz Ângelo, coordenador do Plano Regional de Saúde Mental dos Açores e da Comissão de Saúde Mental do Health Parliament Portugal. Sublinha, no entanto, "que é uma doença que tem cura". Mas, para tal, é preciso procurar tratamento. E esse passo é, na opinião deste especialista, o que medeia a viragem neste paradigma.."Em termos de comunicação pública começámos realmente a falar mais de saúde mental. Mas, neste momento, precisamos de falar de doença mental. As pessoas precisam de compreender o que são as doenças psiquiátricas." E acrescenta: "A depressão não é apenas uma doença do cérebro. É uma doença sistémica, que afeta não só o cérebro, mas surge muitas vezes com inflamação ou mesmo alterações morfológicas de determinadas áreas, como também aumenta o risco de doenças cardiovasculares, entre outras.".Henrique Prata Ribeiro nota que as campanhas de sensibilização em torno da Saúde Mental têm feito o seu caminho "e isso leva a que mais pessoas tenham consciência e procurem cuidados de saúde". Nesse campo, está certo de que o peso da pandemia se fez sentir - sobretudo nos mais jovens. "Sabemos que a maior parte das pessoas - e o peso psicológico foi generalizado - vai recuperar sem doença, mas haverá sempre uma percentagem em que isso não acontece. Por isso, o que é expectável é que tenhamos, como consequência da pandemia, um aumento (mesmo que ligeiro) dos casos de depressão", afirma.."Há grupos a quem temos de dar especial atenção, neste momento, à conta disso: os jovens/estudantes, as mulheres, pessoas desempregadas e outras já com doença psiquiátrica". Porém, insiste que "a maioria das pessoas recupera (desse tempo) sem ter que ser feita uma intervenção médica"..A linha que separa as ilhas, como os Açores (território que conhece bem), do continente fica vincada apenas no que respeita ao rácio de psiquiatras por habitante. "Há diferenças, mas é muito difícil elencá-las sem termos um estudo populacional bem feito", refere ao DN. "Os rácios [de pediatras e pedopsiquiatras] que são recomendados devem ser no mínimo de 10 por cada 100 mil habitantes. Se no continente conseguimos respeitá-los, já nas ilhas isso não acontece. Nos Açores, por exemplo, esses rácios rondam os seis médicos especialistas por cada 100 mil habitantes. Isso faz muita diferença. E a capacidade de resposta é muito prejudicada"..O psiquiatra sublinha sempre que "a depressão é uma doença que tem cura" e que, num nível ligeiro, "poderá haver resposta com recurso a psicoterapia e exercício físico. Mas a partir de um nível em que a depressão já seja moderada, a primeira linha é o tratamento farmacológico"..De resto, considera que este é "absolutamente essencial no tratamento da depressão". Em causa estão o que considera "fármacos perfeitamente seguros, que as pessoas podem tomar durante um tempo determinado e, atingindo a cura, quando recuperam, deixam de tomar"..Henrique Prata Ribeiro esclarece, a propósito, que "não causam habituação nem dependência, e são ajustados ao doente que temos pela frente", ao contrário da informação que muitas vezes circula entre o senso comum. A propósito, desgosta-lhe ouvir com alguma frequência que Portugal "é um dos países que regista maior consumo de antidepressivos". "Até parece que não tem de haver um médico a prescrevê-los. Como se fosse uma coisa que as pessoas compram ao balcão". Lembra que o país esteve "durante anos numa tentativa de combate à prescrição de ansiolíticos", e que os antidepressivos "não tratam só a depressão e a ansiedade. Há doentes bipolares que podem ter de os tomar, assim como doentes com esquizofrenia"..A questão que deixa é outra: "Será que estamos a chegar às pessoas suficientes, visto que somos o 2.º país com maior prevalência de doenças psiquiátricas? É que os números dizem precisamente que há uma percentagem grande de doentes que não chegam aos cuidados de saúde.".paula.sofia.luz@ext.dn.pt