Sete anos passaram desde o fim da Prova Nacional de Avaliação e Seriação ao Internato Médico, conhecida como o Exame Harrison, que esteve em vigor quase 40 anos, e que era o “terror” dos jovens médicos. Até ao ano em que terminou, 2018, a entrada no internato das especialidades médicas era definida exclusivamente pela nota alcançada neste exame, mas a sua substituição pela Prova Nacional de Acesso (PNA) trouxe novos critérios à avaliação, nomeadamente ponderações matemáticas que integram as notas do percurso académico de seis anos. Na altura, esta alteração suscitou discussão no seio da classe médica e dúvidas, mas acabou por ser aplicada. E, ao DN, o presidente do Conselho Nacional do Médico Interno, José Durão, recorda ter participado “numa discussão bastante alargada entre todas as partes sobre esta matéria, por desde logo existirem componentes, mesmo matemáticas, profundamente técnicas que geravam dúvidas”, mas, neste momento, assume, que não consegue “dizer se haverá legitimidade para mudanças. Acho que a questão deve ser estudada para se perceber se o que está a ser implementado está de acordo com o objetivo previsto ou não e se os critérios devem ser alterados”.A questão volta a estar agora em cima da mesa, depois de ter sido entregue na Assembleia da República (maio de 2025) uma petição a solicitar a alteração destes critérios por estarem a penalizar “profundamente” alguns dos candidatos, e a qual, segundo a Agência Lusa, já reúne mais de 2400 assinaturas. Numa notícia divulgada esta segunda-feira, os promotores da petição dizem, na nota enviada à Lusa, defender que “o acesso se deve basear ‘em critérios de igualdade, justiça e democracia” e “não em fórmulas matemáticas com princípios heterogéneos que discriminam candidatos com base na faculdade de origem ou no ano de conclusão do curso”.O grupo de médicos sustenta mesmo que “a atual fórmula permite que candidatos com melhor nota na PNA sejam ultrapassados por colegas com notas inferiores na prova, apenas devido a uma ‘normalização’ estatística das médias de curso”, que dizem “ser cega quanto à qualidade individual”. “Há registo de candidatos que descem mais de 400 posições devido a este fator, perdendo a oportunidade de escolher a especialidade para a qual demonstraram competência e há candidatos que, tendo tirado a mesma nota num exame que é realizado em igualdade de circunstâncias, estão separados por mais de 900 posições entre si”, escrevem.A polémica instalada levou a Ordem dos Médicos a criar agora uma Comissão Técnica para avaliar os critérios que definem o acesso ao internato das especialidades. Ao DN, o bastonário Carlos Cortes confirma: “A Ordem dos Médicos está atenta a este problema e quer ajudar na sua resolução. E criou uma comissão técnica que vai avaliar o modelo que está implementado, porque quer que este modelo seja justo, que não penalize nem favoreça ninguém individualmente. Depois, e ainda temos algum tempo, porque só daqui a um ano haverá nova PNA, emitiremos um parecer e uma posição sobre se é ou não necessário procedermos à revisão dos critérios”. .ACSS confirma 469 vagas por preencher no internato médico, o pior resultado dos últimos anos. No entanto, destaca, “esta decisão não depende só da Ordem, a questão tem de ser discutida com a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) e com os promotores da Prova Nacional de Acesso”.Mas para os promotores da petição é claro que “quando o sistema de acesso é percebido como ‘injusto’ e ‘pouco democrático’, a solução para muitos jovens médicos passa por emigrar à procura de oportunidades na sua especialidade de sonho, ou permanecer como médicos indiferenciados, recusando-se a entrar num sistema pouco atrativo”, referem na nota enviada à Lusa. Recordando até que, este ano, ficaram por preencher 20% das 2331 vagas lançadas para o internato e ao qual concorreram 2375 candidatos. Para “travar parte da fuga de médicos” e garantir a ocupação da vagas do internato, este grupo de médicos pede “a suspensão ou revogação da contabilização da média normalizada para efeitos de seriação dos candidatos”. “Estamos consciencializados de que a contabilização da média normalizada não se trata do cerne dos problemas do SNS, mas o impacto da medida para a entrada no internato é, definitivamente, um importante fator a ter em conta para a situação atual (e futura), depois de um concurso onde esta medida foi aplicada, pela primeira vez, e com ela alguns recordes negativos foram batidos”, acrescentam.Segundo explicaram ao DN, a controvérsia sobre esta questão surge precisamente por existirem duas fações: Uma que defende que os seis anos de exigência do curso devem ser contabilizados na nota de acesso à PNA, outros que consideram que a nota de entrada deve ser definida apenas pela prova que veio substituir o exame Harrison (que é o que defende a petição). Ao DN, o coordenador da PNA, em vigor desde 2018, o médico e professor Serafim Guimarães, diz que nesta altura apenas pode emitir a sua opinião pessoal, porque qualquer alteração aos “critérios da nota para acesso ao internato” só pode ser decidida “após terem sido ouvidos todos os organismos representativos da classe e da tutela, como Ordem dos Médicos, Conselho Nacional do Médico Interno e ACSS”. E, até agora, “não tenho conhecimento de que estes tenham emitido um parecer”. No entanto, é peremptório quando afirma: “Pessoalmente, defendo que seis anos de trabalho exigente durante a faculdade tem de ter alguma importância e ser tido em conta quando se chega à fase do internato da especialidade.”