"Plantar árvores é magnífico para o combate às alterações climáticas"
Podia falar-me um pouco sobre a sua intervenção no Fórum de Sustentabilidade da Navigator?
Neste debate irei falar sobre um tema muito importante, que é florestar Portugal, porque o país tem grandes diferenças climáticas.
Em termos de precipitação, no norte esta é muito elevada. Em certas regiões do Minho é de 2500 milímetros, isto é, 2,5 metros de água, em média, todos os anos. Se formos para o interior do Alentejo e certas zonas do Algarve, atualmente, a precipitação é de cerca de 300 milímetros, ou seja, 30 centímetros de água, o que é realmente muito pouco. A precipitação média anual em todo o país diminuiu devido às alterações climáticas.
Para travar a desertificação, que é a perda de qualidade do solo e, portanto, este ficar sem matéria orgânica, sem vida, é importante que se plantem árvores, que se densifique o montado, as explorações agroflorestais da cortiça e da azinheira que têm um grande valor económico.
Há uma mortalidade muito acentuada tanto de sobreiros como de azinheira. A azinheira é mais resistente a um clima seco do que o sobreiro. E portanto é importante densificar estes povoamentos florestais, que não é bem uma floresta, é mais tipo uma savana. É muito específico este ecossistema do montado e tem um grande valor económico, social e ambiental, muito grande para evitar a desertificação.
Temos em Portugal 11,5 milhões de prédios rústicos - isto são as conclusões de um trabalho realizado pelo grupo de trabalho para a propriedade rústica. E, portanto, temos uma grande fragmentação da propriedade - propriedade que é privada e o que acontece é que, quando essas pequenas propriedades têm floresta, o valor económico é muito baixo. De maneira que com os incêndios florestais há algumas dessas parcelas que estão abandonadas e, em vez de árvores, temos mato. É muito importante, por todas as razões, que se faça um esforço de florestação.
Mas não só...
Evidentemente que a seguir a esse esforço de florestação, é necessário também gerir bem a floresta - isso é fundamental. Mas plantar árvores é realmente essencial e a floresta em Portugal oferece uma contribuição muito importante para a sustentabilidade social e económica do país.
Quando falamos de sustentabilidade, ela tem três componentes: a sustentabilidade social, económica e ambiental. O que é difícil é que se consiga avançar nas três de uma forma coordenada e integrada. Se nós esquecermos uma das três não atingimos a sustentabilidade.
Por exemplo, se nós não tivermos desenvolvimento social e económico, não conseguimos ter sustentabilidade ambiental, porque deixamos de ter disponibilidades financeiras para proteger o ambiente, para conservação da natureza e para tudo isso que as pessoas compreendem e aderem, mas é necessário que o Estado tenha disponibilidade para fazer esse trabalho.
Em breve teremos a COP28, no Dubai. O facto de ser nos Emirados Árabes Unidos não é uma contradição daquilo que se pretende atingir com a conferência?
Antes não dei ênfase à questão das alterações climáticas, mas ao plantarmos árvores -- e justifiquei isso, sobretudo, do ponto de vista de travarmos a desertificação, especialmente no sul do país --, mas plantar árvores é uma coisa magnífica em termos de combater as alterações climáticas, porque as árvores sequestram o dióxido de carbono através da fotossíntese. O problema é que temos grandes emissões de dióxido de carbono resultantes, sobretudo, do uso dos combustíveis fósseis -- do petróleo, carvão e gás natural -- e também da alteração do uso dos solos, em particular a questão da desflorestação.
Em relação às alterações climáticas, à COP, aquilo que se procura é que os países -- e são praticamente todos os países do mundo que estão envolvidos nessas negociações, são 193 países -- façam propostas que levem a compromissos de maior ambição na redução das suas emissões de gases com efeitos de estufa.
E como fica a União Europeia?
É importante dizer que a União Europeia tem uma posição singular, porque tem sido a região que tem liderado este processo de mitigação das emissões. Conseguiu reduzir em 32% as emissões de gases com efeito de estufa entre 1990 e 2019, e isso nenhum outro grupo de países, ou país conseguiu fazer. Hoje em dia, a União Europeia é o quarto maior emissor destes gases. Neste momento o maior emissor de gases com efeito de estufa é a China, seguida dos Estados Unidos e depois da Índia.
Há uns anos a Índia estava em quarto lugar, atrás da União Europeia, mas neste momento está numa trajetória de emissões crescentes, porque necessita de energia para o seu desenvolvimento económico e social, e tem muito carvão, que é relativamente barato.
De qualquer modo, aquilo que se torna evidente ao termos esta COP num país do Médio Oriente que é produtor de combustíveis fósseis, e presidida pelo presidente de uma empresa de energia que, sobretudo, produz petróleo, gás natural e também energias renováveis (não é só combustíveis fósseis), é surpreendente. Mostra que há uma certa apropriação por parte desses países produtores de petróleo, destas negociações, que são muito importantes.
Há sinais de que as alterações climáticas já se sentem, todos nós sentimos que temos mais ondas de calor, secas mais frequentes, etc., e isso começa a ter impactos no próprio desenvolvimento económico e social, para além dos impactos que tem nos ecossistemas.
Há outros aspetos, como o mecanismo das perdas e danos, que foi aprovado na última COP, que se realizou no Egito, e que seria uma forma de os países com economias avançadas ajudarem os países mais vulneráveis às alterações climáticas: ajudá-los a adaptarem-se a um clima diferente. Mas não tem havido entendimento sobre como financiar, quem financia, de maneira que isso também será um tema importante nesta COP.
É esta uma questão que pode acabar por "cair por terra", eventualmente, por não haver um consenso sobre como e quem financiar?
Penso que não irá cair, porque seria politicamente muito incorreto se isso acontecesse. O problema é que se pode arrastar. A indecisão de quem financia pode não ficar resolvida, mas vamos ver. Temos de ter esperança.
É importante mencionar que estas negociações da COP28 vão ter lugar num mundo que está com tensões geopolíticas e geoestratégicas muito acentuadas. Temos dois conflitos armados e isso está a polarizar muito a comunidade internacional, e isso não é o melhor ambiente para fazermos uma transição energética, nem para colaborar nessa transição energética.
Há países, como a China e os Estados Unidos, que têm a capacidade de fazer a transição energética e de produzir os instrumentos necessários para fazer esta transição, como sejam baterias, painéis fotovoltaicos, carros elétricos, aerogeradores para a energia eólica onshore e offshore. O que era importante é que esses países colaborassem para essa produção. Pelo contrário aquilo a que se assiste é uma tensão entre esses dois países a nível tecnológico, industrial, com formas de protecionismo e, portanto, não são as condições ideais para chegar a acordos na COP28.
Saliento que os efeitos das alterações climáticas estão a agravar-se. Este ano de 2023 será muito provavelmente o ano mais quente que jamais se registou. A temperatura média global ao longo do ano para todas as regiões do mundo será provavelmente a mais elevada que já se registou e isso é algo perturbante. Provavelmente foi o ano mais quente nos últimos 100 mil anos. Através da alteração da composição da atmosfera, estamos a mudar o clima porque agora temos uma concentração de dióxido de carbono na atmosfera muito maior do que tínhamos no passado, do que tínhamos no século XVIII quando começou a Revolução Industrial. Os sinais destes impactos são perturbantes e urge, por cada vez mais razões, acelerarmos a transição energética.
Ainda é possível reverter alguns efeitos das alterações climáticas? Ainda se vai a tempo de reverter estes efeitos?
Gostava de dar uma resposta positiva, mas não consigo. Para que os impactos das alterações climáticas diminuam aquilo que é necessário que aconteça é que a concentração de dióxido de carbono e outros gases na atmosfera comece a baixar. Aquilo a que estamos a assistir é que essa concentração de dióxido de carbono tem estado a aumentar sistematicamente desde que se aprovou a Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, e muito antes disso. A concentração de gases com efeito de estufa só baixou em 2020 devido à crise da pandemia de covid-19, porque houve um abrandamento da atividade económica. Houve um menor consumo de energia, sobretudo de combustíveis fósseis.
Estamos perante a guerra na Ucrânia e agora o conflito no Médio Oriente. Que impacto podem ter estes conflitos nas alterações climáticas?
Há uma coisa que pode ser um pouco contraintuitiva, pode não ser aquilo que as pessoas pensam, mas o facto é que durante a Primeira e a Segunda Guerra Mundial as emissões de gases com efeito de estufa baixaram. E baixaram porque a atividade económica abrandou. Esses conflitos têm impacto, sobretudo, sobre a sustentabilidade.
O conflito na Ucrânia, que resultou da invasão deste país pela Rússia, fez com que a exportação de vários tipos de cereais, como trigo, milho, e outros, tanto da Rússia, como da Ucrânia, não se fizessem. Ambos os países são grandes produtores de cereais e há países que dependem muito dessa importação, como países do Norte de África, por exemplo.
Os preços aumentaram causando situações de má nutrição e tendo impactos sobre a economia.
Portanto, as guerras têm impactos terríveis sobre a sustentabilidade, a saúde, questões da alimentação e também sobre a cooperação entre os países. Para combater as alterações climáticas é necessário que haja cooperação entre os países. Num ambiente de grande tensão geopolítica essa cooperação torna-se bastante mais difícil.
No último mês temos tido plataformas como a Climáximo e outras que têm feito ações em nome da luta contra as alterações climáticas. Pensa que estas ações cumprem o seu objetivo de alertar para esse fenómeno ou desviam a atenção para a natureza disruptiva que possam ter?
São ações que não contribuem para valorizar o esforço, que muitas pessoas estão a fazer, de promover a mitigação ou adaptação às alterações climáticas. Ou seja, criar resiliência às alterações climáticas. Penso que todos nós temos a capacidade de contribuir, mas estes incidentes não adiantam. É uma forma de chamar a atenção que envolve alguma violência e, portanto, não vejo que seja um contributo positivo para esta causa.
Embora reconheça que são precisamente os jovens aqueles que muito provavelmente serão os mais afetados por este problema das alterações climáticas, porque a tendência é de que elas se agravem e, ao agravarem-se, afetam muito menos a minha geração do que as pessoas jovens, que têm a vida à sua frente. Isso é evidente e é compreensível que tenham preocupação e que tenham alguma ansiedade, mas aquilo que podemos fazer é organizarmo-nos no sentido de nos adaptarmos às alterações climáticas.
Por exemplo, aqui em Portugal temos problemas de escassez de água em algumas zonas do país. Então vamos fazer pressão sobre o Governo para que, na distribuição de água ao domicílio, através dos serviços municipalizados da água não haja perdas. Cerca de 30% da água, ao ser distribuída, perde-se. É muita água. Os jovens podem de facto manifestar-se e tentar encontrar, através do PRR ou de outros financiamentos, formas de aumentar a eficiência na distribuição de água.
E em relação à floresta?
É importante haver políticas de reforma da floresta. Portugal tem 11 milhões de prédios rústicos e são transacionados, sobretudo, através de heranças. Não há um mercado dessas propriedades, porque têm um valor económico muito baixo. Sem haver uma reforma, uma tentativa mais empenhada de emparcelamento para que a gestão da floresta seja economicamente mais rentável, para que depois essas parcelas de maior dimensão sejam geridas de uma forma economicamente sustentável. Tudo isso requer reformas que são importantes do ponto de vista económico e do combate às alterações climáticas. Termos uma floresta saudável é importante para a contribuição das florestas na captura de dióxido de carbono da atmosfera.
Pensa que falta alguma literacia sobre as alterações climáticas?
Sim. Isso é realmente um tema multidisciplinar que envolve na sua base conceitos da Física, da Química, e depois envolve, no que respeita a encontrar soluções para o problema, conceitos que têm a ver com Engenharia, com a Biologia, e das Ciências Sociais e Humanas.
É um tema muito transversal, que atravessa muitas disciplinas e, por vezes, nem todas as pessoas dominam esta complexidade das alterações climáticas.
E provavelmente, é uma hipótese: essa é uma das razões porque tem havido tanto ruído sobre este assunto e que tem alimentado o negacionismo, o ceticismo em relação a isto. Embora também se saiba que esse negacionismo e ceticismo é fomentado pelas companhias petrolíferas, pelo big oil, que consideram que o petróleo e o gás natural são absolutamente essenciais para o desenvolvimento social e económico, e não reconhecem a importância que as formas de energia descarbonizadas, principalmente as energias renováveis, têm e a possibilidade que existe de fazermos uma transição energética a tempo de as coisas não serem mais graves.
sara.a.santos@dn.pt