Período pós-pandemia, envelhecimento e calor estão a causar "aumento natural" de mortes
O dia 14 de julho foi até agora o mais mortal deste ano: 471 óbitos confirmados. Destes, 194 estavam em excesso relativamente à média registada no mesmo dia entre os anos de 2015 e 2019. Nestes anos, e no mesmo dia, morreram em média 257 pessoas. Ora, "isto dá um excesso de 194 óbitos", explica o professor Carlos Antunes, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que está a avaliar o aumento da mortalidade em Portugal durante este ano comparativamente com os anos entre 2015 a 2019 - ou seja os cinco anos pré-pandemia.
Mas a verdade, e como sublinhou ontem ao DN, é que não foi só o 14 de julho que registou uma média diária de óbitos acima do normal, o aumento começou a ser registado em maio e tem-se mantido até agora. "É normal que a cada ano se morra mais do que no ano anterior. É a variabilidade natural. Há cinco anos morria-se menos do que hoje e daqui a cinco anos irá morrer-se mais, mas o que despertou a minha curiosidade e me preocupou, levando-me à análise dos números, foi o número de mortes registadas acima do valor referência considerado normal em relação a um determinado período, entre 2015 e 2019", disse.
E foi isto mesmo que tem estado a analisar e a estudar, concluindo que, de facto, se está a morrer mais em Portugal, mas "não por causa da crise no SNS, provocada pela falta de profissionais. Não é esta crise que está a influenciar este aumento, como alguns já chegaram a equacionar e até eu próprio, e por isso fui analisar detalhadamente. E depois de analisar todos os dados, concluo que o que está a afetar a mortalidade é o envelhecimento natural da população. Esta é a minha interpretação e assumo-a", afirma, apresentando razões: "O aumento de mortes é natural por dois aspetos: a população está mais envelhecida - basta analisar os dados e perceber que o excesso de mortes está a ocorrer nas faixas etárias acima dos 75 anos, abaixo desta idade até há uma ligeira redução da mortalidade - e por ter terminado em abril o período de proteção individual, que tinha regras anti-covid (como o uso de máscara e o isolamento a que estas pessoas estiveram votadas durante dois anos, quer vivessem em lares, em unidades de cuidados continuados ou estivessem em hospitais), que faz com que esta população esteja mais exposta a infeções e doenças que podem resultar em óbitos.
Portanto, deste ponto de vista considero que "é natural o aumento de mortalidade". Por outro lado, regista ainda, as duas vagas de calor, sentidas em junho e na última semana, tiveram "impacto na mortalidade", o que também "é normal sempre que há uma vaga de calor ou de frio. As pessoas descompensam e o seu estado pode resultar em morte natural".
Os dados da Direção-Geral da Saúde revelam que o país está a registar mais mortes e alguns profissionais da saúde questionam se este é uma consequência da pandemia e de todo o contexto que a envolveu. A mortalidade excessiva veio para ficar? Para Carlos Antunes a pandemia trouxe uma nova causa de morte, mas não se pode dizer se esta resultará em mortalidade excessiva.
Por agora, os dados disponíveis indicam que "só a partir de maio é que se começou a notar uma anormalidade acima do valor referência". O analista da Faculdade de Ciências, e para explicar eventuais diferenças de números entre a sua análise e a das autoridades de saúde, explica ao DN que a fonte de dados que está a analisar é a mesma da do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge, o Sistema de Informação de Óbitos da DGS, mas o período de referência é que é diferente. "O INSA utiliza os cincos anos a partir de 2017. E eu uso, como já disse, os anos entre 2015 e 2019, que não estão influenciados pela covid-19".
O professor especifica ainda que, para se falar de aumento de mortes e de excesso de mortalidade, "é preciso muito cuidado na análise dos dados". "Do total, temos de retirar a variabilidade diária de morte natural e as mortes por covid ou provocadas pelo calor". Assim, e de acordo com a sua análise, este ano, em janeiro, "o excesso de mortalidade era negativo. Ou seja, havia, em média, menos 60 óbitos por dia. Um excesso que começou a ser anulado em fevereiro, mantendo-se em zero, mas que, em março, inverte e passa para uma média de 40 óbitos a mais por dia. Em maio, dispara para uma média de 70 a 80 óbitos a mais diários".
Com a vaga de calor em junho, "os óbitos a mais passaram para uma média de 160 por dia. A seguir, reduzem, voltando aos 40 óbitos a mais diários, e com a vaga de calor da última semana, voltam a disparar para uma média máxima de 178 óbitos a mais por dia".
Segundo o professor de Ciências, "entre os dias 9 e 18 de julho, morreram, em média, 60 pessoas a mais por dia, o que dá 480 óbitos a mais numa semana, devido ao calor", explica, continuando: "Mas o total de óbitos nestes dias foi 3779, embora este número ainda possa ser corrigido, devido a atualizações dos últimos dias. No entanto, e comparativamente com a mesma semana nos anos entre 2015 e 2019, só deveriam ter morrido 2619 pessoas, o que dá um excesso de 1160 óbitos".
Na prática, explica, por ano, morrem em média mais cerca de 800 pessoas do que no ano anterior, mas nesta matéria não são possíveis projeções. "É muito difícil fazê-las", mas acredita que "vamos continuar a assistir ao aumento natural da mortalidade que se tem vindo a registar".
Ontem, a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, e o presidente do INSA, Fernando Almeida, estiveram a ser ouvido na Comissão Parlamentar da Saúde precisamente sobre mortalidade. Graça Freitas garantiu não haver qualquer confusão na identificação de mortes com e por covid e Fernando Almeida que não é possível fazer uma análise séria sobre e sustentada sobre o aumento de mortalidade em menos de dois a três meses.