Que conclusões é que já consegue tirar neste momento dos incêndios?Temos tido condições bastante severas, meteorologicamente falando. Felizmente, não em todo o país. A região do Grande Porto — Porto, Amarante, Braga, Aveiro — continua a ser a nossa grande zona de ignições. Mas aí, as condições têm sido mais suaves. Senão, seria um pandemónio. Esses fogos têm sido comparativamente fáceis de apagar porque não encontram grande combustível e as condições não favorecem o alastramento.O problema é no interior, particularmente no Norte e Centro. Temos visto incêndios na Lousã, Serra do Açor, Sabugal, Pinhel, Alto Alentejo. Agora, em Trás-os-Montes, o fogo em Freixo de Espada à Cinta é o mais grave a norte..Mas podemos dizer que, apesar disso, não estamos como em 2017. Houve evolução e muito trabalho feito. Ainda assim, continuam a existir vulnerabilidades?Sim. O nosso principal problema é quando os incêndios se tornam grandes. Nunca conseguimos resolver isso. O sistema de combate está muito preparado para fogos pequenos, com muitos meios rápidos, baseados em água e apoiados por meios aéreos. A primeira intervenção é eficaz e rápida — já em 2017 era assim. O problema é quando o fogo escapa a esse ataque inicial.Quando escapa, cresce sempre para patamares acima dos 100 hectares?Exatamente. Um fogo passa de um para dez hectares, depois para cem, e a probabilidade de saltar de patamar aumenta sempre. Como a prioridade é a proteção civil — proteger pessoas e bens —, facilmente se transformam em incêndios de 5.000 ou 10.000 hectares. O incêndio de Trancoso já ultrapassou 41.000 hectares e há risco de se tornar o maior incêndio de sempre.Nem sempre é possível evitar que um fogo se expanda rapidamente para centenas de hectares. Mas depois há oportunidades: de noite, de manhã cedo, quando o fogo encontra áreas ardidas recentes. É nessas oportunidades que falhamos. Se fossem aproveitadas, o incêndio de Vila Real teria sido contido mais cedo, ou o de Trancoso, que é enorme mas cheio de ilhas por arder.Temos de aprender a usar melhor essas condições e integrá-las no planeamento tático. Só assim conseguimos limitar grandes incêndios. Depois, surgem os reacendimentos, ou “reativações” como agora lhes chamam...Esse é outro problema. Falta-nos capacidade para consolidar perímetros. Um exemplo foi o incêndio na Serra do Alvão: chegou aos 6.000 hectares, e todos os dias havia pontos do perímetro a arder de novo. Não eram focos escondidos, eram evidentes, com fumo, e mesmo assim não vi atenção suficiente a esses pontos. Cada tarde, a partir dali, o fogo crescia outra vez.Isto é simples: é preciso ir lá, apagar, aproveitar as horas em que é fácil. Mas essa oportunidade perde-se. E é por isso que temos incêndios que duram muitos dias. Comparando com Espanha, a diferença é clara. Na Galiza tiveram incêndios muito grandes em condições semelhantes, mas conseguiram apagá-los mais rápido com um esforço mais especializado e profissional.Um dispositivo de combate que tem por base, em grande medida, o voluntariado, é também uma vulnerabilidade?Não. Esse tema é um pouco empolado. Hoje, mesmo em corporações voluntárias, há muitos profissionais de quadro, com salário e permanentes. Claro que no verão entram equipas menos experientes, mas o problema central não é serem voluntários ou não — é a falta de qualificações adequadas. Precisávamos de um quadro nacional de competências para incêndios rurais. Temos algumas equipas especializadas da GNR, da Força Especial de Proteção Civil e agora do ICNF. Mas, por exemplo, no ICNF são apenas 50. É manifestamente insuficiente.Faria sentido concentrar essas forças especializadas num único “exército” de combate?Isso foi proposto há 20 anos, mas não foi aceite porque mexia com a estrutura das corporações de bombeiros. Nunca mais voltou a ser discutido. Talvez devesse ter sido retomado depois de 2017.A ministra da Administração Interna acabou de anunciar o prolongamento da situação de alerta por mais 48 horas. Justifica-se?As condições meteorológicas já não justificam um estado de alerta, que tem repercussões enormes na vida e economia das comunidades rurais.Em termos de previsões, o que é que podemos esperar nos próximos dias?É mais ou menos isto: vamos ter um desagravamento já amanhã, mas mais forte no dia seguinte, dia 19. Vai haver maior humidade no ar. Sobretudo. Menos quente e com uma massa atmosférica menos seca e mais húmida. Não é uma alteração radical, é só um abrandamento. Teremos esse alívio já amanhã, depois mais marcado nos dias 19, 22 e 23. Mas a seguir volta a agravar-se.Os meios aéreos que chegam da Suécia na segunda-feira ainda fazem falta?Fazem sempre falta, mas são tão poucos e com uma capacidade tão limitada para intervir nestes incêndios que, na verdade, não vão fazer grande diferença. Costumo dizer que são como gotas de água num balde. Acrescentam alguma coisa, mas o nível no balde quase não sobe.