"Os quadros legais são necessários, mas precisamos de um modelo de governação"

O novo modelo tem que ser disruptivo, transparente, de implementação rápida e contar com o apoio político transversal ao Parlamento. Sem um entendimento alargado, falha a essencial garantia de continuidade entre legislaturas.
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Aprender com os erros do passado é, na saúde, tão relevante como em qualquer outra dimensão económica. No entanto, sendo um setor-chave para o país, é fundamental que o seu sistema de gestão evolua "de forma inteligente", como refere Constantino Sakellarides. Na opinião do médico e professor catedrático jubilado da Escola Nacional de Saúde Pública, não é isto que tem acontecido ao longo das últimas décadas. "O sistema evolui pela interação dos atores, e isto não o faz mexer", aponta, acrescentando que é preciso transformar o modelo de governação da saúde, não pela necessidade de mudança, mas pelo momento, que exige urgência. Uma opinião partilhada por Ana Paula Martins: "Acredito que estamos num momento em que o modelo de governação atual tem que ser alterado, e já não pode ser adiado por mais tempo, é preciso mudar, ter disponibilidade para essa mudança e insistir nela de maneira objetiva."

Para a ex-bastonária da Ordem dos Farmacêuticos e coautora da tese Um novo modelo de governação para a saúde, tema que encerra a série de podcasts "Transformar o SNS", a que o DN se associou, "partindo da sociedade, temos de encontrar uma forma de colocar os agentes políticos a dialogar sobre esta necessária mudança, através daquilo que tem de ser um acordo que vai além do momento em que hoje governamos". Um entendimento independente de ideologias e de partidos políticos, adequado às exigências atuais e capaz de sobreviver em diferentes legislaturas. "Não será possível transformar o SNS naquilo que precisamos sem haver um acordo que vá além do consenso", reforça Ana Paula Martins, que acredita que se os agentes políticos se entenderem, a sociedade terá a sua confiança no modelo reforçada.

"O Serviço Nacional de Saúde é uma repartição de um Estado "marreta", mas nós precisamos da joia da coroa a funcionar de forma inteligente", destaca Constantino Sakellarides, que, acrescenta, uma das características deste "Estado marreta" é ser normativo. Ou seja, "julga que ao estabelecer normas resolve o problema". O professor catedrático reconhece a necessidade de quadros legais objetivos e transparentes, "mas depois é preciso o modelo de governação que ponha tudo a funcionar". Ana Paula Martins acrescenta: "Este novo modelo de governação tem que ser um pouco mais disruptivo", pois o país continua a demorar muito tempo a concretizar mudanças que são fundamentais, e isso não pode acontecer. "O mundo mudou muito nos últimos 30 ou 40 anos, mas o modelo de governação é o mesmo", recorda Constantino Sakellarides.

Uma população mais envelhecida, tecnologia médica em evolução constante, uma sociedade mais complexa e um controlo financeiro mais rígido criam novos desafios a um sistema de saúde também ele mais complexo. "E se não temos um modelo de governação que consiga superar estes desafios e esse controlo, e transformá-lo em algo diferente, é difícil o sistema de saúde mudar, e temos muitas razões pelas quais mudar o modelo de governação", defende o professor catedrático. "Tomar hoje em dia decisões e legislar sem ter em conta que tem de haver uma grande capacidade de inter-relacionar com independência aquilo que é o conhecimento, aquilo que é a geração de evidência e aquilo que é o papel da governação, hoje já não é possível", complementa Ana Paula Martins.

Em jeito de conclusão, os autores desta tese defendem ainda a importância de incluir o cidadão no modelo de governação da saúde. Ou seja, e como explica a ex-bastonária, ter em conta as suas aspirações, as suas reais necessidades, criando compromisso. "Não podemos continuar a reforçar a marca SNS sem ter em conta que o cidadão é uma parte importantíssima desse reforço e compromisso. Os cidadãos hoje querem fazer escolhas sobre a sua saúde", conclui.

Veja ou oiça na íntegra a conversa que juntou Constantino Sakellarides e Ana Paula Martins no último podcast "Transformar o SNS" no site do Diário de Notícias a partir de hoje.

Veja o video do debate em cima ou ouça o podcast:

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