A Ordem dos Médicos definiu 25 medidas para serem aplicadas em dois anos, divididas em cinco eixos principais - que vão das condições de trabalho à autonomia, gestão e inovação, de uma nova carreira médica aos incentivos para zonas carenciadas até à formação contínua e investigação – e que considera serem soluções para “aumentar a atratividade” do Serviço Nacional de Saúde (SNS) para a classe. A proposta está a ser apresentada aos partidos políticos com assento parlamentar, nomeadamente PSD, com quem reuniu na semana passada, PS, com quem reuniu esta quarta-feira, dia 15, e aos restantes partidos, com quem já tem reuniões agendadas para os próximos dias, e vai ser entregue à ministra da Saúde, Ana Paula Martins, na reunião do dia 22, com o objetivo de ser discutida.Segundo a Ordem, estas 25 medidas, que considera “constituírem um pacote coerente, interdependente e indivisível”, são “o caminho para reter médicos no curto prazo, atrair novos profissionais e restaurar a confiança na medicina pública, assegurando a continuidade e a qualidade do SNS”. Por isso mesmo, defende, que “só a sua implementação conjunta permitirá criar condições de trabalho dignas, carreiras previsíveis, incentivos equilibrados e um ecossistema de formação contínua e de inovação”.Na base da elaboração deste documento, esteve um dos principais desafios do SNS, segundo o executivo da Ordem, “a falta de recursos humanos na Saúde, e em particular de médicos”, já que esta “carência compromete a capacidade de resposta, a qualidade dos cuidados e o acesso das pessoas ao SNS em tempo adequado”. Por isto mesmo, o primeiro eixo fundamental é o das “condições de trabalho”, onde a Ordem defende que “horários humanizados e flexíveis, com escalas publicadas com antecedência mínima de quatro semanas, regimes de tempo parcial em fases da vida específicas e possibilidade de reforma flexível para reter médicos seniores”, justificando que assim se consegue “promover a conciliação entre vida profissional e pessoal, aumentando a permanência no SNS e permitindo a mobilidade voluntária entre unidades, sem perda de direitos”.Quanto às remunerações, a Ordem reconhece que esta é matéria negocial dos sindicatos, mas defende ser “essencial criar um quadro que elimine a atual desigualdade entre médicos em regime de prestação de serviços e médicos com contrato individual, valorizando mais estes últimos. Propõe-se a harmonização gradual dos vínculos, privilegiando contratos estáveis com garantias de progressão na carreira”.. Ordem pede revisão de lei que penaliza agressões e linha de apoio psicológicoNeste capítulo, a Ordem começa por considerar ser “indispensável o reforço da segurança e do bem-estar dos médicos, com medidas eficazes de prevenção e dissuasão da violência nos locais de trabalho” e a “implementação de programas de prevenção do burnout e de apoio à saúde física e mental dos médicos”, defendendo, por isto, a revisão da legislação que penaliza as agressões a profissionais, que seja reforçada a vigilância em zonas de risco e “assegurado o acompanhamento pela saúde por Serviços de Medicina do trabalho valorizando o seu papel na harmonização das condições de trabalho, prevenção e abordagem destes problemas”. Outro ponto que considera importante é a criação de uma “Linha Verde”, durante 24 horas nos sete dias da semana, com carácter “confidencial”, “para apoio psicológico, aconselhamento jurídico e reporte de situações de violência”.Para a Ordem “a Medicina ser reconhecida formalmente como profissão de risco e desgaste rápido com estatuto legal próprio para todos os médicos”, sendo que este “reconhecimento deve traduzir-se em benefícios adequados em termos de proteção social, saúde ocupacional diferenciada e regimes de aposentação ajustados à realidade da prática médica”, exigindo igualmente a garantia de “locais de trabalho com condições adequadas para a prestação de cuidados”, já que “muitos dos edifícios, em especial nos Cuidados de Saúde Primários, não têm condições estruturais para o atendimento dos doentes”. E exemplifica: “Carência de meios informáticos, multiplicação de contentores em Unidades Hospitalares que, de provisórios, passaram a definitivos”.Este primeiro eixo termina com a Ordem a exigir uma “avaliação precisa de todas as estruturas do SNS, para planeamento a curto, médio e longo prazo por nível de necessidade” e “o acesso universal a todos os médicos a uma plataforma informática de apoio à decisão clínica”, já que algumas instituições disponibilizam este tipo de plataformas aos colaboradores, mas nem todos os médicos têm acesso”. Segundo explicam, “o acesso é essencial para a atualização médica aos artigos científicos mais recentes e à evolução da medicina. Esta é uma das formas de atualização permanente dos médicos”..SNS poupava mais de 100 ME num ano se centros de saúde passassem a USF modelo B. Mais liderança médica no SNS, mais autonomia e inovação No segundo eixo, dedicado aos modelos de gestão, autonomia e inovação, a Ordem dos Médicos defende a generalização das Unidades de Saúde Familiar (USF) Modelo B em todo o país, com “autonomia organizativa e financeira”, de forma a que estas unidades possam trabalhar “com objetivos clínicos claros e incentivos baseados em desempenho atingível, acompanhados de apoio administrativo adequado. O modelo deve permitir maior autonomia das equipas médicas, incentivando a eficiência e a qualidade da resposta nos cuidados de saúde primários”. No que respeita aos Centros de Responsabilidade Integrada (CRI), outro modelo de gestão usado nos hospitais, a Ordem sustenta que estes devem ser criados em “serviços estratégicos como forma de garantir um maior acesso aos doentes”, já que este “modelo confere às equipas interdisciplinares metas assistenciais claras, indicadores de desempenho e incentivos, permitindo reinvestir ganhos de eficiência no reforço das próprias equipas”. Por outro lado, incentiva a “publicação periódica dos resultados” destes centros, considerando que este mecanismo “assegura transparência, evita metas punitivas e reforça a confiança no modelo.Um dos pontos fundamentais neste capítulo “é a liderança médica”, que “deve ser central nas Unidades Locais de Saúde (ULS) e noutras instituições do SNS. Os cargos de gestão devem ser atribuídos a médicos com competências reconhecidas, reforçando a governação clínica. É essencial consolidar uma cultura de trabalho em equipa interdisciplinar. A formação em gestão clínica, nomeadamente através dos colégios da Ordem dos Médicos, deve ser promovida, fortalecendo a ligação entre governação e qualidade dos cuidados”.Na questão da inovação, a Ordem defende que “o SNS deve assegurar a expansão da telemedicina, teleconsulta e telemonitorização, reforçando a proximidade entre médico e doente, sobretudo em regiões periféricas. Simultaneamente, a integração progressiva de ferramentas de inteligência artificial deve ser acompanhada de enquadramento ético e validação médica, garantindo que estas tecnologias funcionam como apoio e nunca como substituto da decisão clínica”.. Nova Carreira Médica deve integrar internato e ser transversal a todos os setoresDas 25 medidas, a Ordem destaca a necessidade de uma “nova carreira médica” com início “no internato médico” e “transversal ao setor público, privado e social, refletindo a realidade da medicina em Portugal e assegurando padrões comuns de qualidade, exigência e valorização em todo o sistema de saúde”. E considera que “deve ser estabelecida a separação entre categorias e graus, sendo estes últimos atribuídos sob a responsabilidade da Ordem dos Médicos, que reconhece a progressão meritocrática e técnico-científica do médico através de avaliações curriculares e de concursos periódicos”. A Ordem pretende “criar um terceiro grau (atualmente os dois existentes são: Especialista e Consultor), concedido por avaliação curricular que corresponda ao percurso individual de cada médico, independentemente do local onde tem exercido as suas funções. Este grau permitirá a equiparação à categoria de Assistente Graduado Sénior”.Mas para que o SNS seja mais atrativo, a Ordem defende que os concursos na progressão da carreira devem ser “regulares e previsíveis”, incluindo “mecanismos de atratividade que reforcem a escolha pelo SNS, posicionando-o como empregador competitivo e credível”.Mudanças nos incentivos para zonas carenciadasA Ordem defende mudanças na definição de incentivos para áreas carenciadas, devendo ser criado um “Índice Nacional de Carência Médica, público, transparente e atualizado anualmente”, que “deve combinar critérios como densidade médica por especialidade, tempos de acesso, isolamento geográfico, indicadores socioeconómicos e clínicos, permitindo identificar regiões prioritárias. A avaliação deve ser feita por especialidade e por instituição prestadora do SNS (hospitais, centros de saúde, cuidados continuados), assegurando justiça e precisão na atribuição de incentivos”..Os novos médicos internos. “O que queremos é ser felizes na especialidade que escolhemos”. Propõe ainda que este “índice seja construído numa escala de 0 a 5 (em que 5 corresponde às áreas mais carenciadas e 0 às menos carenciadas), será também um instrumento estratégico para a priorização de políticas de saúde e de incentivos, orientando recursos e decisões para os locais onde a carência é mais grave”. Por outro lado, considera que os “médicos que aceitem colocação em zonas carenciadas devem beneficiar de um prémio inicial de instalação e de incentivos adicionais pela permanência continuada. Recomenda-se reforçar o apoio após períodos relevantes (por exemplo, cinco anos), garantindo assim a fidelização dos médicos a longo prazo”.Mais. Devem também “ser criados pacotes de apoio logístico e social centrados na família. Além da habitação de função e do subsídio de deslocação, é essencial incluir apoio à instalação familiar (creches, escolas, integração do cônjuge no mercado de trabalho). Para a Ordem, “este modelo reconhece que a decisão de fixação depende tanto da qualidade de vida do médico como das condições oferecidas à sua família”. Entre outras medidas, é definido também que devem ser criado um “programa nacional para o regresso de médicos portugueses residentes no estrangeiro”.Por fim, em relação ao último eixo, dedicado à formação médica contínua e investigação, a Ordem considera que “a especialização e a diferenciação médica devem ser promovidas como eixo central da atividade médica”, devendo cada médico dispor de, pelo menos, quatro horas semanais, extensíveis até oito, exclusivamente dedicadas às atividades do internato médico, formação contínua e investigação. Este tempo deve incluir atividades de atualização científica, ensino, orientação e supervisão formativa.