O relatório final sobre o caso da produção adicional no Serviço de Dermatologia do Hospital de Santa Maria instaurado pela Inspeção Geral das Atividades em Saúde (IGAS), divulgado esta terça-feira, arquiva processo disciplinar ao médico Miguel Alpalhão, mas confirma que este recebeu durante dois anos mais de 700 mil euros em cirurgias fora do horário normal de trabalho. Na sua averiguação, que envolveu a avaliação de 511 episódios de cirurgia em dois anos, a IGAS detetou que muitas destes tinham “codificações indevidas” ou que não foram inscritos no sistema de gestão de listas de espera no dia da consulta, prejudicando outros doentes. A IGAS verificou ainda em relação a estas situações “falta de informação clínica” nos processos das mesmas e até “falta de controlo de entradas e saídas de profissionais nos dias em que estas cirurgias eram realizadas”, apontando assim o dedo ao diretor de serviço. Quanto à questão disciplinar, a inspeção teve de arquivar o processo por não ter competência para atuar num profissional que não tem contrato em regime de função pública. O documento já foi enviado à ministra da Saúde e ao Ministério Público, para que toda a informação recolhida possa ficar apensa ao processo que esta entidade instaurou ao caso no dia 27 de maio. Mas, questionada pelo DN sobre a investigação a decorrer sobre o mesmo, a Procuradoria-Geral da República não deu qualquer resposta. Do hospital, fonte oficial referiu “nada haver a comentar” ao relatório da IGAS, assumindo que o processo instaurado internamente está “em fase de contraditório”. Já a Ordem dos Médicos, que, na altura em que o caso estoirou, solicitou mais informação ao hospital sobre o médico em causa e a atividade adicional no Serviço de Dermatologia, disse ao DN não ter recebido o relatório da IGAS. “Já pedimos o relatório e aguardamos que nos seja facultado para ser analisado em Conselho Nacional”, explicou fonte da instituição. Só depois é que a Ordem decidirá se avança disciplinarmente em relação ao médico Miguel Alpalhão e outros, através da abertura de processos no Conselho Disciplinar. Do gabinete da ministra Ana Paula Martins, que durante um período desta atividade era presidente do CA de Santa Maria, foi referido “não haver comentários ao relatório da IGAS”.No relatório, a IGAS refere ter sido atribuída indevidamente “a codificação de diagnósticos adicionais de comorbilidade que levaram ao agrupamento no nível de severidade 2, em pequenas cirurgias que não utilizaram sedação, monitorização anestésica ou estadia em recobro” e ainda “o incentivo da malignidade numa percentagem de 19,7% da amostra considerada, no caso do médico visado, e de 33,3% no caso do Serviço de Dermatologia”, envolvendo assim outros profissionais.Identificou também “falta de documentação clínica nos casos tratados” e de registos biométricos de entradas e saídas de profissionais de saúde necessários para a realização destes procedimentos”, confirmando a “a ineficácia dos mecanismos de controlo interno da cirurgia de ambulatório em produção adicional” nesta unidade uma vez que “não foram identificadas as irregularidade ocorridas, nem foram emitidos alertas aos diferentes órgãos de gestão sobre os elevados valores processados aos profissionais”. Médico codificou 351 cirurgias que realizouA inspeção recorda que o primeiro alerta de irregularidades surgiu em 2022, “por parte da pessoa responsável pela administração da área, relativamente a desvios na produção cirúrgica adicional no Serviço de Dermatologia”. No entanto, “relativamente à atividade do médico visado não foi efetuado qualquer sinal de alarme, nem à quantidade, nem aos valores pagos e recebidos, embora tal fosse sempre do conhecimento do diretor do serviço”.Em julho de 2024, e na sequência da identificação de um valor elevado pago ao médico visado, “o Conselho de Administração (já liderado pelo atual presidente, Carlos Martins) questionou o Serviço de Gestão de Recursos Humanos, que justificou a legalidade do mesmo”. E a 14 de novembro de 2024, o mesmo CA, “suportado na informação mensal do Serviço de Gestão de Recursos Humanos, relativa aos pagamentos realizados em produção adicional (‘top’ vinte de profissionais de saúde), reportada a outubro de 2024, deliberou considerar para pagamento às equipas cirúrgicas apenas o preço para o nível de severidade 1 do respetivo GDH. As cirurgias em produção adicional foram ainda restringidas às situações oncológicas e o valor pago do GDH à equipa baixou de 55% para 45%”. A IGAS apurou ainda que “as propostas cirúrgicas não foram inseridas no Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia aquando da realização da consulta, sendo registadas apenas em suporte de papel, o que adulterava a lista de inscritos para cirurgia, pois esta não refletia a antiguidade”. Segundo a IGAS, “o médico visado emitiu e aprovou 450 propostas cirúrgicas e emitiu, aprovou e codificou o mesmo ato cirúrgico em 356 episódios”. Numa tentativa de parar com este processo, em 2024, “o Conselho de Administração determinou a cessação da prática de codificação dos próprios processos em todos os serviços, a fim de assegurar a segregação de funções”. Foi ainda confirmado que Miguel Alpalhão recebeu 714.176,42 euros com a produção adicional em dias de descanso semanal ou de compensação de feriado, durante dois anos, tendo ainda marcado “consultas de dermatologia para os pais, sem que existisse referenciação prévia”, elaborando ele próprio “as propostas cirúrgicas e realizando-as”, o que levou o CA a instaurar-lhe o processo disciplinar, que ainda decorre. .Dermatologia. IGAS arquiva processo disciplinar a médico de Santa Maria mas envia pagamentos para Ministério Público