Ordem desafia IGAS a fazer alerta público sobre estado das urgências

Em causa está um caso que data de junho, quando uma grávida perdeu um bebé no Hospital das Caldas da Rainha, no distrito de Leiria.

A Ordem dos Médicos desafiou esta sexta-feira a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) a juntar um alerta público sobre o estado das urgências em Portugal ao inquérito que pondera abrir sobre o caso do Hospital das Caldas da Rainha.

"É importante que a IGAS vá para além disso [a possibilidade de instaurar um inquérito e um processo disciplinar a dois profissionais de saúde] e verifique exatamente o que está a acontecer nos serviços de saúde e ela própria alerte, publicamente, para esta situação. O que está a acontecer nas urgências é extremamente grave", disse o bastonário da Ordem dos Médicos (OM), Miguel Guimarães.

Em causa está um caso que data de junho, quando uma grávida perdeu um bebé no Hospital das Caldas da Rainha, no distrito de Leiria.

Numa conferência de imprensa no Porto sobre o regulamento da "Constituição das Equipas Médicas nos Serviços de Urgência", o bastonário da OM disse que "se a IGAS resolveu fazer um inquérito tem toda a liberdade para o fazer", mas desafiou a entidade a ir mais longe.

"Mas também era importante que a inspeção averiguasse as condições do que está a acontecer no Serviço Nacional de Saúde (SNS)", disse Miguel Guimarães, adiantando que a própria OM pode vir a fazer uma auditoria a esse caso, algo que "vai ser avaliado".

"Toda a gente fala da responsabilidade dos médicos e ninguém fala da responsabilidade dos políticos", concluiu.

Ao lado de Miguel Guimarães, o presidente do Conselho Regional do Sul da OM, Alexandre Valentim Lourenço, disse que o caso de Caldas da Rainha "demonstra a necessidade de existirem regras nas urgências e para constituição das equipas de urgência".

"A falta de assistência é porque não havia o número de profissionais", referiu.

A IGAS admitiu hoje que a médica de ginecologia/obstetrícia que assistiu a grávida que em junho perdeu o bebé no Hospital das Caldas da Rainha pode ter "violado os deveres funcionais" e recomendou um processo disciplinar.

Em comunicado, a IGAS diz que, devido à natureza do vínculo laboral da médica (contrato individual de trabalho) não tem essa competência e, por isso, recomendou ao Conselho de Administração do Centro Hospitalar do Oeste (CHO) E.P.E. a abertura de um processo disciplinar.

Contudo, explica, "a peritagem médica realizada pelo médico especialista nomeado pela IGAS não conclui, de forma clara e segura, pela existência de possível nexo de causalidade entre a atuação da médica assistente hospitalar e o desfecho que veio a ocorrer".

A Inspeção Geral da Saúde diz ainda que abriu um processo disciplinar à trabalhadora que, de início, entre as 01:00 e as 01:15 do dia 9 de junho, recusou a inscrição da grávida "sem ter solicitado ao médico em funções como 'chefe de banco' a avaliação do estado clínico da utente".

"A mesma só seria admitida e observada no Serviço de Urgência, na sequência de uma intervenção dos trabalhadores do CODU [Centro Operacional de Doentes Urgentes] realizada à 01:44 junto desse responsável", acrescentou a IGAS.

Ordem dos Médicos vai levar regulamento sobre urgências a Assembleia de Representantes

O bastonário da Ordem dos Médios (OM) avançou que vai levar o regulamento sobre constituição de equipas médicas nos serviços de urgência a Assembleia de Representantes, considerando que o parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) é "complexo".

"O que a OM está a fazer é legal e a ordem vai prosseguir este trabalho. Este regulamento vai ser levado à Assembleia de Representantes", disse Miguel Guimarães numa conferência de imprensa no Porto, referindo que este é um órgão estão representados todos os médicos através de todas as sub-regiões do país, incluindo Madeira e Açores.

Miguel Guimarães comentava o parecer do Conselho Consultivo da PGR que considera que a OM não pode aprovar de forma unilateral e vinculativa o regulamento para constituição das equipas nos serviços de urgência, por abranger matérias que exorbitam as suas atribuições.

"Os médicos de todo o país vão decidir se deve ou não deve existir este tipo de orientação para toda a saúde em Portugal, seja para o setor público, seja para o setor privado", sublinhou o bastonário da OM.

Na quinta-feira foi tornado público, através de um parecer publicado em Diário a República, que a PGR considera que a OM não pode aprovar de forma unilateral e vinculativa o regulamento para constituição das equipas nos serviços de urgência.

O parecer foi pedido pelo Ministério da Saúde e nele lê-se que o regulamento "versa sobre especialidades e competências médicas, motivo pelo qual a sua eficácia jurídica se encontra condicionada" pela aprovação da ministra da Saúde.

Em outubro de 2021, a OM fez publicar em DR, para efeitos de consulta pública, uma proposta de regulamento para "Constituição as Equipas Médicas nos Serviços de Urgência".

Hoje, Miguel Guimarães começou por dizer que a totalidade do parecer não corresponde ao que foi divulgado na quinta-feira "porque as pessoas só leem as conclusões" e fez críticas à atuação da ministra da Saúde, Marta Temido, por "estar mais preocupada com estas questões do que em resolver os problemas".

"A situação mais complexa que este parecer tem é dar a oportunidade a cada administração hospitalar, de forma discricionária, de definir as equipas tipo dos Serviços de Urgência. A existência de regras está consagrada neste parecer da PGR. Eles dizem, por um lado, que cada administração pode fazer aquilo que entender, mas mais à frente dizem que devem existir normas e que a Ordem tem poder regulamentar", referiu Miguel Guimarães.

Ao lado de três presidentes dos conselhos regionais da Ordem dos Médicos, o bastonário lembrou que a OM tem "dezenas ou centenas" de orientações emitidas com a Direção Geral da Saúde, as quais, frisou "têm muito impacto".

"Estranhamos que a senhora ministra tenha esta grande preocupação num momento de crise, quando a grande preocupação dela devia ser implementar rapidamente medidas estruturais que permitam resolver os problemas que existem no país", apontou Miguel Guimarães.

Questionado sobre os efeitos práticos de levar o regulamento à Assembleia de Representantes, Miguel Guimarães admitiu que este, sendo aprovado nesse órgão da OM, não vincula as administrações dos hospitais ao documento, mas reafirmou a "missão" da Ordem dos Médicos.

O presidente da Secção Norte da OM, António Araújo, disse que "as leis competem ao Ministério da Saúde", mas frisou que "este parecer incorre em vários erros de apreciação" e que o problema central "não é jurídico".

O presidente do Conselho Regional do Sul, Alexandre Valentim Lourenço, defendeu que a OM "tem toda a capacidade técnica" e que a ausência de normas e regulamentos cria "um vazio completo".

O presidente da Secção Centro, Carlos Cortes, procurou alertar que "o problema das urgências não é um problema de férias dos médicos", pelo que teme meses piores daqui em diante, acrescentando que "nada está a ser preparado para o impacto do inverno".

Sobre o regulamento elaborado pela OM, a proposta apontava a definição da constituição das equipas de urgência médicas das diferentes especialidades e tipos de urgência, fixando, em especial, o número mínimo de médicos especialistas e internos em cada equipa e o grau de disponibilidade de cada elemento da equipa, bem como as condições da presença de internos nas escalas e do exercício de funções de chefe de equipa.

Por considerar a proposta ilegal, e uma vez que a OM discordava deste entendimento, o Ministério da Saúde solicitou um parecer ao Conselho Consultivo da PGR.

No parecer, o Conselho Consultivo diz que o projeto de regulamento "versa sobre especialidades e competências médicas, motivo pelo qual a sua eficácia jurídica se encontra condicionada pela aprovação da ministra da Saúde".

Refere ainda que a ministra da Saúde pode recusar a aprovação do regulamento "depois de verificar que as suas normas se revelam ilegais, como, em concreto, sucede".

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