Na entrevista dada ao DN/TSF, na última semana, o bastonário dos médicos, Carlos Cortes, assumiu que “é agora ou nunca” que se pode avançar com “uma reforma” na Saúde e com o foco na fixação dos profissionais no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Anunciou mesmo que a instituição a que preside tinha um documento preparado para entregar à ministra da Saúde, Ana Paula Martins, e aos deputados da Assembleia da República. O objetivo é que este “documento seja discutido no âmbito da especialidade do Orçamento do Estado para 2025” para ver se é possível a integração de algumas medidas. .Carlos Cortes explicou, na altura, que este documento surge também porque “a Ordem dos Médicos (OM) quer assumir um papel em que não denuncia só problemas, mas apresenta também soluções”. E o DN sabe que o documento foi ontem enviado à tutela e ao Parlamento, para depois, e se assim o entenderem os deputados, poder ser discutido em comissão de especialidade. Entre as propostas, à cabeça, “a criação de uma nova carreira médica”..Na nota introdutória, a Ordem faz questão de sublinhar que “o SNS enfrenta hoje um período vital para a sua subsistência perene como instrumento estruturante e basilar do nosso Estado Social, da igualdade de oportunidades e da qualidade de vida dos portugueses”, criticando o facto de “a proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2025”, apesar de incluir um “aumento da dotação orçamental no Setor da Saúde”, não ser “acompanhada de compromissos claros quanto à viabilidade financeira de medidas e de respostas de que o SNS carece”..Por isto, a OM decidiu avançar com este documento num “sentido construtivo e cooperante entre todos os agentes e decisores políticos”, propondo “quatro medidas necessárias para o desenvolvimento futuro do SNS”, que vão desde “a prestação qualificada de cuidados de saúde até à promoção da saúde”..Mais meios, recursos e vantagens. A primeira medida do documento vai para a criação de um “plano de atração e fixação de médicos no SNS e nas outras entidades do setor público”, o qual deveria ser aprovado pelo Governo logo no primeiro trimestre de 2025. Esse plano, definido pela OM, integra 12 pontos e contempla mais “meios, recursos e óbvias vantagens” para os médicos “face a outras propostas e alternativas de carreira”..A “valorização das condições de trabalho dos médicos pela melhoria remuneratória e a criação de uma Nova Carreira Médica, prevendo regime especial para determinados territórios, em função de classificação geral a estabelecer das unidades de saúde do SNS por grau de carência de médicos, que lhes confira mais atratividade” é a medida que aparece à cabeça. Uma nova carreira que “integre todos os médicos , independentemente do setor público em que estes trabalhem”, explicaram-nos. .Mas não só. A Ordem pede ainda que seja criado um “fundo de Apoio para a Formação Médica Contínua, abrangendo médicos de todas as especialidades, e atendendo às necessidades específicas e de formação diferenciada do Internato Médico”..Do ponto de vista dos cuidados, a OM propõe “a criação e disponibilização, a todos os médicos, de um sistema de apoio à decisão clínica (plataforma informática credenciada e reconhecida, com informação técnico-científica e médica, para auxiliar os médicos na tomada de decisões no diagnóstico e no tratamento aos doentes)”..No que toca à satisfação de algumas reivindicações dos profissionais, e até dos sindicatos da classe, a Ordem assume ser necessária a criação de uma “bolsa de horas remuneradas para investigação, com cobertura nacional”, bem como com o pedido de “reconhecimento do estatuto de desgaste rápido mediante a criação de um regime para a atividade médica” - que é, defende, “praticada em especiais condições de exigência”. O objetivo da medida é que se olhe para a carga horária e para a pressão existente na prestação de cuidados e que delimite estes aspetos “em função de critérios técnicos, mediante atribuição progressiva de bonificações no tempo de descanso e férias, e no regime de reforma”. .Apoios à habitação e a criação de uma rede de infantários.Com o objetivo de levar os médicos até às zonas onde fazem mais falta, a OM propõe “um programa de apoio à habitação em articulação com as autarquias, mediante a disponibilização de fogos habitacionais e atribuição de subsídio especial à renda”. Avança ainda com a criação de “uma “rede de infantários, creches e centros de atividades de tempos livres para filhos de médicos e outros profissionais de saúde”. .O documento não esquece os médicos formados ou a exercer no estrangeiro que queiram voltar ao país e propõe um “programa de apoio” para estes, que inclua “medidas de simplificação administrativa, incentivos fiscais e financeiros e o acesso imediato ao Programa Regressar”..A nível da gestão, a OM considera que será benéfico o “alargamento, a todo o SNS, do modelo de Centros de Responsabilidade Integrados (CRI) para melhorar o acesso dos doentes aos cuidados de saúde e os resultados dos cuidados”, mas “instituindo-se uma Comissão Técnica de Apoio e Acompanhamento com o objetivo de dinamizar e monitorizar com eficiência todo o processo”. .Por outro lado, defende também a universalização do modelo das Unidades de Saúde Familiar (USF) “a todo território com o acompanhamento e apoio da Equipa Nacional de Apoio (ENA)”, defendendo ainda a “adoção de modelos de gestão equiparados aos CRI e USF, com incentivos institucionais e financeiros”, para as outras áreas do setor público que incluam a profissão médica..Neste plano, que a Ordem considera que poderá ajudar a fixar profissionais, é defendido o “aprofundamento da regulamentação de proteção do Ato Médico e da segurança clínica dos doentes, no contexto das opções de gestão, organização e prestação dos cuidados, inibindo a sua prática por outros profissionais não-habilitados”. .Não satisfeita com as alterações que foram feitas ao exercício da sua atividade no novo Estatuto das Ordens Profissionais, a OM pede a “reposição das condições para exercício de funções nos órgãos da Ordem dos Médicos, salvaguardando a sua plena intervenção e contributo para a qualidade dos cuidados de saúde prestados no SNS”. .Atividade das ULS precisa de acompanhamento.A nova organização do SNS em Unidades Locais de Saúde (ULS) está definida no Decreto-Lei n.º 102/2023, de 7 de novembro. E a este a OM pede que seja aditado, no artigo n.º 18, a criação de uma “Comissão de Monitorização e Acompanhamento das ULS”, embora o processo de implementação das ULS seja da competência da DE-SNS..O objetivo, segundo a OM, é que esta comissão preste “apoio técnico às ULS, desenvolvendo e promovendo boas-práticas de gestão, governação clínica e de saúde, elaborando pareceres e orientações, e disponibilizando plataformas de informação de suporte”..A Ordem defende ainda relatórios de monitorização semestral com incidência na eficiência, nomeadamente nos seguintes indicadores: “eficiência dos processos e utilização dos recursos da organização, modo como os cuidados de saúde são utilizados e a sua acessibilidade para os utentes; qualidade e segurança dos serviços prestados e satisfação e experiência geral dos utentes com os serviços prestados.”. De acordo com a proposta da OM, esta comissão deverá ser composta por “um coordenador e uma equipa técnica com reconhecida experiência nas áreas de gestão, governação clínica e de saúde, designada por despacho do diretor executivo da DE-SNS”. .Estratégias para travar assédio e violência.No documento entregue, a OM pede ao Governo que assuma compromissos estratégicos quer para a literacia, prevenção e formação em saúde, quer para a sensibilização e prevenção de situações de assédio e violência em contexto laboral..Em relação ao primeiro ponto é realçado que a promoção de programas na área da “literacia e formação em saúde” tem em vista a “tomada de decisões mais informadas” e “o incentivo a hábitos de vida saudáveis e bem-estar desde a infância e ao longo da vida”..Sobre o segundo ponto, é pedido ao Governo que desenvolva já no próximo ano uma “estratégia integrada de sensibilização, prevenção e apoio nas situações de assédio ou violência em contexto laboral, adequadamente financiada, promovendo os instrumentos necessários de apoio, informação e de investigação sobre o tema, em função das diferentes realidades profissionais, valorizando o papel da Saúde Ocupacional e tratando, especialmente, a dimensão da saúde mental dos trabalhadores”. .Depois da entrega deste documento, como referiu ao DN o bastonário Carlos Cortes, a Ordem disponibiliza-se para o discutir com os agentes que o entenderem.