"Processo estava morto e foi trazido à vida". Sócrates apresenta queixa contra o Estado no Tribunal Europeu
Mário Vasa / Global Imagens

"Processo estava morto e foi trazido à vida". Sócrates apresenta queixa contra o Estado no Tribunal Europeu

Alegou um "lapso de escrita" que serviu para "manipulação do prazo de prescrição" como uma das razões para apresentar a queixa no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. "Foi a gota de água", afirmou
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O antigo primeiro-ministro, José Sócrates, apresentou esta terça-feira, 1 de julho, uma queixa contra o Estado português no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos ((TEDH) sobre a Operação Marquês, na qual é um dos arguidos, processo que se arrasta há mais de 10 anos.

Em conferência de imprensa, em Bruxelas, ladeado pelo advogado Christophe Marchand, alegou "lapso de escrita" que serviu para "manipulação de prazos" como uma das razões que o levou a apresentar a queixa contra o Estado português.

"Gostaria de recordar que em 2021 o Tribunal de Instrução considerou todas as alegações do processo Marquês como fantasiosas, incongruentes e especulativas, todas elas, foi essa a decisão do juiz Ivo Rosa, uma decisão instrutória de sete mil páginas. Considerou todos os crimes da acusação estavam prescritos", começou por dizer.

"Quatro anos depois um Tribunal da Relação, com três juízas do Tribunal da Relação inventaram um lapso de escrita, mudaram o crime da acusação e manipularam o prazo de prescrição", acusou Sócrates. "O processo estava morto e foi trazido à vida por um lapso de escrita", acrescentou.

Para José Sócrates, “lapso de escrita” é “uma artimanha que serviu apenas para manipular os prazos de prescrição e querer levar o caso a julgamento, como pretendem. É um expediente".

“Foi a gota de água que me levou a decidir por uma queixa no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. É demais”.

"Processo estava morto e foi trazido à vida". Sócrates apresenta queixa contra o Estado no Tribunal Europeu
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Segundo Sócrates, o processo Marquês "teve três acusações diferentes, uma em 2017 de corrupção para ato licito" e, depois, em 2021, o "juiz Ivo Rosa fez uma pronúncia de corrupção sem ato, foi julgada ilegal e ilegítimas". "Finalmente, em 2024, o Tribunal da Relação com base num lapso de escrita muda tudo para corrupção para ato ilícito. Com que objetivo? O de manipular o prazo de prescrição", enfatizou.

O antigo primeiro-ministro recordou o que diz a "Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que, no fundo identifica os direitos que todos nós temos": "Qualquer acusado tem o direito de ser informado no mais curto espaço de tempo da natureza e da causa contra ele formulada".

E concluiu: "Nunca tive este direito. Nunca fui informado no mais curto espaço de tempo da natureza e da causa contra mim formulada. Pelo contrário, demoraram quatro anos a mudar a natureza da causa como se isso fosse aceitável e como se isso fosse possível e legal, o que não é".

Sócrates fala em “mentira a que se seguiu nova mentira" e "campanha de difamação" no processo Marquês

Sócrates afirmou que, apesar de recusarem o seu recurso, "vão ter de o aceitar".

Além do "lapso de escrita", o antigo governante apontou mais duas razões para apresentar queixa contra o Estado no TEDH, mais concretamente o direito que disse que foi sonegado de a conduta do antigo primeiro-ministro ser avaliada por um “tribunal previsto na lei”.

Afirmou que em 2014, o "Tribunal de Instrução Criminal manipulou a distribuição do processo Marquês". "Não houve sorteio nem a distribuição foi presidida por um juiz. Foi assim que começou o processo Marquês, com a falsificação da escolha do juiz Carlos Alexandre", declarou.

De acordo com José Sócrates, "este foi o primeiro tribunal Ad hoc criado pelo Estado português". "Um tribunal que foi manipulado para me perseguir e para não me garantir que o juiz estava acima das partes, mas pelo contrário o juiz estava ao lado da acusação. Isto foi em 2014", lembrou para dizer que "dez anos depois fizeram o mesmo".

"Só as ditaduras escolhem juízes para processos", disse, reiterando críticas ao sorteio dos juízes no processo Marquês.

O antigo secretário-geral do PS teceu ainda críticas ao Conselho Superior da Magistratura que acusa de estar a fazer um controlo administrativo do processo Marquês. "Nos últimos meses, decidiram criar um grupo de trabalho de acompanhamento do processo Marquês. Pela primeira vez em Portugal um processo criminal tem uma tutela administrativa que vigia o processo", criticou.

“Há dez anos que formam tribunais especiais que não estão previstos na lei”, sustentou.

O último argumento que José Sócrates utilizou para apresentar a queixa contra o Estado português foi o que apelidou de uma “campanha de difamação” promovida pelos órgãos de comunicação social: “O jornalismo português nunca foi isento neste caso.”

"Durante 10 anos, as autoridades promoveram uma formidável campanha de difamação com base no segredo de justiça. As autoridades forneciam clandestinamente as informações e o jornalismo apresentava-as como factos. Não como alegações, mas como factos", defendeu. Considerou que "dez anos depois tudo continua igual: a mesma campanha (...)".

"Para as autoridades portuguesas não existe presunção de inocência", acrescentou José Sócrates, argumentando que esta foi também uma das razões que o motivou a apresentar a queixa contra o Estado.

O antigo primeiro-ministro e antigo secretário-geral socialista acrescentou que houve “mentira a que seguiu nova mentira” e “tem agora a trapaça do lapso de escrita”.

“O processo Marquês já teve de tudo […], este é esplêndido processo Marquês, isto é o que me leva a apresentar uma queixa” no TEDH, concluiu o antigo primeiro-ministro na declaração que fez.

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Operação Marquês: José Sócrates e Santos Silva vão a julgamento por três crimes de branqueamento de capitais

"Se houver julgamento, eu vou"

O antigo primeiro-ministro garantiu ainda que estará presente em tribunal se o julgamento do processo Operação Marquês começar na quinta-feira, advogando que “não tem pronúncia, nem tem acusação”.

“Com certeza que comparecerei. Se houver julgamento, eu vou”, disse José Sócrates, em conferência de imprensa, em Bruxelas, no âmbito de uma queixa apresentada contra o Estado português no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH).

“Mas pode ser que não haja” julgamento, completou o antigo primeiro-ministro.

José Sócrates explicou que o move a avançar com uma ação contra o Estado português é uma “violação do Estado de direito”.

Na ótica do antigo primeiro-ministro, o processo Operação Marquês, que está a arrastar-se há 14 anos, “é um julgamento por lapso de escrita”. “Não tem pronúncia, nem acusação”, sublinhou.

O Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) determinou a 11 de junho passado a ida a julgamento do antigo primeiro-ministro José Sócrates e do empresário Carlos Santos Silva por três crimes de branqueamento de capitais.

Para o tribunal, “há consistentes indícios” que demonstram que Carlos Santos Silva foi a pessoa nomeada por José Sócrates” para movimentar o dinheiro entre 2011 e 2014 para as contas do antigo primeiro-ministro.

Este processo foi separado do processo principal da Operação Marquês, tendo a juíza de instrução entendido que, uma vez que os crimes em causa são praticados em coautoria com arguidos que estão no processo principal da Operação Marquês, o mesmo deve ser anexado ao julgamento que tem data de início marcada para 3 julho (quinta-feira).

Com Lusa

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Breve história do Processo Marquês escrita no dia em que faz 10 anos

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