As utentes da Península de Setúbal foram das mais penalizadas com os encerramentos das urgências na área de Ginecologia-Obstetrícia durante este verão. Dias houve em que as três urgências (Almada, Barreiro e Setúbal) encerraram portas em simultâneo e as utentes tiveram de ser deslocadas para Lisboa ou para Cascais. O motivo que sempre justificou os fechos era a falta de recursos humanos em cada uma das unidades. Ao ponto de a Comissão da Saúde da Mulher, da Criança e da Adolescência, coordenada por Caldas Afonso, ter apresentado à tutela uma solução que envolve a concentração de recursos através da criação de uma Urgência Regional. Ou seja, uma urgência que passaria a funcionar no Garcia de Orta, já que é considerada unidade mais diferenciada, com o reforço de equipas do Barreiro. Segundo anunciou a própria ministra da Saúde, os especialistas do Barreiro iriam reforçar a urgência de Almada, enquanto os de Setúbal mantinham a porta aberta para toda a zona do concelho que vai até ao litoral alentejano. As reações ao anúncio da Urgência Regional não se fizeram esperar. A presidente da Federação Nacional dos Médicos disse ao DN que tal era uma forma de “acabar com cuidados de proximidade” e que uma “urgência regional não é a mesmo coisa que uma urgência metropolitana”. Depois, chegou a notícia de que os especialistas do Barreiro iriam ser mobilizados “à força” por um despacho do ministério (a ministra desmentiu tal situação). E, por fim, parece que a unidade do Barreiro não tem sequer elementos suficientes para reforçar a urgência de Almada.Perante esta situação, o DN questionou as três Unidades Locais de Saúde que integram os hospitais Garcia de Orta, em Almada, Nossa Senhora do Rosário, no Barreiro, e São Bernardo, em Setúbal, sobre o número de especialistas nos quadros na área da Ginecologia-Obstetrícia, quantos destes fazem urgência ou estão dispensados pela idade ou outras situações, como são formadas as equipas e de quantos precisariam, efetivamente, para manter as urgências abertas durante as 24 horas sete dias por semana, e ainda se contratavam tarefeiros e quantos? O pedido foi enviado há mais de uma semana, e com vários alertas para a urgência da resposta, mas até à hora do fecho deste trabalho não nos foi dada qualquer resposta. .Ministra confirma que urgência regional para Ginecologia-Obstetrícia na Península de Setúbal avança em breve. Junto da Direção Executiva percebemos que tais dados são da competência das unidades, mas nada, apesar de não ser informação sigilosa. Junto da Ordem dos Médicos, o DN soube que até esta semana estavam inscritos no Colégio da Especialidade 1937 médicos, menos do que em abril, em que o número de inscritos era de 1960. No entanto, a instituição não sabe quantos destes estão reformados, trabalham no SNS ou se estão fora do país. Em abril, o DN publicou um trabalho em que a Direção Executiva do SNS reconhecia a falta de especialistas nesta área, confirmando que do total de inscritos no Colégio da Ordem só 748 é que trabalhavam no SNS. Nesta altura, não se sabe se são menos ou mais.A verdade é que as urgências de Ginecologia-Obstetrícia da região de Setúbal continuam a encerrar em simultâneo, a última vez aconteceu há 15 dias. Mas sem se saber quantos médicos existem, de facto, em cada um dos serviços e quantos seriam precisos para manter uma urgência 24 horas. Até à data, a única exceção no número de especialistas é o Hospital do Barreiro, já que a Fnam avançou na semana passada de que o serviço oito especialistas, seis dos quais com mais de 55 anos e dispensados de fazer urgência, os outros, referiu o sindicato, terão afirmado que se tiverem de ir fazer urgência ao hospital de Almada “rescindem o contrato”.Rácio das equipas de urgência é adaptado ao número de nascimentos Ao DN, o coordenador da Comissão Nacional da Saúde da Mulher, Criança e da Adolescência (CNSMCA), que tem vindo a desenhar a reforma do funcionamento dos serviços e das urgências nestas área, critica o facto de as unidades não divulgarem tais dados. “Porque é que não o fazem? Têm medo de quê? A própria Direção Executiva deveria ter esses dados compilados”, afirma. E refere que, de acordo com a informação que têm e que serviu de base ao desenho da concentração de recursos, “o Hospital do Barreiro tem 11 especialistas e sete internos e seis dos médicos estão em regime de Dedicação Plena. A questão é que regime implica um aumento de 30% no vencimento, mas os profissionais também têm de ter uma maior disponibilidade para o serviço em urgência”..Já nasceram 57 bebés em ambulâncias, mas urgência regional de Ginecologia-Obstetrícia na Margem Sul divide médicos. No entanto, salvaguarda, que com isto “não estou a dizer que, no caso do Barreiro, a unidade não tem falta de recursos ou até mesmo no caso do Garcia de Orta, o que quero dizer é que se houvesse boa vontade dos hospitais, as equipas existentes num e noutro, eram suficientes para manter a urgência aberta 24 horas por dia”. Caldas Afonso critica assim as reações que já foram anunciadas sobre o facto de a criação de uma urgência regional com concentração de recursos não ser bem aceite na região. E, mais uma vez, relembra, “desde 1990 que existem urgências metropolitanas no Porto. Neste momento, existem nove, eu tenho três equipas do meu hospital (Santo António) a irem fazer urgência ao São João, temos equipas do hospital de Penafiel a irem fazer urgência ao Porto, ainda é mais longe do que o Barreiro de Almada, e não me parece que o país seja assim tão grande e tão diferente que uma solução funcione numa região e noutra não”.O médico destaca ainda que “bastava uma ou duas equipas do Barreiro a reforçar a urgência de Almada para que os utentes da região tivessem sempre uma porta aberta”, argumenta. Segundo explicou também, a composição das equipas nas urgências de Ginecologia-Obstetrícia é definido de acordo com o número de partos. “O rácio das equipas é adaptado ao número de nascimentos, porque, como imagina, um hospital que tem um histórico de 2000 ou 2500 partos ao ano, não é o mesmo de um que tem menos de mil. Mas há rácios que definimos como mínimos que não colocam em causa a segurança da mãe e do recém-nascido”, afirma. “Vamos imaginar que para esta tipologia o rácio mínimo era de dois especialistas e dois internos, mas que, por qualquer motivo, um adoece e ficam só três médicos. Obviamente que estes não conseguem ter a mesma produção do que se estivessem os quatro, mas, se calhar, o serviço não tem de fechar”, sustenta Caldas Afonso destaca ainda que no país existem vários serviços de urgência que mantém abertos com dois especialistas: “Bragança tem um especialista no quadro, tens dias que funciona com dois, há dias que estão de chamada, e não fecha a urgência”.Em relação à Península de Setúbal, o coordenador salienta o trabalho dos especialistas de Setúbal que tem quase tantos especialistas como o Barreiro e não fecha a urgência, e tem uma área de influência que vai até ao litoral alentejano. Só fecha quando os outros dois hospitais fecham e o serviço não pode responder a todas as situações”.A criação de uma Urgência Regional está também a ser contestada pela Comissão de Utentes de Serviços Públicos do Barreiro, que se manifestou ao final da tarde desta quinta-feira em frente ao hospital. A Fnam juntou-se aos protestos, porque, e como referiu ao DN a presidente Joana Bordalo e Sá, “o que estão a tentar fazer é acabar com os cuidados de proximidade à população desta região”.