João, Beatriz, Ana Luísa, Mafalda, Catarina e Patrick têm todos algo em comum: a opção pela enfermagem. Para uns ficou definida logo em criança, para outros já depois de terem experimentado outros cursos, como Engenharia Biomédica, mas, dentro de pouco tempo, todos terão o título de Enfermeiro e poderão vir a integrar os quadros da Unidade Local de Saúde de São José (ULSSJ), em Lisboa. Pelo menos, no que depender deles. Alguns já ali fizeram ensinos clínicos (estágios) e sabem ao que vão, outros vieram porque querem mesmo iniciar carreira numa das maiores “unidades do país”.Mas essas convicções não são assim tão fortes para todos os que terminam o curso nas muitas escolas de enfermagem do país e estão prestes a entrar no mercado de trabalho. Por isso mesmo, hoje, e com a falta de enfermeiros no Serviço Nacional de Saúde (SNS) - cerca de 13.700, segundo um estudo do PlanApp, organismo do Estado, e cerca de 300 na própria ULSSJ - as estratégias de recrutamento têm de ser criativas. E os Open Days já fazem parte destas. Ou seja, as unidades abrem as portas dos vários serviços para que os jovens profissionais possam ver in loco as condições, falar com as equipas e saber o que há para lhes oferecer. Foi assim esta semana no Salão Nobre do Hospital de São José - noutros tempos conhecido pela Sala das Esferas, onde entre os finais dos séculos XVI e XVIII se ensinava Cosmografia aos novos navegadores, que escolhiam formar-se no então Colégio Jesuíta de Santo Antão..Quem ali estava, naquela tarde, estava para ouvir. Inicialmente, havia 60 inscrições, compareceram 50 - quase só mulheres, apenas três homens -, mas sempre foi assim na enfermagem. As boas-vindas foram dadas pela enfermeira diretora, Maria José Costa Dias, que ao falar da sua experiência dá um conselho: “Não tenham a tentação de começar pelas áreas mais complexas, como as urgências”, diz, perguntando mesmo se alguém já tinha estagiado nesta área. Na sala, levantam-se alguns braços, outros riem-se, porque já o tinham pensado.A atividade nas urgências está no topo da lista de opções dos jovens profissionais. Que o digam Beatriz, Catarina e Patrick, que já decidiram ser esta a área em que querem iniciar a profissão. “Apesar da complexidade, o importante é que comecemos a trabalhar numa área em que sejamos felizes. Não temos de ir para uma menos complexa, mas onde somos menos felizes. Se estivermos onde gostamos, tudo será mais fácil, mesmo que seja super complicado”, argumenta Catarina. Para ela, a decisão está tomada, e espera mesmo que a possa concretizar em São José.Mas a área em que podem iniciar carreira não é o único critério que conta para a escolha da unidade onde vão começar a trabalhar. Para esta decisão, que muitos consideram “corajosa”, entram outros fatores de ponderação, como “equipas seniores que permitam boa formação e que tenham bom ambiente”, “a proximidade de casa”, “flexibilidade nas escolhas das áreas e dos horários, e depois o ordenado”. Para começar, e como lhes foi explicado por Maria José Costa Dias, têm direito a um contrato individual de trabalho por tempo indeterminado, após um período de 180 dias - ou seja, o lugar nos quadros, realidade bem diferente da de há 15 anos, quando a classe, pela falta de emprego, foi convidada a emigrar. O ordenado é o que está definido na carreira de enfermagem, 1547,83 euros ilíquidos, ao qual podem ser acrescentadas mais verbas por turnos noturnos ou extra.A enfermeira diretora pergunta-lhes se há dúvidas. Não há. Muitos já sabem tudo isto, mas, mais tarde, explica ao DN: “É importante deixar estas questões esclarecidas desde o início, porque cada vez mais as novas gerações valorizam o bem-estar - o pessoal e o da família - e isto é algo com que a Saúde tem de aprender a lidar.”. Da Engenharia Biomédica para a Enfermagem e para o BlocoJoão, Beatriz, Ana Luísa, Mafalda, Catarina e Patrick têm em comum o início de uma carreira na Enfermagem, mas o caminho que cada um percorreu para ali chegar não foi igual. Que o diga João Lopes, de 27 anos, que começou por acreditar que o curso de Engenharia Biomédica era aquele que o faria feliz, mas, depois, percebeu que não, e o que queria era Enfermagem. João está a terminar o curso. “Está quase, faltam-me três semanas”, diz satisfeito. É de Lisboa e tem feitos os estágios na capital. Neste momento, está numa das nove unidades que integram a ULSSJ, o Hospital Curry Cabral, em Cirurgia. E se foi ao Open Day foi porque a diretora do serviço onde está o aconselhou a ir e a perceber o que tinham para oferecer. Portanto, já sabia ao que ia, como também já sabe a área que quer: “Bloco Operatório”. “Mas essa é uma das áreas complexas”, dizemos nós. João ri-se. “Pois é, mas há muito que me interesso por ela e que a investigo. O tempo de integração vai passar rápido”, ri-se ainda.Foi a dois Open Days, ambos na ULSSJ, porque “é aqui que quero ficar”, assume. Para ele, o critério principal para a escolha “são as condições em que trabalhamos, sobretudo as equipas; se estamos numa equipa recetiva e com bom ambiente, aprendemos muito”. E está ali para isso, diz, já que o que o levou para a enfermagem “foi o poder fazer a diferença no tratamento de uma pessoa, vermos a sua evolução, conseguir estar lá nessa fase da sua vida”.. “Foi a minha mãe que achou que tinha vocação”Beatriz Ribeiro, de 21 anos, conta que estar a iniciar carreira como enfermeira não era algo que tivesse planeado em pequena ou até por ela própria. “Na verdade, foi a minha mãe que, por me conhecer bem, achou que eu tinha vocação para a enfermagem. E quando chegou a altura de me candidatar à faculdade falou-me nesta ideia.”A mãe de Beatriz “não é enfermeira”. “Nem sequer tenho ninguém na família que o seja, mas em diversas ocasiões da vida a minha mãe teve contacto com serviços hospitalares e com o trabalho dos enfermeiros e achou que seria algo bom para mim. Decidi experimentar e quando iniciei os estágios percebi que era mesmo isto que tinha de fazer”, explica.Beatriz é de Lisboa, tirou o curso na capital e os estágios fê-los quase todos na ULSSJ, por opção. “Tenho-me sentido confortável com a forma como trabalham nesta ULS, com a sua organização de serviços, sobretudo aqui em São José”. E também é das que já sabe o quer: “Urgência. Foi lá que fiz o meu estágio de integração na vida laboral, quatro meses, e sinto que já conheço a equipa e como funciona, e gosto muito. São colegas com muitos anos de profissão, muita experiência, que nos sabem transmitir os seus conhecimentos. E isto não acontece em todos os serviços”, diz, convicta.. “O importante é a equipa e a proximidade de casa”Depois da apresentação no Salão Nobre, os estudantes passam à visita aos serviços. Num dos de Medicina encontramos Ana Luísa, de 21 anos, uma das seis recém-licenciadas que escolheu a área que, atualmente, poucos querem, “se calhar, pela sua complexidade e dureza de trabalho”, diz a enfermeira chefe, Paula Garcia. Ana Luísa não tem dúvidas: “Escolhi enfermagem por querer causar impacto positivo na vida dos outros e a área da Medicina é onde se aprende imenso a cada dia que passa.” A decisão está tomada, embora acredite que, se algum dia quiser mudar de área, “esta unidade tem condições para que o possa fazer a qualquer momento”.Mas é aqui, na ULSSJ, que quer ficar. “Foi aqui que realizei grande parte dos meus ensinos clínicos, o que me deu bases para poder decidir onde queria trabalhar no futuro.” No entanto, é das que assume que “a proximidade de casa foi um fator muito importante para mim”. Mas não só. O facto de ser uma “grande unidade do Serviço Nacional de Saúde” também. “Acredito no SNS. É aqui que podemos prestar cuidados a todo o tipo de pessoas; no privado estamos limitados a um tipo de ‘clientes’. Além disso, acredito que é no SNS que estão os melhores profissionais e quero aprender onde estão os melhores.”. “Pediatria é algo que quero desde pequenina”Mafalda Lameiras tem 22 anos e está a uma semana de terminar o curso de Enfermagem. Foi das jovens que neste Open Day ouviu a enfermeira diretora afirmar, alto e bom som, que “só colocamos na Pediatria quem quer mesmo seguir essa área”. Mas disto não tem dúvidas. “A Pediatria é uma coisa que quero desde muito pequenina. Adoro trabalhar com crianças e, quando escolhi enfermagem e cheguei aos estágios em Pediatria, tive 100% de certeza”. Mafalda já estagiou na ULSSJ e até em hospitais privados, mas “é num dos maior hospitais pediátricos do país que quero estar”, diz.Tem, para ela, que “o mais importante numa unidade é existirem boas equipas e um bom espírito de entreajuda. É uma coisa a que me habituei em todos os ensinos clínicos que realizei. Um bom ambiente leva a uma boa aprendizagem. E quando acabamos o curso parece que não sabemos nada, ficamos receosos, e se não houver uma equipa que nos ajude é muito complicado”. Para a jovem, o ciclo que agora se inicia “é o de um sonho a ser cumprido, com a mais-valia de ser no Hospital da Estefânia”. A enfermagem também esteve sempre no seu percurso. “A minha mãe diz-me que tenho a arte de cuidar desde pequena, mas também sou a irmã mais velha, o que ajuda”. Ajudou também em pequena “não brincar aos médicos, mas aos enfermeiros; quando tive de escolher, escolhi enfermagem e apaixonei-me”.. O fascínio pelos centros de traumaCatarina Lameira e Patrick Delgado, de 22 e 23 anos, vieram os dois de Santarém para o Open Day na ULSSJ, porque é numa unidade central que gostariam de iniciar as suas carreiras. Catarina assume também que muito cedo soube que queria ser enfermeira, precisamente “porque somos a parte da equipa da saúde que mete as mãos na massa, que está junto das pessoas e com elas. E é disso que eu mais gosto”. Este gosto levou a que nas escolhas para a faculdade as suas seis opções tenham sido de escolas de enfermagem. “Não queria outra coisa”. Fez vários estágios, até em cuidados primários, e no setor privado, mas também quer começar pelo SNS. “Escolhi vir a este Open Day porque sei que tem um grande centro de trauma e é nesta área que quero trabalhar e tive curiosidade de vir ver o que oferecem e que condições têm”.Patrick partilha da mesma opinião. “A área do trauma, ou da urgência, é das que mais gosto, tem várias áreas dentro dela. Também gosto de cirurgia e até de psiquiatria, mas penso que começar na urgência pode ajudar-me a desenvolver e a ganhar mais capacidades.”A área da Saúde parecia-lhe estar destinada. “Tenho muitas pessoas na família nessa área e cresci nesse ambiente e fui-me apaixonando também, mas mais especificamente pela enfermagem e pelo cuidado”. Patrick sabe que a sua escolha é para começar por uma das áreas mais complexas, mas também “se já temos interesse e motivação, e se estivemos numa equipa disposta a ajudar-nos, acho que é possível e que consigo, mas é muito desafiador”.Catarina acrescenta: “Estamos confiantes”, riem-se. “É uma fase muito complicada. Estamos cheios de medo. É a realidade e, por isso, gostava começar numa área com a qual me identifico e onde acho que posso ser feliz”.Como lhes disse a enfermeira diretor: “O importante é que sejam felizes”, mas não só. Maria José Costa Dias assume ter “muita esperança nestas novas gerações”. Não só porque “precisamos de renovar o nosso mapa de pessoal, temos muitos enfermeiros a aposentarem-se e outros a saírem e temos de os substituir”, mas também porque estas são “as gerações nativas digitais” e “esperamos que possam ajudar a área da saúde a dar um salto qualitativo com as novas tecnologias”.Os Números- Enfermeiros na ULSSJ em janeiro de 2025:3141- Enfermeiros Especialistas: 650- Enfermeiros em falta: 300Saídas em 2024: 305Saídas em 2025:174Enfermeiros do sexo feminino:84%Idade média dos enfermeiros: 35 anos(tendo 9% +de 60 anos).SNS. Médicos e enfermeiros menos satisfeitos trabalham em hospitais de LVT e Algarve e têm duplo emprego.Há 7,9 enfermeiros para cada mil habitantes em Portugal