O Governo PSD/CDS quer revogar o artigo 38.º-A do Código do Trabalho, que desde 2023 garantia até três dias consecutivos de luto gestacional à mãe e ao pai em caso de perda precoce da gravidez. A proposta está incluída no anteprojeto de reforma da legislação laboral anunciado na quinta-feira (24 de julho) e desde logo provocou polémica, com a oposição à esquerda a falar em “retrocesso inequívoco” e o Governo a desdobrar-se em comunicações em defesa da proposta, quer nas redes sociais, quer através de comunicado enviado às redações pelo ministério do Trabalho, Solidariedade e da Segurança Social, liderado por Maria do Rosário Palma Ramalho.Mas afinal, o que muda com esta proposta? E porque está a gerar tanta polémica? Vamos por partes.O que é a falta por luto gestacional?Criado em 2023, o direito a falta pelo luto gestacional está contemplado no Artigo 38.º-A do Código do Trabalho e permite à mãe e ao outro progenitor faltarem até três dias consecutivos ao trabalho, com direito a salário, após uma perda gestacional precoce – normalmente nas primeiras semanas de gravidez.Aplica-se a perdas gestacionais precoces não abrangidas por baixa médica (ex: abortos espontâneos nas primeiras semanas, sem intervenção clínica).A falta é justificada, paga integralmente pela entidade patronal e não afeta direitos laborais.Neste caso, a prova exigida é uma simples declaração do hospital ou centro de saúde, sem necessidade de baixa médica.O que é que o Governo quer mudar?O Governo de Luís Montenegro propõe revogar este artigo que define o direito por luto gestacional e, em vez disso, pretende aplicar a licença por interrupção da gravidez (artigo 38.º do Código de Trabalho) a todas as situações de perda gestacional, sejam espontâneas, voluntárias ou por razões médicas.Como funciona a licença por interrupção da gravidez estipulada no artigo 38.º?Aqui, o período de licença é mais alargado, durando entre 14 a 30 dias, definido pelo médico, e aplica-se a todas as perdas gestacionais, sejam espontâneas, voluntárias ou involuntárias, independentemente da fase da gravidez, garante o Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social.Ao contrário do que acontece no luto gestacional, a licença por interrupção da gravidez é paga pela Segurança Social, como se fosse uma baixa por doença, e não pelas empresas empregadoras.E exige atestado médico com indicação explícita da interrupção da gravidez e sugestão de duração da licença. Segundo o Governo, a licença é subsidiada a 100%.E o pai ou acompanhante, que direitos tem com esta proposta de alteração à lei?O direito do outro progenitor desaparece enquanto “luto gestacional”. Mas, em alternativa, poderá usar o regime das faltas por assistência a membro do agregado familiar, até 15 dias por ano.Contudo, estas faltas podem não ser remuneradas. O que argumenta o Governo?O Ministério do Trabalho afirma que a proposta não elimina proteção, mas “uniformiza o regime” e evita “interpretações confusas”. Defende que o novo modelo é mais favorável à gestante, por prever uma licença mais longa e subsidiada a 100%.“Na eventualidade de interrupção da gravidez, a trabalhadora terá sempre direito ao gozo da licença de 14 a 30 dias, nos termos dispostos no art. 38.º, n.º 1 (subsidiada a 100 %). Deste modo, não faz sentido prever, em alternativa, o direito a faltar nesta situação", aponta o Governo, argumentando que "a revogação da norma resulta num regime mais favorável à gestante".Adicionalmente, considera o executivo, “o direito a faltar ao trabalho pelo outro progenitor já se encontra acautelado através da previsão do direito a faltar para assistência a membro do agregado familiar, até ao um limite de 15 dias”, enquanto ao abrigo do artigo referente ao luto gestacional poderia faltar apenas 3 dias consecutivos. “Deste modo, também neste segmento, a revogação da norma resulta num regime mais favorável ao companheiro da gestante", diz o comunicado enviado às redações pelo MTSSS..Governo esclarece que fim do luto gestacional é para dar lugar a "regime mais favorável à gestante". Que críticas são apontadas?Contudo, alguns especialistas e a oposição à esquerda alertam para uma perda de direitos concretos e simbólicos: o luto gestacional reconhecia a dor emocional de perdas precoces sem condicionar a mulher à lógica da doença ou da baixa médica.Na prática, dizem, o novo regime seria mais burocrático, menos inclusivo para o pai ou acompanhante, e retiraria o reconhecimento simbólico e humano que o atual luto gestacional representa.“A concretizar-se, esta alteração representará um inequívoco retrocesso nos direitos laborais e sociais das famílias, em contexto de perda gestacional”, criticaram este sábado as Mulheres Socialistas, Igualdade e Direitos (MD-IS), órgão do PS presidido pela deputada Elza Pais.Para a MS-ID, “a tentativa de fundir juridicamente regimes distintos, com objetivos e fundamentos legais diferentes, configura uma distorção da verdade e um exercício de desinformação inaceitável”.“É importante dizer, com clareza: esta alteração representa uma subtração de direitos. O Governo pode tentar mascará-la com comunicados de esclarecimento, mas a verdade é que não há qualquer ganho. O que há é perda”, consideraram.Para a MS-ID, o que há é “perda de dignidade, perda de proteção e perda de reconhecimento”..Mulheres Socialistas acusam Governo de “inequívoco retrocesso” no luto gestacional