"O que está a acontecer em Santa Maria é uma ação declarada de desinvestimento no SNS"

A partir das 10.00 desta quinta-feira vários movimentos cívicos realizam um cordão humano em frente ao Hospital de Santa Maria como protesto contra o encerramento da maternidade, mas não só. Contra também o que consideram ser "o início da normalização das parcerias entre o serviço público e a medicina privada, que não vão ficar por aqui", disse ao DN uma das organizadoras da ação, Carla Santos.
Publicado a
Atualizado a

O plano de reorganização na área de ginecologia-obstetrícia na Região de Lisboa, aprovado pela Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (DE-SNS), levou ao encerramento da maternidade do Hospital de Santa Maria. O argumento apresentado é o da necessidade de obras de grande vulto para que este hospital central possa ter uma nova maternidade e responder melhor às utentes nesta área. Mas até ao final destas, as utentes ali acompanhadas durante a gravidez terão de ser transferidas, na altura do parto, para o Hospital São Francisco Xavier ou para unidades privadas. Esta decisão tem gerado controvérsia, levando mesmo a administração do hospital a afastar o então diretor de Departamento, Diogo Ayres Campos, por este não concordar com o projeto a levar para a frente.

A esmagadora maioria dos profissionais da sua equipa reagiu de imediato exigindo a sua readmissão, mas do lado da tutela e do hospital, não parece haver qualquer alteração nas decisões tomadas. Só que agora chegou a vez de vários movimentos cívicos saírem à rua para se manifestarem contra o que está a acontecer no Hospital Santa Maria, por considerarem também que tal é manifesta ação de desinvestimento no SNS.

Segundo explicou ao DN Carla Santos, presidente do Observatório contra a Violência Obstétrica, OVO, um dos grupos que se juntou à realização de um cordão humano a partir das 10.00 horas desta quinta-feira, "mais do que uma ação contra o encerramento da maternidade de Santa Maria este cordão humano é uma ação pela defesa do SNS e contra o desinvestimento do Estado na Saúde Pública".

A representante deste observatório especificou ainda que o objetivo da iniciativa é mobilizar os profissionais de Santa Maria e de outros hospitais do país, bem como cidadãos contra "uma ação declarada de desinvestimento no SNS". Pelo menos, é desta forma que entendem a decisão de transferência das utentes do serviço público para as unidades de medicina privada.

Carla Santos argumenta mesmo que "esta parceria é o início da normalização da privatização dos cuidados públicos. Ou seja, em vez de o Estado social se responsabilizar pelos utentes está a fazer uma parceira com os privados através de cuidados outsourcing em que acaba por gastar ainda mais".

E quem sai prejudicado "são as utentes, de forma massiva, mas também os profissionais, já que com o outsourcing com os privados as carreiras técnicas também são desvalorizadas", sublinha. "Estamos a entrar numa fase em que se está cada vez mais a privatizar ou a delegar aos privados serviços da Saúde Pública em vez de se estar a investir no próprio SNS", reforçou ao DN.

Por isso mesmo, "o objetivo deste cordão humano é explicar à população em geral, numa linguagem que todos percebam, que estamos muito preocupados com o facto de o dinheiro do Estado Social estar a ser esbanjado para enriquecer o privado, porque este não dá retorno à sociedade."

A presidente do OVO sustenta que, "após a recolha de vários dados com os custos do Estado com serviços de outsourcing privados, percebemos que o valor que foi gasto nos últimos tempos dava para fixar cerca de três centenas de profissionais de Saúde". Contrapondo: "A medicina privada já recebe anualmente do Orçamento do Estado cerca de 40% do bolo total para a Saúde e se o Estado ainda faz mais investimentos em vez de fixar profissionais no SNS", quer dizer que não tem vontade de "lutar pelo SNS".

Carla Santos diz que este grupo de movimentos cívicos até pode compreender a necessidade de obras num hospital de referência como Santa Maria na área da Ginecologia, Obstetrícia e Neonatologia, mas "o que nos preocupa são as medidas que estão a ser tomadas, que em nada demonstram uma aposta no reforço das estruturas e nas pessoas do SNS".

A mesma relembra a confusão que tem marcado o início do plano de reorganização para a área da Obstetrícia, com os profissionais de Santa Maria a manifestarem preocupação com a transferência do serviço para o Hospital São Francisco Xavier, uma vez que isso implicaria uma redução na capacidade assistencial", e com "o despedimento de chefias por delito de opinião, em que os profissionais nunca foram ouvidos, até quando apresentaram soluções alternativas ao encerramento".

Os movimentos cívicos que hoje vão estar frente ao Hospital de Santa Maria defendem que "as insuficiências nas Urgências de Obstetrícia da Região de Lisboa já duram há alguns anos e o problema é só um: faltam profissionais de Saúde no SNS (obstetras, anestesistas, enfermeiros especialistas)". Portanto, o plano de reorganização "está ferido de morte à partida".

Para estes movimentos "só a mobilização da sociedade civil, juntando profissionais e utentes, poderá impedir o encerramento da Maternidade de Santa Maria e a transferência de grávidas para hospitais privados."

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt