O mistério da Casa EDP no Jamor e do sem-abrigo que agora saiu de lá

Imóvel propriedade da EDP está abandonado e era ocupado por funcionário da CM Oeiras que chegou a recusar sair para não abandonar o cão. Município arranjou habitação nos últimos dias e revela que quer comprar edifício.
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Chamam-lhe a Casa EDP e é assim que a devoluta mansão no idílico Jamor está consagrada no despacho de classificação do vizinho Estádio Nacional como Património Cultural a preservar. O edifício de traça senhorial de dois pisos e dimensões generosas capta os olhares de quem passa pela majestuosidade perdida, mas quem conhece o local sabe que teve até esta semana um morador peculiar: um trabalhador sem abrigo.

Trata-se de um funcionário municipal a quem a Câmara Municipal de Oeiras arranjou uma habitação nos últimos dias. Ele tinha pedido ajuda em 2017, mas estava reticente a abandonar o seu casarão com portas e janelas meio emparedadas e com um centro de transformação da EDP no interior já desativado por não querer abandonar o cão.

De construção remetida para os anos 1930/40, seria a casa do chefe do pessoal dos trabalhos silvícolas dos terrenos do antigo Casal do Esteiro, uma antiga propriedade agrícola da Casa de Lafões, segundo a Associação Vamos Salvar o Jamor. Os terrenos vizinhos foram expropriados nos anos 1930 por ordem de Oliveira Salazar para construir um complexo desportivo sem igual, mas ninguém consegue explicar porque ficou aquela casa de pé, numa área com cerca de dois mil metros quadrados, quando muitas outras foram abaixo para dar lugar ao Estádio Nacional inaugurado em 1944.

Serviu ainda de residência ao responsável pela florestação do Estádio Nacional, aquando da sua construção nos anos 1940. Era um bonito edifício, amplo, pintado de branco com os madeiramentos e grades pintados de verde, de linhas direitas, com um telhado de quatro águas e janelas de guilhotina de ferro forjado. Era. Porque agora mais parece uma casa assombrada de um filme de terror qualquer.

Ninguém sabe muito bem como acabou propriedade da EDP. "O edifício foi adquirido a 21 de novembro de 1945 pela CRGE - Companhias Reunidas de Gaz e Eletricidade, SARL, passando a integrar os ativos da EDP Distribuição, hoje E-REDES, na sequência do processo de fusão de 13 empresas do setor elétrico português, que deu origem à constituição da EDP - Empresa Pública em 1976 ", explicou ao DN fonte da E-REDES.

E disse desconhecer a ocupação, mas reconhece que já não é a primeira vez. "Em 2019 foi feita a desocupação, que se verificava desde 2017, tendo sido feito o emparedamento da habitação. Até à data, a E-REDES não tinha conhecimento de uma nova ocupação ilegal, razão pela qual a empresa vai acompanhar a situação e tentar encontrar uma solução", garantiu a mesma fonte. Sobre a razão de estar devoluto, a EDP limitou-se a dizer que, em 2018, a E-REDES foi contactada por uma entidade pública, que manifestou interesse na propriedade. No entanto, até ao momento, o processo não evoluiu."

A elétrica não quis avançar que empresa seria, mas a Câmara Municipal de Oeiras garantiu que, desde o início do atual mandato (2017), tenta adquirir o imóvel sem que a "empresa majestática responda". O município confirma ter conhecimento da ocupação por parte de um funcionário, que pediu ajuda pela primeira vez em 2017 e que está a ser ajudado "no âmbito das políticas ativas de inserção do município, através da integração no mercado de trabalho e no apoio ao acesso a uma alternativa habitacional digna".

O ocupante da Casa EDP no Jamor é um trabalhador municipal na área da higiene urbana, que foi integrado num programa de inserção CEI+, na União de Freguesias de Algés, Linda-a-Velha e Cruz Quebrada, tendo-se candidatado ao concurso de assistente operacional. Tem contrato de trabalho com o município de Oeiras por tempo indeterminado desde junho de 2020, "sendo um funcionário cumpridor de todas as suas obrigações", segundo a autarquia.

Em setembro de 2020, houve a possibilidade de ser integrado num apartamento da Casa da Esperança, mas "fez depender o acolhimento do seu animal de estimação". E quando essa situação foi revolvida a vaga já tinha sido ocupada. O município confirma ainda que na semana passada o trabalhador sem abrigo pediu ajuda para arrendar uma casa, que não avançou por falta de fiador.

O processo continuou ativo no Observatório de Habitação para obter casa municipal, sendo equacionada a integração no hostel social ou a integração no apartamento de inserção Ares do Pinhal, onde é acompanhado desde 2015, integrado no programa de metadona. Mas a solução chegou quase quatro anos depois. Na terça-feira a Câmara Municipal de Oeiras informou o DN que a situação foi entretanto resolvida e que o trabalhador "já está a tratar da mudança para a nova casa, no Casal das Chocas" e que terá apoio no âmbito do Fundo de Emergência Social (FES), em termos de pagamento de rendas e de outras despesas consideradas necessárias para a sua organização doméstica.

A Associação Vamos Salvar o Jamor, que tem assumido a defesa da zona do Jamor como área protegida, disse ao DN não ter uma posição sobre a Casa EDP, admitindo que "não há uma solução mágica para o imóvel". Nem a demolição.

No entanto, segundo Carlos Branco, é importante serem salientadas algumas limitações que se relacionam com a sua localização, e que impedem a sua ocupação permanente: "encontra-se localizada numa depressão do terreno, próximo e a uma quota inferior à da marginal. O nível do ruído causado pelo tráfego automóvel na marginal impossibilita a sua utilização para escritórios e habitação", segundo o porta voz da associação.

"Para além da poluição sonora, acresce o elevado risco de inundação, dada a proximidade do rio Jamor", denuncia, lembrando que "se alguma vez vier a ser construído o Projeto Porto Cruz - megaprojeto imobiliário previsto para o Jamor suspenso pelo tribunal -, essa possibilidade aumenta exponencialmente". E por isso acreditam que seguradora alguma assuma esses riscos face ao enquadramento "muito desfavorável".

O Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ) que gere o Centro Desportivo Nacional do Jamor, tentou várias vezes encontrar uma solução para o imóvel, segundo soube o DN. Uma delas era construir ali um museu, como o Centro Interpretativo do Jamor, que acabou por ser integrado no Complexo das Piscinas.

Mas a Casa EDP não é o único imóvel deixado ao abandono no Jamor. Há um palacete construído sobre o Convento dos Frades Gracianos, no século XVIII, que também espera por melhores dias. A Quinta da Graça era propriedade da família que viu o Estado Novo expropriar-lhe 200 hectares para construir o complexo desportivo. Mantiveram a casa, que viria a dar lugar a uma biblioteca e que foi vítima de um incêndio em 1993 que consumiu todo o seu interior.

Propriedade da Universidade de Lisboa desde então que aguarda um restauro. A solução pode passar por um ultramoderno polo tecnológico da Faculdade de Motricidade Humana (FMH). Em 2002 o governo ainda anunciou a Quinta da Graça como solução para o Museu do Desporto, que acabou no Palácio Foz, em Lisboa.

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