Troço na EN365 alagado, que está a impedir o acesso à povoação de Reguengo do Alviela e à Azinhaga, onde nasceu José Saramago.
Troço na EN365 alagado, que está a impedir o acesso à povoação de Reguengo do Alviela e à Azinhaga, onde nasceu José Saramago.Foto: Leonardo Negrão

“Não é uma cheia, é uma cheiazinha”. Bombeiros devolvem normalidade a zona “isolada” pelo Tejo

Face à subida dos caudais do Alviela e do Tejo, que apartaram a povoação de Reguengo do Alviela, bombeiros advertem: Os curiosos não devem transpor os avisos das autoridades.
Publicado a
Atualizado a

"Não é uma operação de socorro” o que está a acontecer em Reguengo do Alviela, no município de Santarém, explicou ao DN, com tranquilidade, o comandante dos bombeiros voluntários de Pernes, Jorge Frazão. Nos últimos dias, os soldados da paz têm garantido às pessoas que moram naquela povoação o apoio que prestam, “desde sempre”, nos momentos em que as águas tanto do Alviela como do Tejo sobem, deixando aquela zona aparentemente isolada. Mas é só um quase isolamento.

“Quando há cheias, nós conseguimos colocar as embarcações no terreno. Desta vez, nem sequer foi necessário. Aliás, não é possível, porque temos muitas zonas de terreno que ainda não têm água”, explica Jorge Frazão, enquanto se prepara para mostrar um dos veículos dos bombeiros, muito semelhante a um camião, que tem sido utilizado para, entre outras coisas, de acordo com o comandante, “ir com as pessoas à mercearia e levar os medicamentos”.

No fundo, diz o bombeiro, “não é uma cheia, é uma cheiazinha”.

“Esta manhã [terça-feira] levámos o pão. Começou logo às 7 da manhã”, lembra Jorge Frazão. Isto “é devolver àquela população alguma normalidade que fica afetada pela situação”, assegura, mas com a certeza de que aquelas pessoas estão habituadas às subidas dos caudais do Alviela e do Tejo, até porque Reguengo do Alviela fica literalmente entre aqueles dois rios.

Jorge Frazão, comandante dos bombeiros de Pernes, junto a um dos veículos utilizado para aceder à povoação de Reguengo do Alviela quando os caminhos de acesso estão alagados.
Jorge Frazão, comandante dos bombeiros de Pernes, junto a um dos veículos utilizado para aceder à povoação de Reguengo do Alviela quando os caminhos de acesso estão alagados.Foto: Leonardo Negrão

“Eles são vizinhos do rio. Sabem muito bem o que é que têm que fazer. Sabem o momento de agir.”

Porém, quem pode ser alheio às mudanças no comportamento das águas são os curiosos que visitam os locais inundados, atraídos pelas notícias, agora inflacionadas pelas redes sociais.

Estas pessoas que personificam aquilo que o comandante dos bombeiros classifica como “turismo de catástrofe” acabam por se expor a alguns riscos, como os que estão associados à transposição de “zonas que estão alagadas” e “estradas que estão submersas”.

Zona alagada no cais próximo do Castelo de Almourol.
Zona alagada no cais próximo do Castelo de Almourol.Foto: Leonardo Negrão

“Há avisos e, ainda assim, percebemos durante o dia que havia pessoas que o faziam, que atravessavam essas zonas”, adverte Jorge Frazão, com vários apelos: “Onde há sinalética, não a transpor. Seja a pé, seja em veículos. Se ainda não o fizeram, devem também tirar tudo o que é equipamentos agrícolas dos terrenos. E os animais, pondo-os a salvo.”

Os avisos dos bombeiros estão alicerçados na ideia de que não sabem bem “como é que isto vai evoluir”. “A nossa perceção é a de que está a baixar [o nível das águas]. E provavelmente não irá agravar-se. Mas depende muito do contributo das barragens”, principalmente a de Alcântara, em Espanha.

Neste sentido, Jorge Frazão procura tranquilizar a população, com a certeza de que “tem havido uma excelente gestão hídrica”, associada a uma “uma boa articulação entre todas as estruturas, nomeadamente o serviço municipal de Proteção Civil, que tem feito a monitorização, o acompanhamento e a difusão de informação pública”.

E Espanha também divulga os dados dos momentos em que são abertas as comportas, com o objetivo de acionar as turbinas, produzir eletricidade e, com isso, aliviar a carga nas barragens. Mas as consequências destas decisões só são sentidas 12 horas depois na zona de Santarém, diz Jorge Frazão, à espera que os níveis das águas se mantenham elevados, acima dos 2 mil metros cúbicos por segundo, mas sem a expectativa de que tudo isto se agrave.

“É benéfico para tudo”

Em plena estrada nacional 365, que em circunstâncias diferentes ligaria Reguengo do Alviela a Vale de Figueira, a Santarém e ao resto do mundo, o DN encontrou Rosália Vassalo, que na sua scooter vai distribuindo com toda a calma o correio. Mesmo com a estrada fechada, a trabalhadora não se demove, até porque a zona alagada só surge dois quilómetros mais à frente. Mas o aviso de encerramento da via - “Estrada submersa” - não deixa margem para dúvidas sobre o que o visitante incauto vai encontrar mais à frente. Aquela estrada, habitualmente, também dá acesso à povoação de Azinhaga, onde nasceu o escritor José Saramago. Ontem, a placa que assinala o berço do laureado com o Prémio Nobel da Literatura em 1998 surgia no no meio deste lago transitório.

Mas este lençol de água, apesar do transtorno que causa às populações afetadas, não impede que tudo lhes seja assegurado, reforça Rosália Vassalo, lembrando o trabalho dos bombeiros.

Caminho de acesso a Reguengo do Alviela, apenas acessível com veículos todo-o-terreno.
Caminho de acesso a Reguengo do Alviela, apenas acessível com veículos todo-o-terreno.Foto: Leonardo Negrão

“São eles que vão lá entregar os bens de primeira necessidade, mercearia, tudo o que seja preciso. As pessoas pedem e eles fazem esse favor de entregar lá. O correio é a mesma coisa. Fazemos um lacinho e os bombeiros encaminham o correio até lá. Depois as próprias pessoas distribuem umas pelas outras. Porque é uma povoação com poucos habitantes”, descreve a trabalhadora dos CTT, acrescentando que as pouca pessoas que ali vivem estão habituadas a estes processos, ainda que a última cheia deste tipo tenha ocorrido já em 2018.

Tirando estes aspetos, aparentemente superáveis, tudo isto “é benéfico para as terras, é benéfico para tudo”, continua a carteira, nascida em Vale de Figueira, que revela ser descendente de pescadores de rio.

Rosália Vassalo num dos momentos em que distribui o correio na estrada que está cortada ao trânsito, por, dois km mais à frente, estar submersa.
Rosália Vassalo num dos momentos em que distribui o correio na estrada que está cortada ao trânsito, por, dois km mais à frente, estar submersa.Foto: Leonardo Negrão

Este benefício, segundo Rosália Vassalo, acontece porque naquela zona há muitas “águas paradas”, o que é um problema “onde há muitos jacintos”. Portanto, o que isto faz é “limpar um bocadinho o rio e a fauna, a flora, tudo. É benéfico.”

A 30 quilómetros daquela zona, junto ao Castelo de Almourol, o DN encontrou mais zonas ribeirinhas alagadas, mas sem implicarem transtornos para além daqueles que são associados às imagens espetaculares do edifício medieval que fica ali emerso no meio do Tejo.

Movido pela curiosidade veio António Gonçalves, que o DN encontrou acompanhado pela mulher e que saiu da zona onde mora, perto de Coimbra, só para ver as cheias num dia soalheiro.

Questionado sobre se encontrou o que procurava, António Gonçalves confirma. “Esta parte aqui era tudo estacionamento e agora já não é nada”, observa com assombro, mas concluindo que “já esteve mais cheio”. “Isto aqui são quantidades de água que, de facto, dão benefício aos terrenos. Ficam mais adubados”, assevera.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt