Números sobre a redução de alunos sem aulas causam discórdia
Em conferência de imprensa, o ministro da Educação, Ciência e Inovação (MECI), Fernando Alexandre, garantiu já ter praticamente cumprido o objetivo de reduzir em 90% o número de alunos sem professor face ao ano letivo anterior. Cerca de 2300 alunos estão sem aulas a uma disciplina desde setembro, menos 89% do que em 2023/24, segundo o governante. Mas os números, que já tinham vindo à estampa na primeira página do jornal Expresso, não convenceram mais ninguém, com oposição, sindicatos e dirigentes escolares a acusarem o Governo de usar truques para esconder a realidade.
De resto, como o DN avançou na edição da passada quarta-feira (20), num balanço feito junto de especialistas às 15 medidas implementadas pelo MECI para fazer face à escassez de professores, o objetivo do Governo de reduzir em 90% o número de alunos sem aulas a pelo menos uma disciplina até ao final do período estaria longe de ser cumprido, com uma redução, até à data, de apenas cerca de 10% de alunos nessa situação.
Numa conferência de imprensa em que fez o balanço do impacto das medidas no âmbito do plano ‘+Aulas +Sucesso’, na escola secundária D. Dinis em Marvila, Lisboa, o ministro veio defender que, à data de 20 de novembro, havia somente 2.338 alunos sem aulas a uma disciplina desde o início do ano letivo, referindo-se assim apenas aos que estão sem professor de forma contínua a pelo menos uma disciplina desde que arrancaram as aulas.
Oposição, sindicatos e restantes atores escolares dizem tratar-se de uma manobra e fazem outras contas. O PS acusou o MECI de falta de seriedade na utilização de números sobre alunos sem aulas, alegando que está a comparar realidades distintas e não comparáveis entre 2023 e o presente. “São dois universos distintos. O que o ministro da Educação fez foi comparar o número de alunos que, em 2023, numa fotografia, estavam sem aulas num dado dia com o número de alunos que, desde o início do ano letivo, esteve continuamente sem aulas agora”, sustentou a líder parlamentar Alexandra Leitão.
Segundo a antiga secretária de Estado da Educação, “dos 21 mil de 2023, estavam dois mil há um ano sem aulas desde o início do ano letivo e 19 mil estavam sem aulas naquele momento”. Ou seja, para Alexandra Leitão, “os 2338 alunos que hoje continuam sem aulas a pelo menos a uma disciplina desde o início do ano letivo devem comparar-se com os dois mil do mesmo período do ano passado”.
Alexandra Leitão exigiu “seriedade” ao MECI no tratamento dos números e pediu a correção dos mesmos. Também o BE teceu duras críticas ao MECI, acusando o Governo de “martelar números” para “esconder a realidade da falta estrutural de professores nas escolas”.
Sindicatos pedem medidas eficazes
Pedro Barreiros, secretário-geral da Federação Nacional de Educação (FNE), garante estarmos “ainda muito longe de ter tudo resolvido”. Recusando entrar “numa guerra de números”, o dirigente sindical diz ser necessário apenas olhar para os dados objetivos das medidas implementadas pelo Governo para chegar a essa conclusão.
“Das 15 medidas, por exemplo, na do regresso de professores aposentados a meta traçada pelo MECI não chegou ao 50% do pretendido, com apenas 67 docentes a adiar a reforma. E a vinculação através do concurso extraordinário teve 21% das vagas por ocupar”, exemplifica. Pedro Barreiros diz ser, assim, “fácil” de perceber que os objetivos do MECI não foram cumpridos. “Quando o ministério lida com números, utiliza a fórmula que mais se adequa para atingir resultados”, refere.
O secretário-geral da FNE pede medidas eficaz para combater a falta de professores e que essas medidas façam já parte do novo Estatuto da Carreira docente.
Já para a FENPROF, “o canto de vitória [do MECI] parece basear-se numa comparação “falaciosa” entre “alhos e bugalhos”. “O que o senhor ministro não pode comparar, e é isso que ele está a fazer, são os dados dos alunos sem aulas desde o início do ano, com o número de alunos sem aulas num determinado momento, porque aí estão esses e estão outros”, alegou o secretário-geral da FENPROF.
O dirigente sindical garante que “as medidas do MECI não estão a resolver uma grave situação que carece de uma resposta estrutural: a revisão do ECD, no sentido da valorização da profissão”. “Adiar essa revisão será deixar agravar o problema”, defende.
“Declarações perigosas”
Em declarações ao DN, Cristina Mota, porta-voz do movimento apartidário Missão Escola Pública, mostra-se preocupada com números avançados pelo MECI e afirma mesmo que as declarações de Fernando Alexandre são “perigosas”.
“O MECI está a ludibriar a opinião pública para que se fique com uma ideia deturpada do que se está a passar. Isto é perigoso”, afirma. A responsável considera que Fernando Alexandre falta com a verdade “quando afirma terem entrado este ano 4181 novos docentes na escola”. “Não são professores. Alguns são técnicos e nem licenciatura têm”, explica.
2338 alunos
Segundo o ministro do MECI, Fernando Alexandre, este é o número de alunos que estão sem professor a pelo menos uma disciplina desde o início do ano letivo. Uma redução, afirma, de 89% face ao ano passado. Este número não reflete a totalidade de alunos sem aulas, só os que não têm professor desde setembro.
41 mil alunos
No total, são mais de 41 mil os alunos que estão, à data, sem professor a uma ou mais disciplinas. Os dados foram divulgados também pelo Ministério da Educação na apresentação de ontem e referem-se à totalidade de estudantes sem professor a uma ou mais disciplinas nesta altura.
5612 professores
As medidas adotadas pelo Governo desde o início do ano letivo para responder à falta de professores nas escolas permitiram reter e atrair para a profissão 5.612 professores, a maioria a estrear-se na escola pública, segundo os dados apresentados pelo ministro da Educação.