Nos desertos americanos elevam-se as “ilhas do céu”
Ocupa perto de 40.000 Km2 distribuídos entre o noroeste mexicano e o sudoeste dos Estados Unidos. O Arquipélago Madrean (Madrean Islands no original) reúne perto de 60 ilhas, com picos a elevarem-se até aos 3.000 metros de altitude, gigantes rochosos guardiães de uma imensa biodiversidade. Perto de 7.000 espécies animais e vegetais têm como berço o arquipélago, entre outras, a pequena pimenta selvagem, a Chiltepin, e os doces bagos da uva Vitis arizonica. Madrean é também lar para bolsas de urso-negro e de jaguar. Tomado desde as alturas, a partir de uma imagem de satélite, o arquipélago desafia o observador a afastar o olhar dos horizontes do Oceano Pacífico e a desviar-se alguns graus para a direita. Ali, onde imperam os desertos do sudoeste americano, do Arizona ao Novo México, estendendo-se ao território mais setentrional do México, ergue-se um conjunto montanhoso que alberga florestas de pinheiros, carvalhos e outras folhosas. Édenes com características alpinas a salpicar um mar de areia e planícies, ou, preferindo-se ilhas órfãs de horizontes marítimos, com nomes como Baboquivari, Chiricahua, Santa Catalina, Guadalupe ou Davis. Todos eles a designarem picos montanhosos a construírem um arquipélago apartado cerca de 1.000 Km do mar.
Na década de 1940, um norte-americano, de seu nome Edward H. Taylor, apresentou à comunidade científica o conceito de “ilhas celestes” ou “ilhas do céu”. Montanhas isoladas cercadas de ambientes de planície radicalmente diferentes. “Ilhas” que preservam habitats extintos em seu redor. Pastagens do céu que abrigam endemismos e populações relíquias, numa distribuição em altitude que reproduz a distribuição de espécies em diferentes latitudes. Fruto de alterações climáticas relevantes naquele território, a região sudoeste dos Estados Unidos é, desde há 20.000 anos, síntese desta singularidade biogeográfica. O Arquipélago Madrean o seu exemplo maior.
Ao 8.º Congresso Científico Americano, encontro que decorreu entre 10 e 18 de maio de 1940, em Washington D.C, Edward Harrison Taylor levou uma comunicação centrada na sua área de investigação científica. Nascido em 1889 no estado do Missouri, Edward haveria de enveredar pelo ramo da zoologia dedicado ao estudo dos répteis e anfíbios. O cientista fez-se herpetologista, lecionou nas Filipinas no início do século XX. Após o fim do primeiro conflito mundial, Edward é destacado para a Sibéria a fim de acompanhar a Revolução Russa de 1917. Taylor age como espião sob o disfarce de uma missão da Cruz Vermelha Internacional que procurava deter uma epidemia de tifo. Nos Estados Unidos, em 1927, o investigador torna-se chefe do departamento de zoologia da Universidade do Kansas. Por mais de uma década, entre 1937 e 1948, faz observações de campo na Costa Rica, Sri Lanka e Tailândia. No terreno, identifica e descreve 150 novas espécies e subespécies de répteis. O almanaque do léxico científico ganharia, entre muitas outras, as impronunciáveis designações de novos repteis como o Cyrtodactylus edwardtaylori ou Sphenomorphus assatus taylori.
Das observações que fez nos territórios que explorou, Edward H. Taylor desenvolveu o conceito de “ilhas do céu”, aquele que viria a apresentar no já referido congresso na capital dos Estados Unidos. Taylor olhou com especial atenção para as “ilhas” no planalto mexicano, vendo-lhes o carácter distintivo no que toca a fauna e flora de outros territórios isolados em áreas oceânicas. O herpetologista partia do conceito anterior de “zonas de vida” que descrevia áreas com comunidades vegetais e animais semelhantes. Um conceito desenvolvido ainda no século XIX pelo zoólogo, entomologista e etnógrafo Clinton Hart Merriam, um dos fundadores da National Geographic Society.
Em 1943, o naturalista norte-americano Natt N. Dodge desenvolveu o conceito de “ilha do céu” nas páginas da revista fundada no início da década de 1920, dedicada à fotografia e viagens, a Arizona Highways. “Monument in the Mountain”, assim intitulado o artigo, precisa sobre a cordilheira Chiricahua, dorso rochoso no sudeste do estado do Arizona e noroeste do México, vendo-a como “ilhas montanhosas num mar de deserto”. Território de povos nativos norte-americanos como os Navajos, Hopi e Apaches. Nascido em 1900, Dodge dedicou a sua vida a percorrer os Parques Nacionais americanos onde se destacou como alpinista.
Seria na escrita de Weldon Heald que o conceito de “ilha do céu” ganharia popularidade já na década de 1960. No ano de 1967, o escritor da natureza, deu aos escaparates o livro Sky Island, roteiro detalhado de uma viagem de carro entre a localidade de Rodeo, no estado do Novo México, até ao oeste do deserto de Chihuahuan, mais de 362.000 Km2 de aridez, o terceiro maior deserto do hemisfério ocidental. Heald subiu ao pico das montanhas Chiricahua. Do deserto áspero e tórrido, o escritor ascendeu a um território de pastagens, florestas de pinheiros e de álamos. Weldon Heald inspiraria uma geração de cientistas e escritores. O biólogo norte-americano James H. Brown olhou para os topos das montanhas da região de altiplanos do oeste americano para lhes traçar uma definição: “ilhas” com fauna e flora que testemunham um passado de clima mais frio. Retalhos de mundo herdeiros nas alturas da Idade do Gelo. Espaços que o biólogo viu em risco. Ali não há migrações da planície para a altitude e vice-versa, apenas extinções.
No seu livro de 1996, The Song of the Dodo, o escritor David Quammen desenvolve o conceito de “ilha do céu” e estende-o a diferentes latitudes. De facto, as ilhas de verde erguidas a partir de mares de pó e rocha nua, são apanágio de diferentes continentes. A Papua Nova-Guiné tem o seu Monte Wilhelm, a Malásia o seu Monte Kinabalu, o Vietname as suas Terras Altas, o Chade as suas Montanhas Tibesti. Ainda no continente africano um exemplo maior emerge das planícies da Tanzânia. Ao escritor norte-americano Ernest Hemingway fascinou-o a brancura nas alturas do topo de África. Em 1936 entregou às páginas da revista Esquire um conto, “As Neves do Kilimanjaro”, narrativa que tem como pano de fundo a “ilha do céu”, a montanha mítica de ápice no pico Uhuru, a mais de 5890 metros de altitude. O Kilimanjaro preserva nos seus flancos ambientes tão dispares como o matagal, a floresta tropical, a charneca, o deserto alpino e, finalmente, um reduto africano, próximo à linha do equador, uma paisagem ártica.
Em 1937, o filósofo e conservacionista norte-americano Aldo Leopold escreveu: “Na minha opinião, estas colinas vivas, pontilhadas de carvalhos e repletas de pastos de aveia; estas ‘mesas’ cobertas de pinheiros e salpicadas de flores, estes preguiçosos riachos de trutas, jorrando sob grandes sicómoros e choupos, aproximam-se da nata da criação”. Aldo Leopold escreveu num tempo anterior ao conceito de “ilha do céu”, mas aproximou-se da natureza intrínseca a estes redutos últimos de um mundo em extinção.