O ministro da Presidência, António Leitão Amaro, e o primeiro-ministro Luís Montenegro, durante a discussão da moção de censura do PCP, a 5 de março de 2025. O ministro da Presidência recusou acesso do DN ao plano esta quinta-feira publicado.
O ministro da Presidência, António Leitão Amaro, e o primeiro-ministro Luís Montenegro, durante a discussão da moção de censura do PCP, a 5 de março de 2025. O ministro da Presidência recusou acesso do DN ao plano esta quinta-feira publicado. FOTO: Leonardo Negrão

No último dia, Governo tira plano de prevenção de riscos de corrupção da gaveta

É no último dia em funções que o Executivo publica o plano cuja aprovação tinha anunciado em fevereiro, dois dias antes de rebentar caso Spinumviva. Ao contrário do que recomenda o Mecanismo Anticorrupção, não está prevista a publicitação das assunções de conflitos de interesse e pedidos de escusa.
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O tão esperado “plano de prevenção de riscos de corrupção” do Governo, anunciado no comunicado do Conselho de Ministros de 13 de fevereiro último como “colocando Portugal como um dos primeiros países a nível europeu a aprovar um plano com estas características” mas nunca publicado, surgiu esta quinta-feira, último dia do atual Executivo, no Diário da República

Mas pode-se dizer que a montanha pariu um rato: o plano, anunciado como contendo “mecanismos” para “reduzir a ocorrência de conflitos de interesse” e “promover a transparência” não prevê sequer o registo obrigatório e publicitação de pedidos de escusa em caso de existência de conflito de interesses propugnados pelo Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC) em recomendação publicada a 22 de maio, quatro dias após as eleições.

“A Secretaria-Geral do Governo deve dispor de registo centralizado dos pedidos de escusa por parte de membros do Governo e de membros dos gabinetes relativamente a processos decisórios e publicitar, da forma que considerar mais adequada”, lê-se nesta recomendação do MENAC, que faz menção à necessidade de "atualização e aperfeiçoamento face à experiência", ou seja, do entretanto ocorrido, da sua recomendação anterior sobre a matéria (datada de fevereiro de 2024, e na qual não constava qualquer menção à necessidade de registo e publicação das escusas).

O ministro da Presidência, António Leitão Amaro, e o primeiro-ministro Luís Montenegro, durante a discussão da moção de censura do PCP, a 5 de março de 2025. O ministro da Presidência recusou acesso do DN ao plano esta quinta-feira publicado.
Juiz anti-corrupção quer tornar públicos conflitos de interesses do Governo

De resto, em relação a “situações de eventual conflito de interesses”, o plano agora publicado diz: "Garantia da adoção de medidas adequadas sobre gestão e prevenção de conflitos de interesses, ou seja (…), quando se possa com razoabilidade duvidar da imparcialidade da conduta ou decisão. Nesses casos, solicitar escusa na participação no procedimento, ou, nas situações de impossibilidade de substituição, abstenção nos atos decisórios. Em ambos os casos, e sempre que possível, deve fazer-se registo do(s) facto(s) que originam o eventual conflito de interesses.”

Que “medidas adequadas” serão essas e se foram “adotadas” não se sabe. E em vez da obrigatoriedade de registo da escusa e identificação do conflito de interesses em causa, surge o “sempre que possível” — e nenhuma menção à publicitação recomendada pelo MENAC e que é regra por exemplo em França, onde pedidos de escusa de governantes são publicados no boletim oficial do Estado.

Recorde-se que, na sequência do noticiário sobre a empresa familiar do primeiro-ministro, a Spinumviva (cuja existência levou à queda do governo), Luís Montenegro admitiu ter apresentado pedidos de escusa. Também o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, após saber-se, no final de maio, que uma empresa do cunhado, ligada ao combate aéreo de incêndios e com contrato assinado recentemente com o Estado, está a ser investigada pelo Ministério Público, garantiu ter pedido escusa de qualquer decisão “relacionada com o setor”. Mas nada foi conhecido publicamente sobre a existência de tais pedidos de escusa. Mais: questionado pelo DN em março sobre eventuais pedidos de escusa apresentados por membros do Governo e a existência ou não do respetivo registo e, caso existisse, onde poderia ser consultado, o Executivo nunca respondeu.  

Aliás, pode-se questionar se o Executivo cumpriu, nos últimos três meses e uma semana da respetiva existência, este plano. É que, surgindo a respetiva publicação no último dia da sua vigência, e não sendo conhecidas, ou invocadas durante toda a discussão pública sobre o caso Spinumviva, quaisquer “medidas adequadas sobre gestão e prevenção de conflitos de interesses” cuja adoção o dito preconiza, a dúvida é legítima.

Prevendo o plano a “avaliação da implementação” e “o controlo da eficácia” respetiva como “processos fundamentais para garantir o sucesso do Plano de Prevenção de Riscos” —, sobre tal avaliação nada se sabe.

"No meio de tanta banalidade e generalidade, até se pode dizer que inclui o registo de escusas no 'sempre que possível para o registo dos factos'", comenta Susana Coroado, investigadora correspondente da Comissão Europeia no domínio da corrupção e da boa governança, apreciando o plano a pedido do DN. "Mas enfim, é isto: 'Garantias, sempre que possível, promoção, melhoria', mas nunca se diz como e quando. Soa tudo a 'se não for um grande incómodo para o senhor ministro'."

Plano resume-se a repetir o que está na lei

Outro tema com relevância no que respeita ao caso que levou à queda do Governo é o do registo de interesses — em relação ao qual, como é sabido, se concluiu que o primeiro-ministro não tinha apresentado toda a informação a que estava obrigado, nomeadamente não identificando, perante a Entidade para a Transparência, todas as empresas ou entidades às quais prestou serviços nos três anos anteriores à tomada de posse. Ora o plano esta quinta-feira publicado limita-se a prever, no que a esse registo se refere, aquilo que está na lei: “Os membros do Governo entregam, e mantêm atualizada, a declaração de registo de rendimentos, património, interesses, incompatibilidades e impedimentos à Entidade para a Transparência, prevista na Lei n.º 52/2019, de 31 de julho.”

De resto, esta lei — que rege “o Exercício de Funções por Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos” — impõe no seu artigo 15º que as declarações de registos de interesses dos membros do Governo têm de ser públicas, e acessíveis na Internet.  “A Assembleia da República e o Governo publicam obrigatoriamente nos respetivos sítios da Internet os elementos da declaração única relativos ao registo de interesses dos respetivos titulares”, lê-se no referido artigo desta lei de 2019.

Porém, como o DN noticiou, os registos de interesses dos membros do Governo não estão publicados nem no “sítio da Internet” do próprio nem no do parlamento (na página referente aos registos de interesses dos Governos).

O ministro da Presidência, António Leitão Amaro, e o primeiro-ministro Luís Montenegro, durante a discussão da moção de censura do PCP, a 5 de março de 2025. O ministro da Presidência recusou acesso do DN ao plano esta quinta-feira publicado.
Governo não cumpriu obrigação legal de publicação de registo de interesses

Recorde-se que a recusa do Governo em permitir acesso ao anunciado Plano de Prevenção de Riscos de Corrupção levou o DN a colocar uma ação na justiça com base da Lei de Acesso aos Documentos Administrativos, e que o próprio MENAC exarou, como já referido, uma recomendação sobre a necessidade da aprovação e publicação, pelo Governo, de um plano anticorrupção, frisando que deste deve ser dado conhecimento ao MENAC -- o que leva a crer que este organismo nunca recebeu o plano agora publicado.

Na recomendação referida, o MENAC relembra que "a elaboração dos instrumentos de prevenção de riscos de corrupção e infrações conexas (...) deve ocorrer no prazo de 60 dias após o início de funções do Governo e ser objeto de avaliação anual." Tomando o novo executivo de Luís Montenegro posse na tarde desta quinta-feira, inicia-se o prazo de sessenta dias para a publicação do Plano de Prevenção de Riscos de Corrupção que lhe diz respeito.

O ministro da Presidência, António Leitão Amaro, e o primeiro-ministro Luís Montenegro, durante a discussão da moção de censura do PCP, a 5 de março de 2025. O ministro da Presidência recusou acesso do DN ao plano esta quinta-feira publicado.
DN coloca ação para ter acesso ao plano do Governo contra a corrupção
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