"No Sul da Europa, Portugal é o segundo país com maior percentagem da sua superfície ocupada por floresta"

Serviços e sustentabilidade da floresta em Portugal é o título da quarta conferência do ciclo Diversidade Biológica, Desertificação e Sustentabilidade organizado pelo Instituto de Altos Estudos da Academia das Ciências de Lisboa. Palestra de João Azevedo, do Centro de Investigação de Montanha do Politécnico de Bragança, pode ser vista às 18h00 desta terça-feira por zoom.
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Portugal é um país mais florestado do que os outros países da Europa do Sul?
Apesar da sua área florestal absoluta (3,3 milhões de hectares) não ser comparável à dos países muito maiores em área, em termos relativos, Portugal é dos países com mais floresta entre os países da União Europeia e da Europa. No Sul da Europa, Portugal é o segundo país com maior percentagem da sua superfície ocupada por floresta (36%), a seguir à Espanha (37%), estando acima de países como a Croácia (34%), Itália (32%), França (31%) ou Grécia (30%).Tal pode ser surpreendente, considerando os incêndios que têm afetado o nosso país ao longo das últimas décadas.

Qual a diversidade dessa floresta? Não é apenas uma divisão norte/sul, pois não?
A floresta em Portugal não é muito diversa. Só o eucaliptal e o pinhal de pinheiro bravo, representam praticamente metade da área florestal do país. Mais de 80% dessa área é ocupada por apenas quatro tipos de floresta: eucaliptal, pinhal e montado de sobro e azinho. Contudo há muitos outros tipos de floresta em Portugal e há regiões (como Trás-os-Montes) onde a floresta é mais diversa. Há diferenças em termosecológicos entre o Norte e o Sul (e entre o litoral e o interior e áreas de montanha e áreas baixas) que explicam parcialmente a distribuição das espécies, mas devemos considerar ainda o regime e estrutura da propriedade e as políticas seguidas e os investimentos económicos realizados durante o séc. XX para compreende a reduzida diversidade geral.

Função ambiental e oportunidade económica. Como se conjugam no caso português?
​​​​​​​Estas duas vertentes tendem a combinar-se quando aplicamos conceitos como capital natural e serviços de ecossistema que permitem colocar ao mesmo nível todos os contributos que a floresta fornece à sociedade, seja através de bens como madeira, fibra ou cortiça, de processos de regulação da água, do clima ou do solo ou de oportunidades de usufruição da natureza. O Prof. Américo Mendes coordenou uma equipa que estimou que a floresta portuguesa fornece serviços de ecossistema no valor de mais de 2 mil milhões de Euros por ano. No entanto, cerca de metade desse valor corresponde a serviços que não são pagos aos gestores e proprietários florestais. Penso que o pleno reconhecimento e pagamento desses serviços contribuirá significativamente para a sustentabilidade da floresta portuguesa.

Os incêndios, tão comuns todos os verões, podem ser evitados através de uma gestão equilibrada da floresta portuguesa?
Os incêndios não podem ser evitados, mas podemos reduzir o seu impacto nos ecossistemas, na economia e na sociedade. Não conseguimos controlar o clima, mas podemos atuar ao nível dos restantes componentes do regime de incêndios que são as ignições e os combustíveis. Podemos (devemos) modificar o comportamento das pessoas e a estrutura da floresta e da paisagem para reduzir a frequência de incêndios, em particular os de maior dimensão e severidade. O número de incêndios em Portugal tem vindo a decrescer de forma significativa como resultado da aplicação de medidas dirigidas. Já no caso das condições dos povoamentos florestais e da paisagem, não estou certo de que as políticas públicas sejam capazes de produzir as modificações necessárias.

Onde podemos ver um exemplo bastante bem preservado da floresta autóctone?

Infelizmente não temos muitas florestas autóctones o que está relacionado com a nossa história de utilização não sustentável de recursos naturais. No final do séc. XIX haveria apenas cerca de 3-7% do território nacional coberto por floresta. A floresta melhor preservada em Portugal é a Laurissilva da Madeira. É a maior área remanescente de um tipo de floresta que dominou o Sul da Europa até há 15 milhões de anos atrás. Está integralmente incluída no Parque Natural da Madeira. No continente, a Mata de Albergaria (Parque Nacional da Peneda Gerês) e a Mata do Solitário (Parque Natural da Arrábida) são representativas de parte da floresta portuguesa. Há outras florestas autóctones, como carvalhais ou sobreirais em Trás os Montes, com elevado valor de conservação, apesar de sujeitas a gestão.

Qual o impacto das alterações climáticas na nossa floresta?
Prevê-se que as alterações climáticas reduzam significativamente a produtividade das principais espécies florestais em Portugal, em particular no Sul e parte do Centro. É também expectável que aumente a mortalidade causada por pragas e doenças e os impactos associados a outras espécies invasoras. Os impactos mais preocupantes são, no entanto, os que podem resultar dos efeitos de ondas de calor e secas, tendencialmente mais frequentes e prolongadas, na vegetação e no comportamento do fogo, o que pode levar ao aumento da ocorrência de incêndios catastróficos. Estamos a tempo de evitar parte destes impactos apesar do tempo escassear. As iniciativas políticas de transformação da paisagem e de gestão do fogo, por exemplo, têm que ser mais assertivas e avançar muito mais rapidamente do que tem acontecido até agora.

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