De 2021 a 2023, foram tratados em Portugal 4396 doentes de Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), a maioria de Cabo Verde, da Guiné-Bissau e de São Tomé e Príncipe, mas também de Angola e de Moçambique. Em 2021, em plena época pandémica, foram tratados 1220; em 2022, foram 1589; e em 2023, 1587. Ao todo, só nestes três anos, e tendo em conta todo o financiamento dado à Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) - organismo que integra as Nações Unidas e através do qual se sustenta estes acordos -, o Estado português desembolsou mais de 64 milhões de euros (64.534.027), sendo que a maior fatia deste bolo foi nos dois primeiros anos para apoiar o combate à pandemia naqueles países, nomeadamente para a aquisição de vacinas. De acordo com os dados disponibilizados ao DN pela Divisão da Cooperação em Saúde do Ministério da Saúde, o Estado português investiu na ajuda aos países africanos, na área da Saúde, 30.770.238 euros em 2021 e 25.179.110 euros em 2022. Francisco Pavão, Chefe de Divisão da Cooperação em Saúde da Secretaria-Geral do Ministério da Saúde, confirma ao DN que “destes totais apenas uma parte respeita à evacuação e tratamento de doentes, o grosso foi para tratamento e combate à Covid-19”.No entanto, explica ainda, em relação a 2023 o montante total de financiamento à APD já baixou para verbas mais próximas dos anos pré-pandemia: “foi de 8.584.679 euros, sendo que deste total já conseguimos aferir que o custo com o tratamento dos doentes evacuados para Portugal foi de 4.871.408 euros”.No ano passado, 2024, o número total de doentes evacuados para tratamento foi de 1543, mas Francisco Pavão diz não saber ainda “qual o custo para o Estado português”. “Os dados estão a ser recolhidos para serem enviados ao Ministério dos Negócios Estrangeiros e à APD no final do mês”, comenta.Em relação aos anos anteriores, o dirigente da cooperação refere ter só montantes por inteiro - ou seja, financiamento total para a APD que sai do orçamento da Saúde, do qual a evacuação de doentes para tratamento em Portugal é apenas uma parte. Em 2020, o financiamento total foi da ordem dos 8.004.297 euros, em 2019 foi de 11.341.322 euros, e em 2018 foi de 6.006.578 euros.Maioria dos doentes é de Cabo Verde, Guiné e São ToméEstes acordos (os primeiros datam de 1977) tinham como objetivo apoiar os países africanos enquanto estes não conseguissem construir os seus próprios sistemas de saúde. O que tem vindo a ser feito. Mas “enquanto uns têm conseguido fazê-lo, como Angola, que já dá resposta à maioria dos casos complexos, ou de Moçambique, que, pela distância a Portugal, também tem acordos neste âmbito com países mais próximos, há outros, como Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, que ainda têm muitas vulnerabilidades nesta área e que necessitam de mais ajuda”, explica Francisco Pavão. Basta referir que do total de doentes de 2023 (1587), 654 eram de Cabo Verde, 496 da Guiné, 363 de São Tomé, 45 de Angola e 29 de Moçambique. Do total de 2024, 641 eram de Cabo Verde, 525 da Guiné-Bissau, 239 de São Tomé, 82 de Angola e 56 de Moçambique. Os dados comprovam também que o número de doentes tem vindo a aumentar desde 2021, ano em que Portugal recebeu 1220 doentes PALOP, o que fez Francisco Pavão comentar: “É um número elevado, porque estávamos em plena pandemia e o Serviço Nacional de Saúde estava muito sobrecarregado, mas a verdade é que recebemos todos estes doentes e os tratámos”. No entanto, como médico e como técnico na área da cooperação, defende, tal como tem vindo a ser defendido por outros dirigentes da Saúde, que estes acordos, “históricos” e com “espírito humanitário”, como refere, devem ser “revistos”, “atualizados” e “modernizados”, de forma “a serem adaptados à realidade de hoje, quer dos países de origem quer do próprio SNS”. Aliás, destaca, “esta é uma intenção de há muito tempo do nosso país, porque os acordos têm quase 50 anos e muita coisa mudou, até na medicina, mas para isto têm de ser feitas propostas aos países”. E relembra: “Os acordos na área da Saúde com os países do PALOP foram sempre no sentido de os ajudar a criar capacidade para prestar cuidados e a reforçar a que já têm para poderem tratar melhor os seus doentes e o objetivo continuaria a ser o mesmo com a revisão dos acordos”, diz.Questionado sobre se esta revisão é necessária também pelos custos e pela falta de recursos no SNS, Francisco Pavão afirma que sim, que “a situação atual do SNS tem de ser tida em conta. Não há ninguém no SNS ou no nosso país que queira deixar de receber estes doentes. Portugal tem um coração grande nesta área e é muito bem visto internacionalmente pelo sistema de ajuda que conseguiu criar, mas não podemos deixar que tal coloque mais pressão nos nossos serviços”.A perspetiva seria começar a apoiar mais estes países através das novas tecnologias, com mais formação, meios de diagnóstico e até telemedicina. Por exemplo, um doente até pode ter que vir a Portugal ser operado, mas depois, e se reunir condições, pode ser acompanhado no seu país através da telemedicina e teleconsultas.A pensar já neste sentido, Francisco Pavão explicou ao DN que até ao final deste ano a Direção-Geral da Saúde deve ter a funcionar uma plataforma que vai permitir acelerar todo o processo de evacuação de um doente, desde a confirmação do diagnóstico até à sua chegada. E isso ajudará todos os casos que ainda chegam tardiamente, porque "o grande drama de alguns casos é que já chegavam tão tarde, sem grandes opções de intervenção médica, que acabavam por ser aqui internados até morrerem". E, a longo dos últimos anos, diz ainda Francisco Pavão, “tem-se feito um grande esforço para haver maior controlo nas juntas médicas e nos diagnósticos precisamente para travar estes casos, pois não era justo para os doentes nem para Portugal, e para se travar outro tipo de abusos". Cardiologia é a especialidade mais procurada para tratamentoMas estes acordos envolvem também missões na área da formação para os países africanos como a vinda de profissionais destes a Portugal. Custos que, refere Francisco Pavão, muitas vezes não são contabilizados, já que “temos muitos profissionais portugueses que vão em missão para estes países e que nada auferem, ou que quando recebem cá os profissionais destes países para dar formação, disponbilizam o seu tempo, mas também não são pagos por isso. Portanto, continuo a dizer que o coração de Portugal em relação a esta cooperação tem sido muito generoso”.Ao nível de tratamento, e segundo os dados da Divisão da Cooperação em Saúde, a especialidades mais procuradas em Portugal é a cardiologia. É esta que recebe o maior número de doentes para tratamento, cerca de 17%, segue-se a oncologia médica, com 15%, a ortopedia com 13%, depois a oftalmologia, a ortotraumatologia, a neurocirurgia, a nefrologia, a cirurgia geral, a cardiologia pediátrica e a neurologia em percentagens mais pequenas. Quanto às unidades que mais recebem estes doentes a Unidade Local de Saúde de São José, em Lisboa, está em primeiro lugar, depois a de Santa Maria, seguindo-se a de Coimbra, São João e Santo António, no Porto, Loures-Odivelas, Lisboa Ocidental, que integra os hospitais Santa Cruz, São Francisco Xavier e Egas Moniz, Amadora-Sintra e Almada-Seixal, com Hospital Garcia de Orta. Em relação aos IPO, o de Lisboa é o que recebe mais doentes, segue-se o de Coimbra e depois o do Porto.Recorde-se que os acordos para a área da Saúde datam da década dos anos de 1970, e estabelecem que os Estados africanos são responsáveis pelo transporte e regresso ao país, as deslocações dos aeroportos até ao destino, o alojamento dos doentes em regime ambulatório, internados ou semi-internados, após tratamento, medicamentos, funeral ou repatriamento e do corpo em caso de morte. E o Estado português tem a responsabilidade da assistência médica hospitalar, meios complementares de diagnóstico e terapêutica, quando efetuados em estabelecimentos hospitalares oficiais ou suas dependências, transporte em ambulância do aeroporto ao hospital quando clinicamente exigido. E assim tem sido feito ao longo destes quase 50 anos.