“Não temos guardas prisionais a menos, temos mais que muitos países”
Nuno Pinto Fernandes/Arquivo

“Não temos guardas prisionais a menos, temos mais que muitos países”

Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso garante que não há guardas a menos nas prisões, face ao que se passa noutros países. Relatório do Conselho da Europa confirma: o rácio de reclusos por guarda em Portugal é inferior à média europeia. Assim como a taxa de fuga: no conjunto da Europa, é mais do quíntuplo.
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A ideia de que a aparatosa fuga da penitenciária de Vale de Judeus se deve à falta de guardas prisionais é contestada pelo secretário-geral da Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso (APAR), Vítor Ilharco. “Temos 4700 guardas prisionais e 12 mil reclusos. Dá dois reclusos e meio por guarda. Muitos países, até na Europa, têm bem menos.”

Esta asserção é confirmada pelo relatório de 2023 - o mais recente - do Conselho da Europa sobre sistemas prisionais, mesmo se os números não coincidem: para o ano de 2022, o total de guardas prisionais referido no relatório é de 3978, com um rácio recluso/guarda de 3,1. Ora três presos por guarda está bem abaixo da média dos países europeus (3,8). Espanha, por exemplo, apresenta um rácio de 3,6, França 3,9, Inglaterra e Gales 4,1, Polónia 4,6, Hungria 5,9 e Grécia 6,3

Acresce, prossegue o dirigente da APAR, que se se considera necessário ter mais guardas por recluso, basta reestruturar o sistema: “A sobrelotação de algumas cadeias é da responsabilidade do Tribunal de Execução de Penas, que é uma inoperância, e dos Governos sucessivos, que mantêm 49 prisões em Portugal. Só no Algarve há três: Silves, Faro e Olhão. E como para cada posto tem de haver cinco guardas, por causa dos turnos, e há em média 30 postos, o mínimo por cadeia são 150 guardas - nessas três prisões, por exemplo, há mais guardas que reclusos. Basta juntar todos numa só uma prisão no Algarve e sobram imensos guardas.”

Outra forma de melhorar o Sistema Prisional, aventa, é libertá-lo de uma série de reclusos que “não deviam lá estar”. Quais? “Desde logo, os que estão lá por conduzir sem carta. São mil e tal. Devem ser punidos, certo, mas com prisão? Não faz muito mais sentido fazerem trabalho comunitário? E depois há todos aqueles que estão condenados a penas de prisão remíveis em multa, mas que porque não têm dinheiro vão presos - são outros mil e tal. Tirando essas pessoas das prisões, mais as que estão em estado terminal, com cancros e outras doenças, resolvem a  sobrelotação e ficam com muito mais guardas por recluso. Aliás, somos dos países com mais reclusos per capita, e onde os reclusos passam mais tempo presos. Porquê?” 

Efetivamente, o país é classificado no relatório citado como tendo uma taxa elevada de reclusos por 100 mil habitantes e como sendo aquele no qual os condenados passam mais tempo na prisão, numa média de 28 meses (no conjunto da Europa, essa duração é de 10,7 meses). Em 2022, 55,8% (5525) das pessoas presas em Portugal cumpriam penas superiores a cinco anos. No conjunto dos países europeus, a percentagem média para esse tipo de penas foi de 34,5%. Em contraste, e ainda com base no relatório do Conselho da Europa, os reclusos que em 2022 cumpriam em Portugal penas por homicídio (incluindo tentado) eram 9,3% do total; ao todo, os que estavam encarcerados por crimes violentos - para além de homicídio, agressão, violação e outros crimes sexuais, roubo e terrorismo - somavam 27,8%, ou seja menos de 4000 pessoas.

Por outro lado, como aponta o secretário-geral da APAR, continua a haver muita gente que vai para a prisão por conduzir sem carta: em 2022 estavam 893 pessoas presas por crimes relativos ao Código da Estrada, o que corresponde a 9% do total de reclusos nesse período, a maioria esmagadora (576) por conduzir sem carta.

O que também ressalta do relatório do Conselho da Europa é que, com oito reclusos fugidos em 2022, Portugal teve nesse ano uma taxa de fuga de 6,5 por 10 mil reclusos, enquanto a média foi mais do quíntuplo: 32. Países da mesma dimensão, como a Bélgica (23 fugitivos), a Áustria (112), a Suécia (187) e a Grécia (15), apresentaram taxas bastante superiores. 

Parece pois que o sistema prisional português, malgrado estar, como um relatório de 2017 do ministério da Justiça reconhecia, obsoleto, com a maioria dos estabelecimentos a contar mais de 50 anos e em condições tão degradadas que acumula  condenações do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, tem sido razoavelmente seguro do ponto de vista da contenção dos reclusos. Ou seja, a impedi-los de fugir.

Certo porém é que acabam de fugir cinco homens, quatro deles considerados perigosos, de uma prisão classificada como de "alta segurança".  Vítor Ilharco, que diz conhecer bem a penitenciária, enumera perplexidades: “Em Vale de Judeus, a partir do pátio onde estão os reclusos, há um muro de quatro metros, depois um corredor e outro muro de 12 metros e uma rede de seis metros. Como é que deu tempo para os de fora, que ajudaram a fuga, cortarem a rede, encostarem a escada ao muro de 12 metros, subirem, porem outra escada para dentro desse muro, e uma corda para dentro do muro de quatro metros para os presos subirem, sem ninguém ver? E como é que não havia dois guardas na sala de controlo, onde estão as imagens, e também não havia um no pátio, o que é outra coisa obrigatória?”

Para o secretário-geral da APAR a conclusão é óbvia: “Foi um falhanço, simplesmente. As câmaras do perímetro têm de ser observadas em tempo real. Mas é chato porque geralmente não se passa ali nada, e isto é à boa maneira portuguesa: acham que ninguém vai assaltar, que não vai acontecer nada, ninguém foge. Mas hoje há gente muito perigosa nas cadeias, e com muito dinheiro. E estão ali 24 horas sobre 24 sem nada para fazer a não ser pensar como sair dali.”

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