Íris Almeida durante participação no IX Seminário Violência Doméstica.
Íris Almeida durante participação no IX Seminário Violência Doméstica.Paulo Spranger

Namoro controlado, sinal de amor ou de alarme? "Jovens deveriam ter outra mentalidade sobre relação saudável"

Referência em estudos sobre violência doméstica, Iris Almeida fala sobre atual preocupação na área, de crianças a jovens "radicalizados", a mostrar "retrocesso" no que acreditam ser práticas abusivas.
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Psicóloga doutorada, professora na Faculdade Egas Moniz e coordenadora do Gabinete de Informação e Atendimento à Vítima (GIAV), uma parceria entre a faculdade e o Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, Íris Almeida é referência nos estudos relacionados com a violência doméstica em Portugal.

Foi sob a sua coordenação que a nova ficha de avaliação de risco às vítimas foi reformulada, para começar a ser aplicada por todas as autoridades do país a partir do próximo dia 1 de julho. É também dela parte da organização do IX Seminário sobre Violência Doméstica, realizado na sede da Polícia Judiciária (PJ), que chamou a atenção para os desafios atuais no combate a este crime.

Uma das realidades mais preocupantes do momento, conforme explicou o diretor da PJ, é o "fenómeno crescentemente preocupante" da radicalização digital de jovens. "Temos vindo a detetar um crescendo de um radicalismo e de uma violência para com as mulheres, sobretudo em camadas jovens", explicou Luís Neves aos jornalistas.

Cenário sobre o qual Íris Almeida conversa com o DN.

Íris Almeida durante participação no IX Seminário Violência Doméstica.
Violência doméstica. PJ preocupada com radicalização de jovens e PGR quer agressores fora de casa, não vítimas

Pela sua avaliação, qual é o grande problema quando se fala em violência doméstica e jovens?

O que é que nós vemos? Vemos que muitas vezes estamos a falar de jovens, não estou a dizer que são todos, mas temos muitas situações em que estas crianças, estes jovens, estão em famílias onde é exercida a violência, ou seja, basicamente estamos a falar de um ciclo de violência que vai passando geração em geração. As nossas crianças e os nossos jovens estão cada vez mais com dificuldades ao nível da comunicação e das competências pessoais e sociais. Porquê? Porque temos aqui a questão da digitalização, da inteligência artificial, que traz aqui novos desafios a este nível e, de facto, aquilo que nós começamos a perceber é que estas crianças e jovens normalizam a violência.

Temos sentido um retrocesso naquilo que são as crenças sobre a violência. Os números da violência do namoro começam a ser preocupantes exatamente porque os nossos jovens deveriam ter outra mentalidade sobre o que é uma relação saudável e neste momento estamos a sentir que começam a banalizar as situações de violência. É normal mexer no telemóvel, é normal dar-se acesso às passwords e ter acesso às tuas redes sociais.
Íris Almeida

Como é que isto se materializa?

Aquilo que eu sinto e daquilo que tem sido o trabalho da Egas Moniz no combate à violência doméstica, é que temos sentido um retrocesso naquilo que são as crenças sobre a violência. Por exemplo, os números da violência do namoro começam a ser preocupantes exatamente porque os nossos jovens deveriam ter outra mentalidade sobre o que é uma relação saudável e neste momento estamos a sentir que os jovens começam a banalizar as situações de violência. É normal mexer no telemóvel, é normal dar-se acesso às passwords e ter acesso às tuas redes sociais, isto do ponto de vista da pessoa agressora. Do ponto de vista da vítima, sendo visto como um sinal de amor. 'Ai ele gosta de mim'. Portanto, há aqui uma transmissão da violência intergeneracional que vai passando. A forma como as famílias comunicam, a forma como começamos a ver, não estou a dizer que é em todas as situações, mas os nossos jovens cada vez mais estão, também eles próprios, a desvalorizar aquilo que é a situação de violência e as situações até das relações pessoais e sociais.

E há de facto uma radizalização?

Naquilo que é a minha intervenção, vou notando que estes sentimentos que temos a ter de radicalização extrema são uma normalização da violência. Isto é preocupante. Nós enquanto sociedade temos que mudar o paradigma das nossas crianças, dos nossos jovens, na perspectiva de, efetivamente, trabalharmos desde pequenininhos o que é uma relação saudável, o que é que se espera das relações não violentas. Aquilo que eu sinto é que isto vai sendo uma bola de neve, porque eu enquanto criança e enquanto jovem assisto os meus pais, os meus avós nestas situações de violência e vou repetir estas situações. Há aqui de facto associado também estas novas formas de violência online. É positivo que temos este avanço tecnológico, mas também, enquanto sociedade, nós temos que refletir que consequências a médio e longo prazo é que este avanço tecnológico poderá trazer na violência doméstica e, infelizmente, em situações de limite que é o homicídio.

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