Vai entrar em atividade já nos próximos dias a nova “casa de ponte” do Espaço Júlia, entidade que presta atendimento a vítimas de violência doméstica em Lisboa. O local “não é uma casa-abrigo, é uma resposta nova, inédita”, afirma ao DN a coordenadora técnica do espaço, Inês Carrolo. A casa, como o nome indica, vai servir como uma ponte para que a vítima tenha onde passar os primeiros momentos após o atendimento e possa organizar-se para os próximos passos.“É quase uma casa de backup, aqui ao Espaço Júlia, porque somos uma resposta que funciona 24 horas. Uma pessoa que passa por uma situação destas à meia-noite, muitas vezes o que nos diz é que só queria descansar. E nós temos esta capacidade, agora, de dizer assim: ok, vamos acabar isto e vai descansar”, explica Inês Carrolo.A vítima poderá estar na casa por um período de sete dias, prorrogáveis por mais três, com possibilidade de, inclusive, levar os animais de companhia. “É muito importante referir: há pessoas que ficam em casa porque não querem deixar os animais de estimação com o suspeito. Esta resposta é ir ainda mais ao encontro daquilo que as vítimas precisam de nós”, completa a coordenadora.Uma décadaEm 2025, o Espaço Júlia completa 10 anos de atividade e é a única unidade multidisciplinar para atendimento de vítimas de violência doméstica em Portugal. Funciona 24 horas por dia, sete dias por semana, com uma equipe de 10 agentes da Polícia de Segurança Pública, com formação especial no segmento, e dois técnicos de apoio à vítima.A ideia nasceu do trabalho de acompanhamento de vítimas que a Freguesia de Santo António já fazia na altura. “A Inês procurou-me a falar da Convenção de Istambul, da porta que ela abriu para uma autarquia local poder trabalhar nesta matéria. A PSP, desde a primeira hora, entrou no barco, eu subi a rua e vim ter ao Hospital dos Capuchos falar à Direção. Tive 15 minutos de conversa, meia-hora depois tinha o sítio”, conta o presidente da Junta de freguesia, Vasco Morgado.A unidade funciona no que era uma antiga agência do BES na Alameda Santo António dos Capuchos, no complexo do hospital. Depois das obras para adequação, passou a ter três gabinetes, uma casa de banho, uma copa e uma pequena sala. Há dez anos, o orçamento da freguesia destinado ao Espaço era de cerca de 25 mil euros. Hoje, ronda os 50 mil.O objetivo inicial era dar resposta aos casos de violência doméstica nas freguesias de Santo António, Santa Maria Maior, Arroios e Misericórdia, as quatro abrangidas pela 1.ª Divisão da PSP. Hoje, recebe vítimas de toda Lisboa e de fora dela. Já houve uma vítima que saiu direto de um avião recém-aterrado para buscar ajuda no espaço, outras que são encaminhadas pelas Serviços de Urgências lisboetas, além de outros comandos da PSP.“Infelizmente isto é um sucesso, mas só será bom quando deixar de ser necessário e fechar. Sei que é utópico, mas há uma esperança” disse Vasco Morgado, que confirma cerca de 8000 atendimentos ao longo desta década de atividade. De acordo com João Sousa Dias, chefe da PSP à frente do Espaço Júlia desde a abertura, em 2014, a unidade recebeu 648 denúncias e tratou de 300 aditamentos às queixas iniciais.O nome do espaço foi dado em homenagem a Júlia Santos, uma residente da freguesia que morava a poucos metros do local e que foi assassinada pelo marido, com quem viveu 40 anos, durante uma discussão ao pequeno-almoço.“Queríamos, de alguma forma, homenagear as tantas Júlias que estão por aí, lamentavelmente”, diz Inês Carrolo.