A jovem atriz Edla Barros, de 29 anos, riscou com tinta preta no cartaz amarelo a frase que mais quer propagar no momento em Portugal: “Parem de nos matar”. Saiu de Évora, onde reside, de propósito para vir a Lisboa clamar “justiça por Odair” na manifestação que encheu a Avenida da Liberdade. “Poderia ser eu”, disse a jovem ao DN, ao contar como se sentiu quando soube da morte do conterrâneo cabo-verdiano baleado no Bairro do Zambujal. “Poderia ser minha mãe, a minha prima. Por que é que em alguns bairros a polícia chega, vê o que se está a passar, e em outros, periféricos, age assim, a primeira coisa [que mostra] é a arma?”, completou..Assim como Edla, outros milhares responderam à convocatória do movimento Vida Justa para a manifestação. O grupo saiu do Marquês de Pombal e caminhou durante cerca de uma hora e meia, num ato que pareceu, também, uma celebração cultural. O calor emanado com a força das palavras em crioulo cabo-verdiano abraçou portugueses, brasileiros, guineenses, isso para falar apenas das bandeiras que se viam. Nem a chuva, que insistiu em cair por alguns minutos, esfriou o ânimo dos presentes, que bradavam “Nu sta junta, Nu sta forti”: estamos juntos, estamos fortes, bordão que marcou o desfile..Fabian Figueiredo, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, Isabel Mendes Lopes, líder parlamentar do Livre, e João Ferreira, vereador lisboeta pelo PCP, foram alguns representantes da esquerda política do país que marcaram posição na Avenida da Liberdade, de maneira discreta. O destaque do movimento foi sempre para outra vozes, como a de Cláudia Simões, a mulher que, em 2020, acusou um polícia de agressão e acabou condenada por mordê-lo ao reagir a uma detenção. “Isto não pode continuar assim. Não devemos ter medo. Não devemos nada a ninguém, não somos bandidos. Já que não veem isso, temos que sair às ruas”, disse ao DN antes de pegar o megafone e assumir a liderança do grupo durante parte do percurso..Inicialmente, a manifestação deveria ter terminado à frente da Assembleia da República, mas o movimento Vida Justa alterou a rota depois de o Chega ter convocado um protesto para o mesmo dia, hora e ponto final. Os milhares de manifestantes seguiram então em linha reta e desceram até os Restauradores, tendo sido colocada uma fotografia de Odair Moniz no principal monumento da praça. No encerramento, os momentos de emoção ganharam força. Uma das organizadoras, a discursar em cima de uma carrinha, questionou: “Se fosse um polícia preto a matar um branco, o [André] Ventura ia condenar?”..Embora tenham levado para a rua uma energia contagiante, as pessoas que marcharam pela Avenida da Liberdade estão notoriamente de luto e temem que a tristeza pela morte de Odair Moniz volte a chegar, em breve, por outros..caroline.ribeiro@dn.pt